INFORMAÇÃO ENGANOSA
Depois de muita, muita insistência, a mãe concordou:
- Está bem, vou lhe dar um celular.
- Oba.
- Vai ser um celular baratinho.
- Mas, não muuuuito baratinho, né?
- Um que eu possa pagar,
- Tá bom.
- Outra coisa - disse a mãe -, eu vou controlar tudo. Não quero que você entre em qualquer site, nem fique conversando com estranhos, essas coisas.
- Eu não sou mais criancinha, nem boba. Pode deixar.
- Então, estamos conversadas.
Alguns dias depois, o imenso sorriso no rosto da menina significava que ela já estava com o tão sonhado celular.
- Eu tenho celular, eu tenho celular - cantava ela enquanto andava, pulando, por todos os cantos da casa. - Mãe, vou sair e mostrar pra todas as minhas amigas. Eu era a última que ainda não tinha celular. Agora eu tenho, agora eu tenho, lá lá li lá lá.
Dois dias depois a mãe tinha reclamado um monte de vezes, pois a menina não largava o celular.
- Se você for tomar banho, levar o celular e ele estragar por causa da água eu não vou comprar outro. Pode tirar o cavalinho da chuva.
- Cavalinho? Cavalinho da chuva? Mas eu vou tomar banho. Que história é essa?
- Deixa pra lá, disse a mãe.
A menina resolveu entrar no grupo da família no WhatsApp. A mãe achou que era uma boa ideia.
- Você vai gostar. Seu tio costuma postar umas histórias engraçadas; a vovó sempre lembra os aniversários de todo o mundo e avisa pra ninguém esquecer; seu primo mais velho sempre partilha com a gente umas coisas interessantes: seu pai, então, coloca muitas informações sobre saúde e por aí vai.
- Vai ser legal. Já estou participando.
Alguns dias depois, a menina procura a mãe pra dizer que a tia havia postado algo muito estranho.
- Que coisa estranha ela postou? - perguntou a mãe.
- Ela escreveu que agora está caindo um grande temporal.
- E daí?
- E daí que está fazendo sol - disse a menina.
- Talvez na casa dela esteja chovendo.
- Mas, mãe, ela mora algumas casas abaixo da nossa. Não pode estar chovendo lá e fazendo sol aqui - a menina ponderou.
- Deve ter uma explicação pra isso. Depois você pergunta pra ela.
A menina colocou a mão no queixo e ficou refletindo sobre aquela situação estranha. Por que a tia tinha (ela lembrou que a professora explicara que não podemos usar palavras em seguida com o mesmo começo, pois fica feio o som. “Tia tinha” é um exemplo) escrito uma mentira? Claro que não estava chovendo na casa da tia.
Por acaso, no final do dia, a tia (a professora também comentara sobre palavras seguidas que rimam. Todos precisam evitar isso. “Dia, a tia” não deve ser usado) passou para conversar um pouco. Ela dizia que era pra “jogar conversa fora”.
- Tia, posso lhe fazer uma pergunta?
- Claro, minha linda.
- Por que você postou hoje que estava chovendo, quer dizer, que estava uma tempestade?
- Porque estava - disse a tia.
- Não, estava fazendo até sol.
- Sei lá. Um amigo do seu tio escreveu no WhatsApp que estava caindo muita água.
- Mas, aqui na nossa rua não estava chovendo. Você não olhou pela janela? - perguntou a menina.
- Fiquei tão preocupada que fechei as cortinas e resolvi avisar todo mundo. Essas coisas podem ser perigosas, podem causar prejuízos.
- Afinal, esse seu amigo disse onde estava chovendo? – quis saber a menina.
- Não sei. Eu apenas repliquei a informação que recebi.
- Olha, tia, eu pesquisei e descobri que não choveu em lugar nenhum. A informação que lhe passaram era mentirosa, uma informação enganosa. Era só pra assustar ou sei lá pra quê.
- Que sacanagem. Deixa esse cara comigo que ele vai ver.
Pelo WhatsApp a tia contou que falou com o tal amigo do marido e que ele dissera que apenas replicou uma informação que alguém de outro grupo do WhatsApp havia compartilhado.
- Ele também disse - comentou a tia - que não olhou pela janela pra saber se estava chovendo e, como eu, fechou as cortinas.
Pensando, pensando, a menina lembrou que a professora - outra vez a professora - sempre dizia que as coisas não são totalmente boas nem totalmente ruins.
- Não sei exatamente o que isso significa, mas minha intuição teima em dizer que é algo legal (“algo legal” também é feio?)