O TRABALHO DA CIGARRA E DA FORMIGA
Bela mentira, dizer que as cigarras não trabalham! Essa noite uma delas cantou estridentemente e a noite inteira na minha janela. Eu dormia e acordava, dormia, acordava, e lá estava ela na minha janela. É como se ela quisesse confirmar a minha disposição para defendê-la nesse texto que já estava começado.
Um pouco de exagero, por parte dela, pois hoje me encontro meio sonolenta, pela noite mal dormida. E por pouco, muito pouco mesmo, não mudo de idéia e escrevo a respeito de outro assunto. Por exemplo, uma cigarra “pioienta” e ignorante que não sabe que estou em férias, com vontade de largar de ser formiga, para ser cigarra. Ops, ato falho! É contra isso que quero falar e, cá estou eu pensando/repetindo a fábula “A cigarra e a formiga” de Jean de
Tendo a cigarra, em cantigas,
Folgado todo o verão,
Achou-se em penúria extrema,
Na tormentosa estação.
Não lhe restando migalha
Que trincasse, a tagarela
Foi valer-se da formiga,
Que morava perto dela.
- Amiga, - diz a cigarra -
Prometo, à fé de animal,
Pagar-vos, antes de agosto,
Os juros e o principal.
A formiga nunca empresta,
Nunca dá; por isso, junta.
- No verão, em que lidavas?
À pedinte, ela pergunta.
Responde a outra: - Eu cantava
Noite e dia, a toda hora.
- Oh! Bravo! - torna a formiga -
Cantavas? Pois dança agora!
Monteiro Lobato, no livro “Fábulas” resgata essa história dividindo-a em: I - A Formiga Boa (Narizinho, reclama: “Esta fábula está errada!”) e diante do protesto o autor acrescenta o capítulo II - A Formiga Má.
José de Nicola, concordando com a segunda versão, poeticamente escreve - “Histórias Malcontadas”:
O que será que a Formiga faz
com seu ouvido e seu coração
durante o verão?
....................................................
A formiga tão compenetrada
só trabalha, só trabalha, só trabalha.
que às vezes, até se atrapalha!...
.....................................................
A formiga mal-humorada
não compreende, por exemplo,
que a Cigarra, sua amiga,
procurou na vida um atalho:
com seu trabalho
de canto e poesia
(ofício tão difícil!)
produz alegria.
Aproveitando o embalo quero que você conheça uma “Cigarra Moderna” criada por Elias José:
Ci-ci-ci-ci-ci-ci
é a cigarra,
cantora de garra,
a melhor que já ouvi.
Ci-ci-ci-ci-ci-ci
é a cigarra,
cantora mais bacana
que qualquer baiana
das estrelas daqui.
Ci-ci-ci-ci-ci-ci
voz que não desafina,
é a cantora mais fina
de todas daqui.
Cheia de brilho
e vidrilho
é o mais alto astral,
a estrela que todo mundo vê,
o maior pique da tevê.
Mas já houve um tempo
que era um inferno
passar no relento
todo o inverno.
Hoje, pra desfazer a lenda
e acabar com intrigas,
dá parte de sua renda
pro sindicato das formigas.
Ainda no mesmo enredo (que não é de Carnaval!), eu trago José Paulo Paes com seu poema “Sem Barra”:
Enquanto a formiga
carrega comida
para o formigueiro,
a cigarra canta,
canta o dia inteiro.
A formiga é só trabalho.
A cigarra é só cantiga.
Mas sem a cantiga
Da cigarra
Que distrai da fadiga,
Seria uma barra
O trabalho da formiga!
Depois dessas poesias gostosas, eu precisos esclarecer para aqueles que pensaram que isso é pura invenção da minha cabeça “tonta” de tanto cicicicicici. Acreditem se quiser, pois isso é pura verdade. Isso tudo aconteceu.
E eu nem posso dizer que deu raiva dessa cigarra danada, pois ela fez minha noite ficar recheada com as poesias que havia lido no dia anterior; acabei dando risadas.
E antes de terminar, eu preciso sugerir que além dos livros citados, você precisa ler também o livro - Formigarra/cigamiga ou Cigamiga/Formigarra da Glória Kirinus. Lá você vai compreender um pouco mais do que se passa na cabeça da formiga e da cigarra. É uma farra!
Sugestões de Leitura:
DE NICOLA, José. Entre ecos e outros trecos. São Paulo: Moderna, 1991. p.42-43.
JOSÉ, Elias. (me desculpe o autor, mas acionei uma rede de amigos para descobrir em que livro foi publicado essa encantadora poesia, mas não consegui. Com certeza está em algum livro que tive!).
KIRINUS, Glória. Formigarra/cigamiga. Curitiba: Braga, 1993.
LOBATO, Monteiro. Fábulas. São Paulo: Brasiliense, 1982.
PAES, José Paulo. Olha o bicho. 11.ed. São Paulo: Ática, 2000.