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A IMPORTÂNCIA DO DISCURSO DA ÉTICA NA BIBLIOTECONOMIA: BASTOS TIGRE UM EXEMPLO DE ÉTICA PROFISSIONAL.

Resumo:

Realiza um estudo crítico sobre o conceito de ética em sua origem. Trata brevemente do olhar dos filósofos que trataram o tema em uma análise histórica panorâmica da Antiguidade até o século XIX. Discute o conceito de ética na Biblioteconomia. Analisa o comportamento do bibliotecário perante o Código de Ética do profissional bibliotecário. O objetivo é demonstrar, a partir da vida de Bastos Tigre, como um perfil biográfico de profissional bibliotecário, as possibilidades de interpretação que temos da prática profissional em relação com sua postura ética. O estudo conta com a análise comparativa entre o conceito de ética, o Código de Ética profissional e os modelos de atuação da vida de Bastos Tigre. Considera que o perfil do bibliotecário pode responder pelo Código de Ética e ainda ampliar nosso olhar sobre seus artigos. Traça apontamentos críticos sobre o estudo da Ética para superar os desafios da profissão. Ressalta a importância da consciência política, crítica e profissional do bibliotecário visando a construção de um pensamento voltado para a identificação de um profissional humanista.

 

Palavras-Chave: Bibliotecário; Ética; Bastos Tigre ; Código de Biblioteconomia Brasileiro.

 

1 Introdução

 

O presente estudo tem por objetivo estudar as perspectivas do campo da ética biblioteconômica, e propõe analisá-la a partir de uma observação do contexto da vida de Bastos Tigre no âmbito da Biblioteconomia. Seu horizonte tem como foco incentivar o discurso sobre o conceito de ética entre os bibliotecários.

 

A pesquisa abrange uma macro-área, a Filosofia, e uma de suas micro-áreas, a ética, através do estudo da ética filosófica. A partir desta relação, constrói-se aqui um paralelo com a ética biblioteconômica. É apresentada a ética em três momentos: o que é ética, quais os principais filósofos que se debruçaram sobre o tema, e os desafios do estudo da Ética atual no campo biblioteconômico. Na ética biblioteconômica são observadas as seguintes correntes: o estudo da ética no discurso da Biblioteconomia, a função do Código de Ética, e os desafios do bibliotecário, a partir da necessidade de uma visão crítica dos profissionais diante do Código de Ética.

 

A proposta da pesquisa é demonstrar como a ética se apresenta enquanto conceito, e como se dá este conceito no contexto do discurso do bibliotecário. Procura-se aqui indicar os potenciais do conceito, mostrando como sua análise pode ajudar a superar nossas dificuldades. Por isto, procura-se aqui responder questões como: por que, de um lado, o bibliotecário é o profissional da informação, e, de outro, por que encontramos na sociedade em geral uma ausência de informações sobre o fazer deste profissional?; se o bibliotecário é profissional da informação, não seria paradoxal perceber a ausência de visibilidade deste na sociedade tratada como sociedade da informação? Na visão aqui apresentada, acredita-se que os estudos sobre ética podem ajudar a transformar esta questão.

 

A respeito do Código de Ética, o objetivo é traçar um perfil-modelo que o represente. Ainda que o ponto principal não esteja em determinar o exemplar ideal da Biblioteconomia, aponta-se aqui para uma tentativa de encontrar, nos grandes “espíritos” de nosso campo, posturas e trajetórias éticas vinculadas ao fazer biblioteconômico. Neste estudo, o perfil-modelo é encontrado em Bastos Tigre, que em sua vida foi, em nosso olhar, um exemplo ético de conduta profissional. Para isto, é traçado um paralelo entre o que o Código de Ética pede e o “comportamento” bibliotecário de Bastos Tigre

 

