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A NATA NÃO GOSTA DO NATO

Retorno a uma questão bordada anteriormente nesta coluna, no texto: "12 de março dia dos Bibliotecários, parabéns! E das entidades de representação profissional, salvem! Salvem! Notas para a data", de 2005. Trata da participação dos membros natos nas plenárias dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia.

 

Esclarecimento quanto à legislação

 

Importa esclarecer que membro nato é uma figura jurídica que existe na estrutura de criação dos Conselhos Regionais. Criação esta que decorreu da Lei 4.084/1962, que regulamentou a profissão de bibliotecário no país, e que cita em seu artigo 21, parágrafo único: "Os diretores de escolas de biblioteconomia e os presidentes das associações de bibliotecários são membros natos dos Conselhos Regionais de Biblioteconomia".

 

O próprio regimento do Conselho Federal de Biblioteconomia - CFB, nº 46/2002, em seu art. 64 destaca que:

 

Os CRB serão compostos de 12 (doze) ou 14 (quatorze) membros efetivos e 3 (três) a 6 (seis) Suplentes, de acordo com o RI, todos de nacionalidade brasileira ou naturalizados.

§ 1º - Os Diretores, Chefes ou Coordenadores de Cursos de Instituições do Ensino Superior de Biblioteconomia e os Presidentes de Associações de Classe são membros natos dos CRB, de acordo com o disposto no artigo 21 da Lei 4.084/62.

§ 2º - Os Diretores, Chefes ou Coordenadores de Cursos de Instituições de nível superior, onde se ministre o ensino de Biblioteconomia, quando não forem Bibliotecários, poderão indicar como membro nato um docente que o seja e que esteja registrado e em dia com as suas obrigações no CRB.
§ 3º - Os membros dos CRB, efetivos e suplentes, não poderão cumular o cargo de Conselheiro e cargo de Diretoria de qualquer outro órgão de classe e/ou entidade associativa ligada à Biblioteconomia, enquanto durar o mandato.

 

Apesar de constar da Lei Federal 4084/62, e não ter sido revogado pela Lei 9.674/98, a figura do membro nato tem sua existência vigorando na estrutura de cada Conselho Regional, conforme atesta o próprio regimento do CFB. Entretanto, a Resolução CFB nº 60, de 6 de julho de 2004, que estabelece o regimento interno de todos os Conselhos Regionais de Biblioteconomia, determina:

 

Art. 6° - O CRB- ... é composto de 12 (doze) membros efetivos e 3 (três) suplentes, denominados Conselheiros, todos brasileiros, bacharéis em Biblioteconomia, com registro profissional na jurisdição de eleição, em dia com todas as suas obrigações perante o Conselho Regional, com mandato trienal, eleitos na forma prevista neste Regimento Interno e na Resolução Eleitoral específica, expedida pelo CFB.

§ 1° - Os Diretores, Chefes ou Coordenadores de Cursos de Instituições do Ensino Superior de Biblioteconomia e os Presidentes de Associações de Classe são membros natos do CRB- ..., de acordo com o disposto no artigo 21 da Lei 4.084/62.

§ 2° - Os Diretores, Chefes ou Coordenadores de Cursos de Instituições de nível superior, onde se ministre o ensino de Biblioteconomia, quando não forem Bibliotecários, poderão indicar como membro nato um docente que o seja e que esteja registrado e em dia com as suas obrigações no CRB- ....

 

Até aqui, repete a determinação legal acrescentando, ainda, no citado regimento, o art. 9° que destaca:

 

O Plenário do CRB- ... é constituído pelo conjunto dos seus 12 (doze) Conselheiros Efetivos e 3 (três) suplentes, além dos membros natos.

 

Assim, as reuniões plenárias são constituídas pela participação dos conselheiros regionais e dos membros natos. Aliás, deveriam ser constituídas. Há, porém, restrições à participação dos natos, no próprio regimento:

 

Art.13 - O Plenário deliberará por maioria simples de votos, cabendo ao Presidente o voto de qualidade.

§ 4o. Os membros natos, quando presentes ou representados, não terão direito a voto, e sua ausência não será computada para exigência de quórum;

§ 5º. Será dispensada a presença do membro nato na parte da reunião plenária quando da relatoria, discussão, apreciação e aprovação de processos. (grifo em itálico nosso).

 

Pela norma estabelecida e regiamente aplicada, o membro nato fica impedido de acompanhar ou opinar nas atividades e deliberações do CRB. Em realidade, a ele é permitido realizar o relato de suas atividades e, prontamente, ser convidado a se retirar da plenária. Ocorre que a reunião plenária é em si um processo continuo de decisões, relatos e apreciações.

 

A situação é constrangedora, para não dizer indelicada, não apenas para com o profissional que lá está na função de representação, mas com a entidade da área que o indicou representante. É, também, um bibliotecário que voluntariamente dedica parte de seu tempo para colaborar com a profissão, da mesma forma que os Conselheiros Regionais e, mais, representa a conexão da academia com  a prática. O mesmo vale para o representante da Associação. É um tipo de destrato realizado justamente por um órgão que deveria promover a agregação de esforços em favor da classe bibliotecária.

 

Definição de membro nato

 

Membro nato significa membro permanente em uma associação, instituição. Figura inerente a uma estrutura desde sua fundação.

 

No dicionário Aurélio, encontramos o significado de nato como sendo aquilo que é de nascença; congênito. Já, membro entende-se como pessoa pertencente a uma corporação, associação, família, agrupamento, etc.; é a parte de um todo (estrutura, organização, comunidade, etc.), portanto, podemos concluir que é uma qualidade de pessoa pertencer a um grupo desde nascido.

