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NÃO BATA CABEÇA, USE-A COM CRIATIVIDADE NA BIBLIOTECA

Criatividade é um termo de variadas definições. Podemos não ter uma definição específica, mas sabemos a que se refere. Não sendo intenção debater seus múltiplos significados, buscamos comentar sua importância e a maneira de mantê-la despertada em nossa mente. Ademais, bibliotecários necessitam ser criativos, promovendo estímulo à germinação de novas idéias para o desempenho de suas atividades. As bibliotecas precisam disso e os usuários agradecem.

 

Ao comentar a importância da produção de idéias, e a capacidade de usá-las, James Young cita o sociólogo italiano Vilfredo Pareto, para quem o mundo se divide em dois tipos de pessoas: speculator e rentier. O speculator é aquele que apresenta uma constante preocupação com as possibilidades de gerar novas combinações. São pessoas que nunca estão satisfeita, e especulam sobre como mudar essa situação. São dotados de uma capacidade inerente de produzir idéias. Já o rentier refere-se aquelas pessoas que cumprem sempre a mesma rotina, firmes no dia-a-dia, sem nenhuma imaginação, conservadoras e/ou burocratas. Do tipo descrito por Chico Buarque na letra da música Cotidiano: “Todo dia ela faz tudo sempre igual / Me sacode às seis horas da manhã / Me sorri um sorriso pontual / E me beija com a boca de hortelã...”.  

 

James Young salienta que fundamental não é onde procurar idéias, mas capacitar a mente no uso de processos pelos quais as idéias possam ser produzidas. O principio básico é que a idéia é uma nova combinação de velhos elementos. A capacidade de trazer os velhos elementos para novas combinações dependerá muito de nossa habilidade em ver as relações possíveis.  Na realidade é um procedimento de estimular a germinação de idéias. E todos nós precisamos deste estímulo ou “sugestão” de vez em quando.

 

É importante frisar, que é do trabalho bibliotecário a necessidade de estruturar uma biblioteca ou um serviço de informação, desenvolver produtos que o usuário deseja; estabelecer políticas de aquisição e de informatização; e mesmo procedimentos de contratação de recursos humanos que atraia gente boa. Criar um ambiente em que as pessoas possam ser bem-humoradas, eficientes e inovadoras. Ambiente onde as idéias sejam colocadas em práticas, e haja paixão pelo que se faz, além de entusiasmo visível. Eis o caldo de criatividade organizacional.

 

Roger Von Oech, destaca que muitas vezes, são nossas próprias atitudes ou comportamentos que nos impedem de ser criativos, de desenvolver um ambiente propício à criatividade. Roger chama a isto de “bloqueios mentais” e relaciona dez tipos de bloqueios danosos ao pensamento criativo. Relacionamos as dez expressões com uma sumarizada explicação.

 

A resposta certa: o sistema educacional fornece muito dos conceitos usados para compreender o mundo. Porém, as pessoas aprendem a buscar uma única resposta certa (exames, concursos, vestibulares) que acaba enraizada na maneira de pensar. Nos problemas matemáticos, realmente, só cabem uma solução. O problema é que a vida é ambígua, nela existem muitas respostas certas, e todas dependem do que se está procurando. Se pensarmos que só existe uma solução, iremos parar de procurar outras, e nada é mais perigoso do que uma idéia quando ela é a única que se tem. Para pensar melhor, são necessários diferentes pontos de vista. Uma maneira de ser mais criativo é procurar a segunda resposta certa. A idéia mais criativa está logo adiante.

 

Isso não tem lógica: a lógica é um instrumento importante de criação. Seu uso é adequado na fase do processo criativo, quando se está avaliando as idéias e se preparando para implementá-las. Na procura de idéias, o excesso de raciocínio lógico pode sobrecarregar o processo criativo. Isso porque a fase de germinação de idéias é governada por uma lógica diferente, que pode ser descrita como metafórica, fantasiosa, difusa, ambígua. A metáfora é um excelente recurso para pensar em algo diferente. Se há um problema, deve-se tentar expressá-lo através de uma metáfora. Isso pode ajudar a ter uma visão diferente da questão. Entretanto, é preciso ter consciência para perceber até onde as metáforas estão direcionando as suas idéias, evitando se tornar prisioneiro.