A análise está baseada em uma pesquisa bio-bibliográfica, observando assim vida e obra do indivíduo. A partir deste método, propõe-se um breve histórico da vida de Bastos Tigre como poeta, teatrólogo, engenheiro civil, publicitário, jornalista, compositor, humorista e bibliotecário, e procura-se identificar manifestações éticas em sua atuação neste último fazer. Bastos Tigre foi considerado o primeiro bibliotecário por concurso no Brasil, recebeu várias homenagens, como da Academia Brasileira de Letras e da Sociedade Brasileira de Autores Teatrais. A pesquisa bibliográfica conta com a consulta a documentos autorais, como poemas do autor, além das fontes críticas e biográficas. O estudo pretende demonstrar que o bibliotecário pode, a partir de uma reflexão ética sobre sua formação e sua atuação, modificar as formas de determinação social sobre sua prática. Mais do que isto, o bibliotecário pode encontrar na própria Biblioteconomia, profissionais que apresentam, para além de seu Código de Ética, posturas históricas que conferem novos significados ao bibliotecário.

 

Chama-se aqui a atenção para a baixa frequência de estudos sobre ética na literatura em Biblioteconomia e Ciência da Informação, onde se encontra o discurso sobre o profissional da informação. Como apontamentos conclusivos, atenta-se para uma visão particular sobre o Código de Ética profissional do bibliotecário: antes de tratarmos o documento como um manual de comportamento, é preciso reconhecer que ele é um convite ao estudo ético do bibliotecário, um espaço para reflexão. Determina-se aqui também o perfil de Bastos Tigre como exemplo de bibliotecário brasileiro que confere diferentes sentidos a noção de ética do profissional da informação.

 

2 O que é Ética?

 

Segundo o Aurélio (2008, p. 383) ética é “[...] o estudo do juízo de apreciação que se refere à conduta humana suscetível de qualificação do ponto de vista do bem e do mal”. O berço da ética encontra-se na Grécia. Os filósofos pré-socráticos foram os primeiros a estudar sobre a conduta humana. A ética Grega tinha como objeto resolver os problemas do homem, logo, os problemas políticos. Os sofistas acreditavam que não existia a verdade, erro ou norma, acreditavam que tudo é transitório. Sócrates afirmava que sempre se deve melhorar a conduta. Para seu discípulo, Platão, o homem só existia para o Estado, a moral está na política, e Aristóteles considerava que a felicidade, está no homem ser um bom cidadão. (ASSUMPÇÃO, 1998, p. 19)

 

A ética é, em geral, reconhecida como o estudo que normaliza a moral, esse estudo, por se tratar da conduta humana na sociedade, teve ser dinâmico, atual e preferencialmente deve ser íntegro com o contexto social. É muito comum também se encontrar como definição de ética como a ciência da moral. Segundo Assumpção (1998) esta última significa um conjunto de regras de conduta ou hábitos julgados válidos quer universalmente, quer para grupo ou pessoa determinada. Portanto, a ética é a teoria, ou conjunto de regras que rege a moral, que é a prática, a ação da ética.

 

Após a Antiguidade, a ética virou objeto de estudo não apenas dos gregos, mas também de outros grupos que se preocuparam com a conduta humana como os cristãos, os estóicos e epicuristas, porém por se tratar de uma área da Filosofia, a Ética continuou sendo dominada pelos filósofos. Kant foi o primeiro grande filósofo a conferir uma maior expressão ao conceito de ética, que na sua época tornou-se antropocêntrica. Esse período, no século XVIII, é denominado Ética Moderna Racionalista. Trata-se de uma época de grandes mudanças no mundo, demarcada por contextos como o desenvolvimento do capitalismo, a revolução industrial e a separação entre o Estado e Igreja. Kant criou um mandamento fundamental: “Age de maneira que possas querer que o motivo que te levou a agir se torne uma lei universal”. (ASSUMPÇÃO, 1998, p. 22).

 

A Ética contemporânea começa no século XIX marcada por transformações mais profundas que a ética Moderna Racionalista. Suas principais preocupações são: o Existencialismo, o Pragmatismo, a Psicanálise, o Marxismo, o Neopositivismo e a Filosofia Analítica. No Existencialismo o valor está no homem concreto, sendo assim a característica principal do Existencialismo é o indivíduo. O Pragmatismo, cuja origem está nos Estados Unidos, acredita na identificação da verdade como útil. A Psicanálise cria uma nova conceituação da ética, pois descobre uma personalidade na qual o sujeito não tem consciência. No Marxismo, cria-se uma visão de homem como ser produtor, transformador, criador, social e histórico. O Neopositivismo e a Filosofia Analítica tentam libertar a ética da metafísica. (ASSUMPÇÃO, 1998, p. 23).

