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BIBLIOTECA SEXY

A Biblioteca foi se consultar com o Hospital. Queria fazer uma plástica geral, estava se sentindo um sebo.

 

A piada pode ser sem graça, mas serve de ilustração para uma questão. Diante da crescente adesão às tecnologias de informação, as nossas bibliotecas (em geral) ficaram mais sexy?

 

Por favor, não me interpretem mal. O termo sexy empregado refere-se aos aspectos de as bibliotecas estarem mais atraentes ou atrativas aos usuários. Tornaram-se espaços agradáveis e prazerosos de usufruir. O texto não é um tratado científico, apenas uma reflexão genérica e pessoal sobre a relação, biblioteca, usuário e tecnologia.

 

Palestras assistidas nos últimos tempos apresentaram defensores da idéia de que biblioteca é algo obsoleto e em extinção diante da crescente popularização da Internet. Recordo de uma palestra (em especial) na qual o diretor de uma faculdade paulista relatava a discussão entre os professores (defensores e contrários) sobre a manutenção da biblioteca na unidade. Com a disposição de conteúdos científicos acessíveis pela Internet o espaço físico da biblioteca poderia ser mais bem aproveitado com laboratórios ou salas de aulas. Alguns diziam que por conta dos recursos na Web não iam mais à biblioteca, pois tudo que necessitavam podia ser buscado nas bases de dados, ou via Google.

 

Já, durante o encontro sobre a "Sociedade da Informação", promovido pelo Instituto Goethe, Consulado Francês e o Conselho Regional de Biblioteconomia (CRB-8), em São Paulo/SP, no ano de 2005, palestrantes da Alemanha e da França ao comentarem as atividades realizadas, e o nível de informatização envolvidos nos serviços de informação de seus países, destacaram que o ambiente de informação ficara muito mais interessante, até sexy. Porém, se trata de mudanças acontecidas em países desenvolvidos e nos quais apesar dos cortes orçamentários, ações alternativas de captação de recursos, aliadas a uma visão do papel social da biblioteca têm contribuído para a renovação, e inovação. Ao menos era esta sensação passada durante o evento.

 

Ao olhar para a realidade brasileira fatalmente surge uma comparação, se as nossas bibliotecas são sexy. Será que a crescente adesão às tecnologias tem transformado as bibliotecas brasileiras em espaços de informação mais atraentes aos usuários?

 

Atualmente, podemos acessar remotamente catálogo bibliográfico, de uma significativa parcela de bibliotecas. Mesmos textos completos de dissertações e teses, ou artigos de revistas podem ser acessados de nossos computadores. Aliás, ao se pesquisar em um mecanismo de busca por sites de bibliotecas brasileiras, eles surgem aos milhares, trazendo uma gama variada de informação. Enfim, os usuários brasileiros têm à disposição algum tipo de serviço eletrônico de informação oferecida por uma biblioteca, nem que seja um simples canal de correio eletrônico. Mas, apesar desta situação de conforto no acesso online à informação, nossas bibliotecas não transparecem uma atratividade especial.

 

Juliano Spyer abordando as possibilidades das redes digitais (Conectado. Rio de Janeiro: Zahar, 2007), comenta aspectos de sua fase de estudante e a relação com a biblioteca:

 

No meu tempo de estudante do Ensino Fundamental I, no começo da década de 1980, freqüentemente era condenado a passar as tardes na biblioteca do bairro para fazer pesquisa – o que representava, pelo menos para mim, copiar longos verbetes das enciclopédias Barsa ou Britânica. A aposta era que no processo de leitura uma parte das palavras de passagem pelo cérebro ficaria retida na memória.

 

Com certeza, as bibliotecas (públicas e escolares) pagam ainda hoje um alto preço junto a gerações de usuários que as vêem como espaço de condenação ou de penitência. Esse mesmo público considera a internet redentora; apesar da internet também ser considerada culpada por reduzir o esforço intelectual, e até emburrecer (Gilberto Dimenstein, Internet emburrece?  Jornal Folha de São Paulo, 16/06/2008).