 

Siga as normas: o pensamento criativo não é só construtivo, pode ser destrutivo. Às vezes é preciso quebrar um padrão para descobrir outro. É recomendável ser receptivo à mudança e flexível diante das normas. Lembrar que: violar as normas não leva necessariamente a idéias criativas, mas é um caminho. Ficar, porém, sempre no mesmo trilho leva a um beco sem saída. A dica é vestir a camisa revolucionária e contestar as normas, principalmente as usadas nas atividades cotidianas. Verificar sempre suas idéias para ver se estão contribuindo para um pensamento mais eficaz. Evite se apaixonar pelas idéias, para visualizar vantagens em outras opções. A dica é realizar sessões de detecção e limpeza de normas obsoletas existentes em sua atividade.

 

Seja prático: à medida que envelhecemos, ficamos prisioneiro do hábito. Deixamos de usar as possibilidades geradas pela pergunta “e se” trocado pelo “é” da realidade. Quando criança, nossa imaginação é cultivada com contos de fada e fantasia. Depois ao crescer é cobrado nosso amadurecimento. A dica é fazer como o mágico: perguntar “e se” e usar as respostas inteligentes obtidas como ponto de apoio para novas idéias. Cultive a imaginação e incentive-se à prática do “e se” e, também nos outros.

 

Evite ambigüidades: aprendemos a “evitar ambigüidades” por causa dos ruídos de comunicação causados. Isso é válido em situações práticas, quando as conseqüências de um mal-entendido podem ser graves. Numa situação de germinação de idéias, há o perigo de a imaginação ser sufocada pelo excesso de especificidade colocada. Se a tarefa for definida com um pouco de ambigüidade, a imaginação terá maior amplitude de germinar. Cultive as próprias fontes de ambigüidade. Podem ser qualquer coisa: pessoas, livros, objetos, desde que forcem a busca de mais de um modo de entender os acontecimentos. Procure usar o humor para colocar-se ou ao seu grupo em estado de espírito criativo.

 

É proibido errar: há ocasiões em que não se pode errar, mas a fase germinativa da criatividade não é uma delas. Os erros são sinais de que estamos saindo dos trilhos habituais. Se não errarmos de vez em quando, é indício de que não estamos sendo inovadores. Em caso de erro cometido, use-o como ponto de apoio para novas idéias. Faça a distinção entre erros de “ação” e erros de “omissão”. Os últimos podem ser mais prejudiciais do que os primeiros. Lembre-se de duas vantagens decorrentes do erro. A primeira é que, quando há falha, se descobre o que não funciona. A segunda é que o fracasso dá a oportunidade de tentar nova abordagem.

 

Brincar é falta de seriedade: há pessoas que pensam: se alguém está se divertindo com alguma coisa, não está trabalhando de verdade. A atitude mental é: “Pare com a brincadeira e volte ao trabalho”. Trabalho e prazer são vistos como compartimentos estanques e mutuamente excludentes. Brincar é relacionado à falta de seriedade. Entretanto, se a necessidade é a mãe da invenção, o divertimento é o pai. Use o último para tornar sua mente fértil de bons pensamentos. Quando tiver um problema, brinque com ele. Faça de seu local de trabalho um espaço alegre, divertido; de estímulo ao bom humor.

 

Isso não é da minha área: a especialização é um fato da vida. Para desempenhar no mundo, há que restringir o foco e limitar o campo de visão. Quando se busca gerar novas idéias essa forma de manipular a informação passa a ser limitativa. Para equilibrar os efeitos da especialização recomenda-se atenção às idéias novas e interessantes usadas pelas outras pessoas. A orientação é desenvolver a atitude de caçador de idéias que aguardam ser descobertas. Não se limite pelo tempo, programe-o para caçar no dia e na semana. Rápidas incursões a outros campos ou ares de conhecimento podem levar as novas fontes de idéias. Procure analogias nas situações. Geralmente, problemas semelhantes já foram resolvidos em outras áreas. Registre as idéias encontradas.

