ONLINE/OFFLINE


NÃO VAI TER GOLPE! BANDA LARGA E LIVRE NAS BIBLIOTECAS

Ao longo dos últimos 20 anos o acesso à internet tem crescido, continuamente, no país. Apesar da qualidade de banda larga oferecida, seja fixa ou móvel (3G ou 4G), tornou-se parte de nossa cultura.

 

Se nos primórdios da internet a ênfase estava na inclusão digital, amplia-se a discussão para a abrangência da cultura digital que interliga nossa realidade com a virtualização de nossa rotina. Envolve o lazer, educação, trabalho, amor e comércio. De alguma forma, na atualidade, nos adaptamos a consumir e a produzir coisas disponibilizadas ou comercializadas na ambiência das redes. Como cantava Gilberto Gil, na música “Pela Internet” (disco: Quanta Gente Veio Ver, 1998):

 

Criar meu web site / Fazer minha home-page / Com quantos gigabytes / Se faz uma jangada /Um barco que veleje / Que veleje nesse informar / Que aproveite a vazante da infomaré / Que leve um oriki do meu velho orixá / Ao porto de um disquete de um micro em Taipé.

 

A previsão contida na letra de Gil, ilustra a realidade dos conteúdos produzidos e disponibilizados na web.

 

Da educação a distância, eventos e conferências on-line, circulação de e-mails, bibliotecas digitais, museus digitais, catálogos bibliográficos on-line, repositórios de dissertação e tese, repositórios de preprints, repositórios de revistas eletrônicas de acesso livre, base de dados, comercialização on-line de e-books, norma de catalogação de acesso on-line (caso da RDA), códigos de classificação de acesso on-line (caso da CDD), serviço de referência digital, e etc.

 

Apenas para situar, no cenário digital, as especificidades da Biblioteconomia, como seus serviços e produtos fornecidos via canais digitais. Aspectos que requerem de outras bibliotecas, de outras instituições e, principalmente, dos usuários, acesso por meio de conexão à banda larga fixa ou móvel.

 

Os comentários acima visam destacar que tudo pode ser afetado pelo desejo das empresas de telecomunicação em limitar o volume de dados acessado na internet.

 

As empresas Vivo e Net foram as primeiras a capitanear a mudança do modelo de franquia praticado no Brasil. Segundo manifestação inicial da Agência Nacional de Telecomunicações – Anatel, o período da internet ilimitada havia terminado, diante da adoção do sistema de franquias pelas operadoras de banda larga. Um novo modelo de negócio passaria a ser imposto ao consumidor em geral, seja pessoa física ou pessoa jurídica, nesta última categoria estão incluídas todas as categorias de bibliotecas que serão afetadas enquanto consumidoras e, também, como fornecedoras de serviços e produtos aos seus usuários.

 

A empresas alegam, como justificativa, que o uso de dados, nos últimos anos, teve rápido crescimento. A explicação baseia-se no uso dos serviços de transmissão de vídeo, como os fornecidos pelo Youtube e Netflix, e jogos on-line. Alegam, também, que o uso ilimitado acabou por acostumar mal o usuário.

 

Em um ambiente no qual situa-se uma nova economia – a economia digital, a justificativa apresentada é no mínimo lamentável, e penaliza o usuário brasileiro. Afinal, o problema de fundo é meramente comercial, e no qual os maiores prejudicados somos nós. Sem esquecer que no caso comercial nós pagamos em uma e em outra ponta. Ao assinar um serviço de acesso e ao fazer uso de um conteúdo digital comercializado.

 

No novo modelo proposto, o consumidor deverá contratar um volume de dados e a velocidade de conexão, semelhante à telefonia celular. Assim, ao acabar a cota de megabytes do pacote contratado, a operadora suspende o serviço ou diminui a velocidade de conexão.

 

Destaque-se que a adoção do modelo de volume de dados limitados para a internet fixa não é exclusividade do mercado de telefonia brasileiro. Países como Estados Unidos, Inglaterra, Canadá, por exemplo, há franquias e críticas dos consumidores.

 

Nestes mercados, as operadoras pressionam pelas franquias, devido às necessidades de controlar o tráfego em suas redes, além de alegarem questão de justiça, ou seja, quem consome mais paga mais. Deve-se observar que nestes países, como no caso do Canadá, por exemplo, oferecem planos com ou sem franquia de 25 Gbytes ao custo médio de R$ 75,00 (setenta cinco reais), nos Estados Unidos, a operadora AT&T cobra R$ 35,00 (trinta cinco reais) para cada 50 Gbytes acima do limite contratado. Planos ilimitados custam em média R$ 105,00 (cento e cinco reais).