 

Na mídia, encontramos uma valorização da tecnologia como canal de conhecimento e informação. A maioria dos leitores há de se lembrar de propaganda divulgando uso de banda larga, onde uma professora cobrava a pesquisa dos alunos. Todos entregam os trabalhos impressos (uma contradição ecológica), enquanto um aluno fantasiado como troglodita apresenta o trabalho gravado em pedra. Por ser diferente, foi ironizado pelos colegas. Outro exemplo, mais recente, apresenta uma grande pilha de livro, e sugere que com a banda larga e a internet, o cliente terá grande acesso ao conhecimento.

 

Em suma, no Brasil, basta um computador conectado para tornar uma pessoa culta, educada e bem informada. Para solucionar o quadro negro da educação brasileira basta automatizá-la. E, agora, com as Casas Bahia, ou o Ponto Frio comercializando computadores em prestações populares, os problemas de acesso à tecnologia e de inclusão digital está resolvido.

 

Relacionado com a popularização dos computadores, bibliotecas públicas, sob alegação de falta de público têm sido desativadas, discute-se se a causa decorre da falta de investimento em acervos e em recursos tecnológicos. Sobre tais carências, recordo-me do depoimento de uma estudante de biblioteconomia (alguns anos atrás) que na apresentação do seu trabalho final para uma disciplina do curso, relatou a visita para coleta de dados. Comentou que na avenida de seu bairro havia dois prédios públicos, em duas situações opostas. Em um, requerendo conservação física situava-se a biblioteca pública, internamente o ambiente era mal iluminado, mobiliário desgastado, para não dizer abandonado. No outro prédio, recém construído pelo mesmo poder público, existia instalado um posto de acesso à internet dedicado a atividade de inclusão digital da comunidade.

 

O interessante fora o fato de a comunidade ter montado no amplo e arejado espaço uma biblioteca comunitária para subsidiar as atividades de inclusão digital e entreter os freqüentadores que aguardavam o momento de usar os equipamentos. Porém, do outro lado da rua havia uma biblioteca. Em realidade entre os dois mundos um muro invisível isolando a biblioteca, público e política de inclusão.

 

Nas ações públicas de inclusão digital, as bibliotecas com raras exceções, não têm sido envolvidas. Embora a comunidade promova criação de bibliotecas no espaço. Provavelmente, a infra-estrutura física acanhada da maioria das bibliotecas pode contribuir com sua exclusão dos programas tecnológicos, ou só tardiamente serem envolvidas quando gestores públicos atentos despertam que pode ser viável e muito rica a parceria, caso do programa Acessa São Paulo que deu inicio a uma integração experimental de inclusão digital e biblioteca.

 

Em realidade, uma biblioteca sexy contribui com a política de inclusão digital de sua comunidade, e vai além perseguindo a inclusão informacional desta mesma comunidade. Mas será que atulhar as bibliotecas de recursos tecnológicos contribui para o aumento da freqüência de público, e sua satisfação com o serviço prestado?

 

Uma situação narrada por um colega destaca que sua biblioteca oferecia serviço de renovação de empréstimo por telefone (uma facilidade aos usuários). Com recursos tecnológicos atuais, a biblioteca passa a adotar renovação por meio de correio eletrônico. O que seria uma nova opção ao público, transforma-se em única alternativa de renovação; pois o uso do telefone foi cancelado. A biblioteca olhou para o seu conforto e não para o de seu usuário. A justificativa fora falta de pessoal ou corte de custos.

 

Uma biblioteca sexy esforça-se em oferecer alternativas aos seus usuários. A intenção é conquistar a confiança das pessoas aos objetivos de seus serviços. Serviços que devem filtrar e ofertar recursos relevantes. Assim, ela acolhe as necessidades de sua comunidade, e proporciona canais de comunicação presencial, por telefone (fixo ou móvel), correio eletrônico, comunicadores instantâneos (MSN-Messenger, Google Talk, ICQ, Yahoo! Messenger, Skype etc.). Neste último a dificuldade é definir a ferramenta a usar, já que os fornecedores promovem os produtos com restrições que impossibilitam a interoperabilidade entre sistemas. Como os usuários optam por aqueles utilizados por seus grupos de relacionamento, a alternativa para a biblioteca é instalar programas múltiprotocolos como Gaim, Trillian ou Miranda que permitem a inclusão de contatos de diferentes comunicadores. Com relação à telefonia móvel, o celular é item dos mais vendidos nas lojas. Em 2007, foram 3,6 milhões de aparelhos, evitá-los ou combatê-los não é uma boa maneira de educar, orientar, e informar os usuários. Merece ser explorado como canal de informação.