 

Percebe-se que a definição de ética se transformou ao longo dos anos de acordo com o contexto social. No contexto atual a ética em vigor é determinada pela apropriação do homem das tecnologias da informação e da comunicação. Por isso fica cada vez mais difícil o estudo da ética visando atitudes para o bem social. Trata-se de um grande desafio acabar com a dominação humana, e acabar com o mito de que as tecnologias são o futuro, e a solução para nossos problemas. Mas acreditar que isso um dia aconteça é uma utopia que não mais haverá a dominação do homem pelo homem. O ideal é usarmos a tecnologia para promover a importância da ética, e difundir normas de conduta mais humanistas. Aliás, coincidência ou não esse tem sido o maior desafio do bibliotecário, usar a tecnologia para seu benefício.

 

2.1 O que é Ética Biblioteconômica?

 

Através do Conselho Federal de Biblioteconomia (CFB), usando de sua atribuição, foi instituído o Código de Ética Profissional do Bibliotecário Lei nº 4.084, de 30 de junho de 1962. O Código de Ética Profissional do Bibliotecário, é um documento de caráter legislativo que determina como deve ser a conduta do bibliotecário, seus direitos, e proibições, o bibliotecário que não cumpri-lo está sujeito a punições pelo CFB. Francisco das C. de Souza, bibliotecário e estudioso da ética na Biblioteconomia, traz uma visão crítica sobre a importância da ética da qual este estudo pretende compartilhar. Em sua visão, a formalização de um código de ética no campo biblioteconômico pode ser tomado como algo atrasado (SOUZA, 2005, p. 160). Pretende-se até aqui mostrar que o estudo da ética profissional deve ser defendido e atualizado, assim como o olhar de Souza.

 

Apesar do estudo da ética ser remoto e permanecer ao longo da história como reflexão distinta ligada à conduta humana na sociedade, percebe-se que há pouco interesse sobre o tema no Brasil, menos ainda aquele ramo da ética voltado para a prática biblioteconômica. Em estudo recente, Souza (2007) constrói uma pesquisa sobre o discurso de Ética Biblioteconômica no Brasil, em congressos da área e em periódicos, e conclui que o tema ainda é pouco explorado.

 

Os bibliotecários e estudantes de Biblioteconomia vivem hoje um permanente processo de revisão de seus deveres e de suas funções, diante das transformações propiciadas pelas tecnologias, à procura de demonstrar sua relevância para a sociedade. Porém, permitiu-se que durante anos fosse se firmando um estereótipo do bibliotecário marcado pela inércia diante das transformações do homem, pela ausência de reflexão crítica e de um pensamento ético que determina sua condição enquanto indivíduo e profissional. Mas, como já mencionado, há algumas inconsistências entre o discurso da Biblioteconomia e as visões da sociedade sobre o bibliotecário. Como pode o bibliotecário ser o profissional da informação e na sociedade da informação pouco se conhecer sobre o que faz o bibliotecário? E como pode se desenvolver um estereótipo com informações preconceituosas e deturpadas se formar e criar raízes tão profundas?

 

Como uma das hipóteses para esta condição, reconhecemos o desinteresse pela ética profissional. Na crença popular de que a Filosofia nada serve, e de que nada adianta “cumprir” ou não um Código de Ética, e, muito menos, construir uma visão crítica sobre a ética, termina-se por determinar, na prática biblioteconômica, uma cisão entre vir a ser e fazer. O resultado desta situação determina um bibliotecário sem postura crítica, ampliando as incertezas sobre o futuro da profissão.