 

No Brasil, o serviço de acesso à internet é caro. O exemplo da Vivo, que oferece um plano de 50 Megabytes que custam R$ 99,90 (noventa e nove reais e noventa centavos). No país há oferta de megabytes e não de gigabytes. Assim, atualizar-se pela internet ficará mais caro. Ainda que o curso virtual seja grátis, ou mesmo a palestra seja gratuita. Ambas as situações irão contribuir para gerar taxas adicionais significativas.

 

Na era do big data e da ampla produção de conteúdo digital, o principal interesse é o financeiro. A mudança na cobrança de serviço deixa de ser apenas a velocidade de banda disponível, para cobrar o volume de dados contratado.

 

Possuir banda larga fixa de 10 Mbps, 15 Mbps, 30 Mbps ou acima de velocidade faz pouca diferença, continuará a ser cara. O que é consumido por download, upload, streaming etc., são os dados. Também não se discute a ampliação e velocidade de banda, e seu barateamento.

 

A dificuldade é acostumar-se com a ideia, e compreender os impactos na navegação na internet. Ainda mais quando exerce a liberdade de expressão na produção e compartilhamento de conteúdo, e a liberdade de acesso à informação produzida e compartilhada na rede.

 

Neste aspecto, o caso brasileiro tem várias complicações sociais. As classes de baixa renda só chegaram ao acesso à banda larga nos últimos anos. Inclusive, muitas bibliotecas públicas que só a pouco começaram a dispor seus catálogos e produtos de conteúdo social e informacional. A situação também impacta o poder de compra das pessoas e instituições que oferecem acesso gratuito à internet.

 

Em tempos de crise econômica uma mudança no modelo é contrassenso. Os Estados Unidos, em 2008, ao entrar em crise, uma das medidas adotadas foi a criação de um plano de banda larga. A razão básica era que a conectividade gera emprego, desenvolvimento e inovações.

 

Quanto da finalização do texto, a Anatel deliberou (sexta-feira, 22 de abril), que as operadoras estavam proibidas de limitar o acesso à internet de banda larga fixa "por tempo indeterminado". A proibição vale até que o Conselho da Anatel julgue a questão, o que não tem data para acontecer. Assim, as prestadoras estão proibidas de reduzir a velocidade, suspender o serviço ou cobrar pelo tráfego excedente nos casos em que os consumidores utilizarem toda a franquia contratada, ainda que tais ações estejam previstas em contrato. A Anatel suspendeu ou postergou a tentativa de um golpe contra os consumidores brasileiros de banda larga fixa.

 

A suspensão, porém, não elimina a atenção sobre a questão. Seria importante que a comunidade bibliotecária, por meio de suas entidades de representação profissional, debatesse a situação que direta ou indiretamente afeta as atividades sociais de provimento de conteúdo bibliográfico e de acesso à informação, realizado pelas bibliotecas.

 

Aliás, neste cenário alguém lembra do Fust? O Fust é o Fundo de Universalização dos Serviços de Telecomunicações, instituído pela Lei nº 9.998/2000. Seu objetivo era subsidiar serviços de telecomunicações. É importante observar no artigo 5o da Lei, os incisos:

 

 V – implantação de acessos individuais para prestação do serviço telefônico, em condições favorecidas, a estabelecimentos de ensino, bibliotecas e instituições de saúde;

VI – implantação de acessos para utilização de serviços de redes digitais de informação destinadas ao acesso público, inclusive da internet, em condições favorecidas, a estabelecimentos de ensino e bibliotecas, incluindo os equipamentos terminais para operação pelos usuários;

 

Se visitarmos bibliotecas públicas existentes em alguns municípios do Brasil, não será surpresa encontrar uma placa de metal pregada na parede, informando sobre a inclusão digital, com o nome do Governo Federal, Estadual e Municipal. E, no fundo da sala, uma pilha de computadores quebrados e abandonados.


   538 Leituras


Saiba Mais





Próximo Ítem

author image
FRBR-LRM: MAIS UM REQUISITO PARA REMODELAR O CATALOGADOR
Junho/2016

Ítem Anterior

author image
DIA DO BIBLIOTECÁRIO, LEIA QUE VAI TER BOLO
Março/2016



author image
FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.