AÇÃO CULTURAL


VIA FLIP

Participei da FLIP-Festa Literária Internacional de Paraty, pela primeira vez. Extasiei-me.

 

Foram vários os motivos: o centro histórico de Paraty, onde a programação oficial se desenvolve noite e dia, é lindo; a multidão que acorre ao evento é memorável; a estrutura da Festa é monumental e os serviços, a despeito, são eficientes; a programação paralela envolve música, arte e cultura e é de alto nível; crianças e adolescentes são contemplados com a Flipinha; turistas brasileiros e estrangeiros circulam e falam em linguajares e línguas de todos os cantos; a confraternização é total e independe de conhecimento prévio ou de apresentações, levando a conversas entre famosos e plebeus, em meio a muita comida gostosa, mais música e dança na praça e em cada esquina. Não dá para participar de tudo; é preciso selecionar e muita coisa boa fica perdida.

 

E achada! Meu grupo de amigos conseguiu descobrir que, no escritório local do IPHAN, haveria um encontro de bibliotecários da região, organizado e conduzido por Elisa Machado, atual coordenadora-geral do SNBP, da Fundação Biblioteca Nacional.

 

Espaço pequeno. Muitos participantes. Principalmente, da região sul do Rio de Janeiro.

 

Chamou-me a atenção a juventude do público profissional que lá se encontrava e que, nos depoimentos, expôs os problemas que enfrentam. Lá como cá, eles giram em torno de orçamentos e verbas, falta de reconhecimento na comunidade, salários e condições de trabalho insatisfatórios. Alguns conseguem executar bons projeto, que querem compartilhar com seus pares, mas as oportunidades são raras. Por isso, a afluência numerosa à reunião e a sugestão coletiva de que aconteçam outras, inseridas nas próximas FLIPs.

 

Um dos pontos altos do Encontro foi o depoimento de um pescador da Ilha do Araújo, próxima a Paraty que, entre as saídas ao mar, exerce cotidianamente sua profissão, passada de pai para filho, e desenvolve uma biblioteca pessoal, com a qual se ilustra e oferece possibilidade de conhecimento aos que o cercam, entre família, vizinhos e outros moradores da Ilha. Buscando todos os meios para a aquisição dos livros, chegou a um impasse: não tem mais espaço para dispor o que possui e não consegue organizar por conta própria o material. Sua presença à reunião explicava-se pelo relato que precisava fazer e, ao mesmo tempo, para pedir socorro aos profissionais presentes. Conseguiu as duas coisas: a atenção dos ouvintes (perplexos e emocionados) e o oferecimento de estagiários por parte do Curso de Biblioteconomia da ECA/USP, no período de férias, em troca de alojamento e alimentação.

 

O que escrevo hoje foge um pouco às características desta coluna, em Infohome. Todavia, optei por esta conversa para pôr em evidência três coisas de interesse para todos nós, como pontos de reflexão:

 

1 - o tipo de biblioteca que está mais próxima do povo e das comunidades (os cidadãos) é a biblioteca pública, qualquer que seja sua dependência orgânica ou institucional, não importando identificar em que nível;

 

2 - talvez por questão de modismo, poucas reuniões científicas ou encontros têm sido dedicados a ela ou ao pessoal que nela trabalha;

 

3 - falta-nos refletir sobre a prática do exercício político, não partidário, que o bibliotecário deixa de exercer no dia-a-dia, e, assim, deixa de conquistar muita coisa para si (o tão almejado reconhecimento), para sua biblioteca e para seu público, calcado no sentido aparentemente inusitado por parte da categoria profissional, que não se atenta para o fato de que ideias viram ou podem virar projetos, projetos precisam de verbas, verbas devem estar alocadas em orçamentos, e orçamentos dependem tanto do conhecimento sobre o assunto (livro, leitura, biblioteca, educação, cidadania, etc.) quanto da boa vontade dos políticos e autoridades locais, estaduais, federais. E cabe a nós mostrar o que é possível, viável e benéfico que esse universo da biblioteca pública pode proporcionar à população, num contato oportuno com esses políticos e essas autoridades.

 

Daí que a FLIP foi uma excelente ocasião para pôr em evidência a temática, que precisa ser replicada em outros eventos afins, nos demais estados, no Interior e no Litoral. Todos nós gostamos de festa (a FLIP o é) e de encontros. Promovê-los é preciso.

 

Elisa Machado está disponível e quer que o Sistema Nacional de Bibliotecas Públicas se desenvolva e consolide. Mas, ela é rigorosa e quer que o pessoal  das bibliotecas esteja consciente e preparado para o que vem pela frente, pois não basta querer , é preciso agir e atuar bem, corretamente, eticamente, sem tropeços técnicos e/ou culturais. Afinal, somos formadores de opinião e de pessoas, entre adultos e jovens.

 

Nossa responsabilidade social é muito grande e as pesquisas desenvolvidas em biblioteca pública, em que pese o tempo decorrido, apontam para bons resultados, embora, infelizmente, ainda tragam à realidade várias mas evitáveis mazelas.

 

A análise crítica da atuação profissional em conjunto com a equipe é saudável e pode produzir um momento de inovação. Ou, ao menos, de renovação.


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MARIA HELENA T. C. BARROS

Livre-docente em Disseminação da Informação (UNESP); Doutora em Ciências da Comunicação (USP); Mestre em Biblioteconomia (PUCCAMP); Especialista em Ação Cultural (USP); Formada em Biblioteconomia e Cultura Geral (Fac. Filosofia Sedes Sapientiae); Autora de livros e artigos científicos publicados no Brasil e no Exterior