 

A impressão por vezes passada à medida  que as bibliotecas agregam recursos tecnológicos às suas atividades, é que estas parecem atuar para restringir a freqüência, a permanência ou atrair a presença física dos usuários (aspecto me dito por um freqüentador de biblioteca).

 

Em realidade, os sistemas bibliográficos informatizados facilitam o acesso remoto à informação; são catálogos, bases de dados e revistas eletrônicas (entre outros). Entretanto, produtos e serviços são recursos que potencializam a biblioteca. Porém, tanto quanto estimulam, parecem gerar acomodação sobre a equipe profissional; além de um falso entendimento para o público de que a informação registrada é causa da Internet e não do trabalho promovido pela biblioteca.

 

A biblioteca sexy faz uso da tecnologia e de recursos digitais em seus serviços, mas concomitante promove sua visibilidade, faz seu marketing, convida o seu público a visitá-la, e a estar sempre que possível presencialmente usando das instalações.

 

A biblioteca analógica ou física, atualmente é cada vez mais hibrida (concilia produtos e serviços impressos e eletrônicos). Provavelmente pressionada por cortes orçamentários e de pessoal deposita na alternativa de ser cada vez mais @ (arroba) – usuária das tecnologias, uma forma de manter-se acima dos riscos de desativação ou sentimento de estar ultrapassada.

 

Novamente, vale comentar que o ambiente físico de algumas bibliotecas, no Brasil, assemelha-se a mosteiros medievais em seu desenho, com paredes grossas e janelas diminutas (seladas por grades ou telas) por onde transpassa filamentos desnutridos de luz. São poucas aquelas cuja arquitetura faz uso coerente da luminosidade natural,  e na qual as janelas permitam pousar os olhos para um jardim ou um belo horizonte, estimulando a reflexão e a leitura meditativa, além de espaçosas. Onde o silêncio não é regra de controle ou restrição à comunicação entre pessoas.

 

Outras bibliotecas ocupam imóveis antigos (casarões de ilustres personalidades) adaptados, mas não adequados. Muitos com escadas estreitas e salas diminutas. Lastimável, também, é saber que mesmo prédios novos construídos por arquitetos renomados; pecam por ser inadequado tanto para o trabalho bibliotecário, quanto para a freqüência do público interessado na leitura, e na busca de informação.

 

Visitei uma biblioteca pública recém-inaugurada (questão de um ano e meio de atividade), de bela fachada, localizada em um bonito parque (arborizado). Mas uma vez dentro, parecia uma estufa. No verão, era uma sauna, e no inverno um freezer. Fora projetada sem o envolvimento de bibliotecários na discussão (não que fosse garantia de projeto perfeito, mas um passo certamente). Os deficientes visuais usuários de serviço ofertado pela biblioteca reclamavam que não havia tomada para seus equipamentos especiais. Mesmo cabeamento para os computadores era deficiente. Ademais, a biblioteca situava-se em lugar distante do centro da cidade, com poucas alternativas de transporte coletivo, fora da passagem ou da linha de atenção do público em geral.

 

Uma biblioteca sexy é planejada em sua concepção, construção, instalação e sinalização para ser centro de passagem da comunidade. Posiciona-se para estar no caminho e nas intenções das pessoas, não como uma pedra (empecilho), mas centro referencial de aprendizagem e informação. Os acessos de locomoção são facilitados e baratos. E os seus equipamentos, serviços e produtos atendem a todas as características identificadas ou manifestadas por sua comunidade.

 

A biblioteca ao fazer uso de recursos eletrônicos não se despersonaliza ou se torna mero depósito. Ao utilizar do comércio eletrônico para aquisição de um produto, fiquei temeroso de passar o número do cartão de crédito. O anjo da guarda não me dava segurança sobre o processo. Ao olhar com mais atenção o site do fornecedor, um botão indicava vá à loja; ao clicar obtive o telefone e o endereço. Como o telefone insistia em dar ocupado fui pessoalmente à loja para avaliar e adquirir o produto. Ao chegar deparei com uma casa hermeticamente fechada. Pelo interfone, uma voz feminina me atendeu. Após explicar minha intenção, a resposta foi curta – ali era apenas depósito, toda compra só poderia ser feita pela Internet, e silenciou-se o interfone. Na rua, diante de uma fachada inexpugnável, estava eu em busca de informação.

