MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO


  • Reflexões sobre a Mediação da Informação, englobando aspectos teóricos e práticos.

BIBLIOTECONOMIA GUERRILHEIRA

Há alguns anos, empreguei a expressão Biblioteconomia Guerrilheira e, em seguida, as expressões Biblioteca Guerrilheira e Bibliotecário Guerrilheiro. O conceito tinha duas grandes vertentes: uma voltada para a sociedade como um todo e a outra voltada para os intestinos da área de Biblioteconomia e Ciência da Informação.

 

As informações que circulam, todas elas, não são neutras. Estão prenhas de significados, concepções, ideias, conceitos, interesses, desejos, necessidades, ideologias. A informação não está completa quando exteriorizada, ao contrário, ela vai se construindo em todo o processo de sua existência. Se ela é formada na construção, não pode ser mercadoria, não pode ser coisa. Ela morre quando, apropriada, se transforma em conhecimento. Um mesmo e único conhecimento? Não, o conhecimento é individual, mas construído apenas e tão somente na relação (do sujeito com o mundo, do sujeito com os sujeitos). Os significados, conceitos, interesses, ideologias, etc., que ela traz em si, vão se debatendo na arena do processo de sua existência.

 

Apropriamo-nos da informação de maneira consciente e de maneira inconsciente. Não temos domínio e controle sobre toda informação com a qual temos contato. Assim, nosso conhecimento é construído não só do queremos ou do que conseguimos controlar. Paulo Freire dizia que os dominados hospedam os dominantes e por isso “falam” os dominantes, “falam” os interesses dos dominantes. É preciso, como afirmava ele, dar a palavra aos dominados.

 

As informações disseminadas aproveitam-se dos meios disponíveis e oferecidos pela sociedade. Em sua maioria, tais meios são controlados e, no processo de construção da informação, certamente interferem nela. Quais os segmentos da sociedade que dominam os meios veiculadores de informação? Aqueles que, apesar de quantitativamente poucos, são donos dos meios de produção, incluindo os que lidam com o simbólico; aqueles aos quais foi delegado, pela estrutura do sistema capitalista, o poder de decidir os destinos, não só econômicos, de toda a sociedade.

 

As mídias que atingem um grande número de pessoas, massificando o que é veiculado, são dominadas por esses segmentos e disseminam informações que atendem a seus interesses. No processo de construção da informação, essas mídias interferem não só nos espaços de veiculação, mas nos de elaboração e de recepção. Quando contestadas, dizem que apenas oferecem o que as massas querem. Coitadas, são meras reprodutoras das necessidades e dos interesses da sociedade. Publicidade? Apenas o mínimo para sobreviver, para poder existir. É o que dizem.

 

Lembro-me de uma charge do Henfil no Pasquim: um soldado sobre uma escada, martelando um prego na mão de Cristo e dizendo “Tenho que sobreviver, entende?”.

 

Quais os espaços diferenciados desses meios hegemônicos de disseminação de informação? São poucos e sobrevivem, quase sempre, pauperizados, em pequenos locais – quando não nas próprias moradias dos que os mantêm vivos –, dependentes dos esforços e luta de alguns abnegados. Os espaços públicos, que se transformavam em momentos de veiculação de informação, foram deslocados para os espaços privados. As praças (espaços públicos) foram deslocadas para os Shoppings (espaços privados). Os “footings” das praças (homens circulando para um lado, mulheres para o outro) também estão presentes, agora, nos Shoppings. As crianças não mais brincam nas ruas (espaços públicos), mas, depois da escola, seguem para aulas de inglês, dança, artes marciais, etc. (espaços privados).

 

É melhor que as pessoas não fiquem nos parques, nas ruas, nos lugares e espaços públicos. Que sigam para o Shopping, o templo do consumo (fim último, o consumo, dos patrocinadores e reais mantenedores das mídias). É bom lembrar: Shopping não é lugar para todos, apenas para os que consomem. Dizia Laymert Garcia dos Santos, em artigo do início dos anos 2000, que só 30% da população, não só brasileira, está incluída entre os consumidores. Os outros 70%, por não fazerem parte desse grupo, são descartáveis. Mais: os 30% tem o direito de consumir e não o direito de consumidor. Estamos deixando de ser cidadãos para sermos consumidores. É o que nos resta?

 

Infelizmente, a felicidade também passou do público para o privado.

 

Entre os poucos espaços alternativos incluí, e ainda incluo, esperançoso, as bibliotecas públicas. Não que elas o sejam hoje. Ao contrário, são reprodutoras das informações veiculadas pelas mídias hegemônicas, pelas editoras comerciais. Precisamos de uma biblioteca guerrilheira.

 

A biblioteca guerrilheira é aquela que abre espaço para as informações que atendem aos interesses e necessidades de sua comunidade. E essas informações não estão presentes naquelas mídias. A biblioteca guerrilheira abre suas portas para as manifestações e exteriorizações da cultura popular. Cultura popular, vale o alerta, não se resume, como querem que aceitemos, ao folclore, a expressões de valores presos no tempo. Querem que comunguemos da ideia de que a cultura do povo é algo passado que deve ser continuamente mantido para que não se perca, para que não desapareça. A biblioteca guerrilheira defende, evidencia, deixa claro que o povo faz cultura a todo momento, o tempo todo, o povo nunca deixou de fazer cultura, o povo continua a fazer cultura.

 

A biblioteca guerrilheira trabalha nas beiradas, nas periferias das mídias hegemônicas, trabalha com suportes informacionais diferenciados, com pouca tecnologia. A biblioteca guerrilheira não é dependente da tecnologia: se utiliza dela, mas não é sua dependente. A biblioteca guerrilheira tem consciência de que interfere e quer interferir.

 

No âmbito da informação somos sujeito e objeto. Somos “informatados” e “informatamos”. Entretanto, para a maioria da sociedade, o peso do “informatados” é muito maior do que o peso do “informatamos”.

 

A biblioteca guerrilheira trabalha nos espaços de resistência informacional.

 

A reflexão sobre esse tema exige mais espaço e continuará no próximo mês.


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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.