 

Não seja bobo: as boas idéias não nascem em ambiente conformista. Em reunião de pessoas, há sempre o perigo do “pensamento grupal”. Fenômeno em que os membros do grupo se preocupam em manter sob a aprovação dos outros ao invés de tentar propor soluções criativas para os problemas colocados. Geralmente, a pressão do grupo inibe a germinação de idéias novas. Quando todos pensam de forma semelhante, ninguém está se dando ao trabalho de pensar muito. Qualquer pessoa que decida e pense criativamente tem de enfrentar a questão do conformismo e do pensamento grupal. Os Reis, na idade média, se resguardavam dos seus bajuladores por meio dos “bobos da corte”. A piada desses “bobos” alertava ao Rei quanto às propostas recebidas e a atenção para com seus pressupostos. A orientação é desligar o “detector de tolices” de vez em quando, e brincar de bobo deixando fluir as idéias surgidas. Procure observar se está sendo conformista ou reprimindo o bobo em você.

 

Eu não sou criativo: a diferença entre pessoas criativas e menos criativas é que as primeiras prestam atenção às suas menores idéias, mesmo não sabendo até onde podem chegar. Entretanto, elas sabem que uma pequena idéia pode resultar em uma grande descoberta. Se quiser ser criativo, acredite no valor de suas idéias e tenha persistência para construir a partir delas. Dê uma oportunidade a si mesmo para tentar coisas novas e construir a partir das suas descobertas.

 

Em realidade, Roger alerta que precisamos ser capazes de desaprender o que sabemos. Sem a capacidade de esquecer o que se sabe, a cabeça fica atravancada com respostas prontas e não se tem a oportunidade de construir perguntas que saiam do caminho usual para novas direções. Como as atitudes que criam “bloqueios mentais” foram todas aprendidas, a alternativa para abrir esses “cadeados mentais” é desaprender ainda que temporariamente uma por uma.

 

Este texto despretensioso, levemente sinaliza de que nós, bibliotecários, às vezes precisamos do que Roger chama de um “toc na cuca” para nos livrar dos padrões e processos rotineiros de nossa atividade. Fugir do cotidiano cantado por Chico Buarque. Precisamos nos forçar a repensar os problemas e nos estimular a fazer novas perguntas que levem às outras respostas certas. Aos estados mentais que estimulem as idéias, e o exercício da criatividade é, portanto, importante para nos obrigar a pensar coisas diferentes. Às vezes, o “toc” é decorrente de um problema enfrentado ou de um erro cometido. Às vezes, é conseqüência de uma brincadeira. Em outras ocasiões, é uma surpresa ou situação inesperada que causa o “toc”. Agora, enquanto bibliotecário, trabalhamos com conhecimento (matéria-prima das novas idéias). Entretanto, assim como o conhecimento para ser útil precisa ser usado, nós não podemos deixar engavetados na cabeça nosso conhecimento e experiência; e nem ser imobilizado na rotina de nossa atividade. Caso contrário a criatividade vai empoeirar nas estantes de nossas mentes.

 

 

Referências:

 

Chico Buarque. Cotidiano. Disponível em: http://chico-buarque.letras.terra.com.br/letras/82001/. Acesso em: 10/12/2006.

 

James Webb Young. Técnicas para produção de idéias. Tradução Wladir Dupont. São Paulo: Nobel, 1994.

 

Roger Von Oech. Um “TOC” na Cuca. Tradução Virgílio Freire. São Paulo: Cultura Editores, c1995.

 

 

Notas:

 

Resumo do texto publicado no:

Boletim Informativo do CRB-8ª, Conselho Regional de Biblioteconomia – 8ª Região – Estado de São Paulo,  Ano 13,  nº 02, p. 07, 2006.