 

A história apenas ilustra que a biblioteca sexy não é depósito de retirada e devolução de material, nem é comércio eletrônico de qualquer espécie. Que os serviços e produtos disponíveis de forma online, também devem ser dispostos presencialmente. As características básicas das bibliotecas devem ser aprimoradas aos novos tempos, e não abandonadas em favor de princípios modernosos, porém ainda insipientes.

 

Milhares de bibliotecas brasileiras possuem sites. Observe e depois me condene (prezado leitor). Quantos sites você conhece que trazem uma chamada do tipo: visite a biblioteca (como agem os restaurantes a convidarem os clientes para conhecerem cozinha). 

 

Quantos sites de bibliotecas apresentam o nome do bibliotecário responsável pela biblioteca, ou pelo serviço que você está acessando remotamente. Quantos sites de bibliotecas indicam a quem podemos recorrer para uma consulta ou reclamação.

 

Normalmente, este tal responsável é apresentado como: fale conosco ou webmaster (você os conhece). Em termos de nome são pouco sexy. Podia ter uma denominação no mínimo mais atraente e acompanhada de nota explicativa sobre sua função. Não sei se já ocorreu com você, mas comigo em muitas das vezes que encaminhei mensagens estas não retornaram respostas. Deve ser para isto mesmo, deixar o usuário aguardando. Afinal, o serviço online é para ser usado e não questionado.

 

A biblioteca sexy tem gente para lidar com gente, presencial e remota. Na biblioteca sexy o usuário se dirige a um nome que designa alguém de carne, osso e cérebro; e não um nickname fantasioso.

 

Certamente, a biblioteca requer se modernizar tecnologicamente. Mas entulhar de computadores não é a solução. Algumas bibliotecas são bem equipadas, oferecem acesso à internet, mas se ocupam com outros problemas, a queixa de que os usuários utilizam mal os recursos ou usam somente para ver e-mail, bater-papo, sites pornográficos, ou acessar o Orkut. Tomam tempo de outros, causam conflitos, e não utilizam os serviços da biblioteca. Em alguns casos a biblioteca prefere tirar o equipamento. Na realidade, os usuários fazem bom uso dos equipamentos. Utiliza em acordo com seu nível de interesse e de competências.

 

A biblioteca sexy faz uso de outras estratégias que permitem um melhor uso compartilhado dos equipamentos. Ao invés de mesa e cadeira, e a determinação de um tempo de navegação (30 minutos em média); bancada que permite usar as máquinas e navegar na internet em pé para quem não é deficiente físico. Alguém consegue ficar em pé por muito tempo, que eu saiba só os guardas da Rainha da Inglaterra (Yeoman Warders Of Her Majesty's).

 

A biblioteca sexy explora as ferramentas de redes sociais utilizadas pelas pessoas (blog, Orkut, Linkedin, MySpace, Facebook, Live Spaces, Hi5, Digg, Twitter, Flickr etc.), para conhecer seu publico, divulgar seus serviços e produtos, se comunicar com a comunidade, e orientar no uso de seus recursos. Até mesmo estimula as pessoas a compartilharem nas redes sociais suas experiências com o ambiente da biblioteca: leituras, hora do conto etc. Dá bônus em tempo de navegação para os mais assíduos na convivência e uso dos serviços bibliográficos.

 

Certamente, a tecnologia é recurso importante para qualquer tipo de biblioteca. Porém, não será por si só responsável em dar novo significado ao papel da biblioteca para a sociedade. Ademais, em um mundo cada vez mais digital na circulação de informação e conhecimento, cabe a biblioteca revalorizar a relação face-a-face com seu público, que apesar de aculturado nos gadgets tecnológicos não pode ser desacostumado do serviço de informação (impresso ou digital).

 

A biblioteca sexy deve fazer-se presente na vida e nos sonhos das pessoas. Mas, o agente fundamental para tornar a biblioteca sexy é o bibliotecário e a equipe. Devem aprimorar o lado sedutor para atrair o usuário e estimulá-lo. Neste sentido, é preciso acolher o usuário com um sorriso sincero, com um desejo real de servi-lo fazendo-o se sentir como elemento central do trabalho realizado. É estar com as ações e atenções centradas no usuário.

 

Por fim, a plástica da Biblioteca deve ser geral. Não basta botar botox. O efeito é temporário.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.