 

Plácido e Silva, em sua obra “Vocabulário Jurídico” (26ª ed., Rio de Janeiro : Editora Forense, 2005. p.943), define:

 

Nato, do latim natus (nascido), é o vocábulo empregado na terminologia jurídica para, em relação à nacionalidade, distinguir a que provém do nascimento, não da naturalização. Nato, assim, exprime, inflexivelmente, o que resulta do nascimento ou é fundado no nascimento. Nato é ainda o vocábulo usado, em sentido que não diverge do originário, para designar o que vem naturalmente, isto é, sem que se faça necessário a prática de qualquer ato ou sem a promoção de qualquer medida. É, pois, o consequente, o espontâneo, o decorrente. Ocorre, principalmente, o emprego do vocabulário, para designar, na composição de certos órgãos administrativos, a participação de certas pessoas, que não são escolhidas nem nomeadas. São membros natos, isto é, naturais, em virtude de funções exercidas em outros setores, ou de posições ocupadas em outras administrações. Assim, são elementos que se impõem, em decorrência ou em consequência de outros fatos, ligados, ou não, aos que promovem as novas organizações, corporações ou administração.

 

No âmbito da estrutura do sistema CFB/CRBs, a figura do membro nato não foi instituída aleatoriamente. Está fixada como inerente aos conselhos e é parte de sua história. História esta mobilizada pelos bibliotecários-líderes na construção das instituições da área (Castro, C. A. História da Biblioteconomia Brasileira: perspectiva histórica. Brasília : Thesaurus, 2000). Excluir essa figura só por adendo a Lei Federal que nos regulamenta. Assim, melhor seria discutir a questão com os envolvidos, e não impor um cerceamento disfarçado (convoca para uma reunião, e dispensa na soleira da porta de entrada).

 

Considerações Finais sobre a questão

 

O posicionamento do Regimento no art. 13/5 é um retrocesso. Parece uma espécie de Ato Institucional (de triste memória) ao suspender direito de votar; de opinião; de acompanhar uma plenária na sua plenitude.

 

É inequívoca que, quanto mais transparente e participativa for uma entidade, maior será a consideração de seus representados. Com a perene situação, fixa-se um solapamento dos canais institucionais da área, na sua base. Mesmo as ações locais do CRB acabam sendo afetadas, pois sugestões que contribuam para uma reflexão e/ou decisão coletivamente pensada (nos processos e ações) se inviabilizam.

 

Em 2005, diante desse inusitado, encaminhei o seguinte registro ao Conselho Regional de São Paulo, na abertura da plenária de então:

 

[..] É constrangedora a situação de participação, enquanto representando a escola. Sinto-me em uma situação de desestímulo e de constrangimento. Historicamente, a figura do membro nato teve ampla participação na própria consolidação do Conselho (baseio-me na história paulista). Nas plenárias do Conselho, colaborando nas discussões e reflexões sobre as ações ou medidas tomadas pelo órgão. O membro nato também atua como elemento de estabilidade nos processos de transição das diretorias do próprio Conselho. Ao se estabelecer o novo regimento interno, os membros natos encontram-se marginalizados dentro do CRB. Sua presença nas reuniões plenárias não conta para quórum, não tem direito de voto e nem mais pode participar de toda a reunião plenária. Além de ser uma descortesia. Apesar de citado na própria legislação profissional, sequer foi consultado sobre a mudança do regimento e o estabelecimento de sua restrição. Há, também, uma falta-de-consideração envolvida, a de ser convidado para participar apenas por alguns minutos. Os representantes designados pelas instituições acadêmicas acabam despendendo tempo e recursos de locomoção inutilmente. Nota-se que, atualmente, são poucas as escolas que têm mandados seus representantes para participarem das reuniões do Conselho. [...] A participação que deveria contribuir para dar sempre maior transparência das ações dos Conselhos, com este procedimento acaba por transformar os CRBs em verdadeiras caixas-pretas. O pior é que tal medida em nada colabora para o fortalecimento da comunidade bibliotecária no Estado. Abre-se mão destes formadores de opinião. É uma situação lamentável.

 

Enfim, o problema persiste por sete anos. Se no CFB os professores podem participar como Conselheiros Federais, nos Regionais podem ser Conselheiros, só não podem como membros natos exercer uma participação proativa. Contradições e Ironias de uma autarquia de 50 anos.
 

Se há temor, de que a presença e a participação do membro nato comprometa algum segredo de processos analisados, esquece-se o fato de que todos são profissionais. Que há instrumentos legais para a violação de sigilos, como o próprio código de ética. Ademais, hoje há a Lei de Acesso à Informação (Lei nº 12.527, de 18 de novembro de 2011), que dispõe sobre os procedimentos a serem observados pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios, com o fim de garantir o acesso a informações. Subordinam-se ao regime desta Lei: os órgãos públicos integrantes da administração direta dos Poderes Executivo, Legislativo, incluindo as Cortes de Contas, e Judiciário e do Ministério Público; e as autarquias, as fundações públicas, as empresas públicas, as sociedades de economia mista e demais entidades controladas direta ou indiretamente pela União, Estados, Distrito Federal e Municípios.

 

Assim, este posicionamento pela restrição, a meu modo de entender, não se sustenta. É preciso rever, reconsiderar, buscar soluções que some e fortaleça, e não que divida as instituições e, assim, fragilizem ainda mais a biblioteconomia.


Em resumo, transparece um fato de tudo isso: a nata não gosta do nato, e fim de papo.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.