 

 

Anexo I

Exercício de estímulo às idéias

 

Que tal criar uma frase de promoção da profissão, da biblioteca ou do bibliotecário, usando das frases de publicidade. Veja o exemplo criado por Fernando Modesto (FM) e desenvolva a sua.

 

(VW) Saia do lugar comum. Entre no Santana.

(FM) Saia do pensamento comum. Entre numa Biblioteca.

(Você) _________________________________________

 

Desodorante After Sport. Depois do esporte. Depois do banho. Depois de tudo.

(FM) Antes das provas. Antes dos concursos. Antes do projeto de pesquisa. Biblioteca.

(Você) __________________________________________________________

 

(Mon Bijou) Não é único. Mas é bom. É da Bombril.

(FM) Não é a única fonte. Mas é confiável. È a Biblioteca.

(Você) _______________________________________

 

(Casas Bahia) Casas Bahia, dedicação total a você.

(FM) Bibliotecário, totalmente dedicado a você.

(Você) ______________________________________

 

(Casas Bahia) Esta cozinha é a prova: design só custa para quem não sabe procurar.

(FM) A biblioteca é a prova: informação só custa para quem não sabe onde procurar.

(Você) ___________________________________________________________

 

(Banco Itaú) Itaú, feito para você.

(FM) Biblioteca, organizada para atender você.

(Você) _________________________________

 

(Gillette do Brasil) ORAL – B. A marca mais usada pelos dentistas.

(FM) CRB. O registro mais usado pelos bibliotecários.

(Você) ____________________________________

 

(C&A Viagens) A agência de turismo da moda.

(FM) Biblioteca. Onde a informação não sai da moda.

(Você) _____________________________________________

 

(Johnson´s baby) Quando nasce um bebê, nasce também uma mãe.

(FM) Quando se constrói uma biblioteca, nasce um novo ser humano.

(Você) ______________________________________________

 

(VW) Volkswagen. Perfeito para a sua vida

(FM) Biblioteca. Perfeita para estimular a sua vida.

(Você) ___________________________________

 


Anexo II

Exercício de estímulo às idéias

 

Brincando com os termos. Que tal formar palavras com as letras de:

 

BIBLIOTECA

INFORMAÇÃO

DOCUMENTAÇÃO

REFERÊNCIA

USUÁRIO


Sobre o autor:

José FERNANDO MODESTO da Silva
Bacharel em Biblioteconomia e Documentação e Mestre em Biblioteconomia pela Pontifícia Universidade Católica de Campinas - PUCAMP. Especialista em Análise de Sistemas pela Fundação de Ensino de Osasco – FIEO. Doutor em Comunicação pela Escola de Comunicações e Artes da Universidade de São Paulo. Professor-doutor do Departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP. No movimento classista, atuou como: Diretor do Sindicato dos Bibliotecários do Estado de São Paulo (1984 – 1985); Coordenador de Cursos da Associação Paulista de Bibliotecários - APB (1986 –1987); Vice-Presidente da APB (1987 – 1989); Presidente do Conselho Regional de Biblioteconomia de São Paulo (1991 –1993); Conselheiro do Conselho Federal de Biblioteconomia – CFB (1994 – 1997); e Presidente do CFB (2000 – 2002). Autor das monografias: “Microinformática em bibliotecas das universidades públicas do Estado de São Paulo: um estudo exploratório” (Campinas, PUCCAMP, 1989); “A ambientação da microinformática nos serviços bibliotecários” (Osasco, FIEO, 1997); “InternetBibliotecaComunidade Acadêmica: conhecimentos, usos e impactos; pesquisa com três universidades paulistas (UNESP – UNICAMP – USP)” (São Paulo, USP, 2002); Organizador: “Comunicação & Produção Científica: contexto, indicadores e avaliação” (com: Población, D A; Witter, G P. São Paulo: Angellara, 2006).

Autor: Fernando Modesto

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Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.