 

O Código de Ética Profissional do bacharel em Biblioteconomia é de caráter legislativo, portanto, o bibliotecário que não o cumpre está sujeito a punição pelo CFB. A educação biblioteconômica, seguindo a demanda de mercado das últimas décadas, tem financiado uma formação rápida, objetiva e orientada para soluções técnicas da profissão. Esta a visão procurada também por estudantes que buscam o curso de graduação à esperança de conseguir um emprego imediato e seguro ao final do período de graduação. Pouca reflexão filosófica e menos ainda reflexão ética são propiciadas nesta rápida e fundamental fase de formação crítica do bibliotecário.

 

Segundo o Código de Ética, é obrigação do bibliotecário "[...] realizar de maneira digna a publicidade de sua atividade profissional..." , e não cabe ao bibliotecário "[...] fazer comentários desabonadores sobre a profissão de bibliotecário...". (CONSELHO..., 2002, p. 1) O perfil proposto pelo Código de Ética é de um bibliotecário compromissado diretamente com sua profissão, um tipo de bibliotecário “vocacionado”. Isto, no entanto, não é identificado na relação entre os currículos e o mercado no contexto de formação e de atuação dos bibliotecários.

 

Adentrar o debate sobre a ética, ampliar os espaços de análise dos conceitos a ela interligados, como conduta e moral, pode determinar uma reavaliação do papel que o próprio bibliotecário contemporâneo recupera para si. Um caminho possível para esta retomada, que não desloca o olhar da formação e da atuação apenas para a abstração filosófica mas também para a nossa prática, é analisar os elementos éticos lançados por bibliotecários que fundaram e/ou refundaram a arte e a profissão da Biblioteconomia. A partir deste método bio-bibliográfico, deixa-se de falar em estereótipo, imagem, visibilidade, e passa-se a tratar de perfis transformadores de uma reflexão remota e atualmente imprescindível ao homem: a organização do conhecimento para preservação e para o acesso aos saberes produzidos pelo homem.

 

3 Um bibliotecário, um perfil: Bastos Tigre em foco.

 

Como perfil de bibliotecário “vocacionado”, identifica-se neste trabalho a vida a e obra de Bastos Tigre. A partir dele busca-se reconhecer um “modelo” que permita a reflexão sobre a ética no campo biblioteconômico. O bibliotecário nasceu em 12 de março de 1882, em Boa Vista Recife/PE, filho de: Delfino da Silva Tigre e Maria Leontina Bastos Tigre. Possuía 13 irmãos, e estudou no Colégio Diocesano de Olinda, Monsenhor Fabrício era o Reitor do Colégio (exerceu grande influência na sua vida). Tamanho foi seu legado como bibliotecário e profissional nas áreas que atuou que atualmente no salão de honra do colégio em ponto de destaque encontra-se uma fotografia em sua homenagem.

 

Desde cedo, Bastos Tigre tinha um espírito crítico. O Vigia era um jornal humorístico que criou no Colégio, o jornal era sempre confiscado por possuir críticas aos professores, colegas e ao próprio Colégio como essa:

 

“O Seminário” é um velho já caduco

De uns trezentos outonos bem contados,

Já meio mentecapto e maluco,

Beiços moles e olhos encovados

Eu duvido que aqui em Pernambuco

E até mesmo nos outros vinte Estados

Haja um sujeito assim tão legendário,

Como o nosso vetusto Seminário... (TIGRE, 1896)

 

Bastos Tigre foi jornalista, poeta, compositor, humorista, publicitário, teatrólogo, engenheiro e Bibliotecário por vocação. Exerceu todas as profissões ao mesmo tempo, e foi destaque em todas. A primeira vez que foi apresentado como poeta foi em 1901, com o poema: “Menino prodígio”, que foi lido por Rui Barbosa no Senado Federal. Suas crônicas caracterizavam-se pela leveza e humor. Aos 18 anos estreou como jornalista no “Tagarela”, revista humorística, em 1902, no Correio da Manhã. Em 1904, passou a colaborar efetivo com a sessão diária “Pingos e Respingos” com o pseudônimo: Cyrano & Cia. Em 1906, colação de grau de Engenheiro Civil, passa 2 anos nos Estados Unidos e trabalha na General Electric, voltando para o Brasil foi nomeado Engenheiro Geólogo do Ministério da Agricultura. Em 1906, aos 24 anos estreou sua primeira peça “O Maxixe” no Teatro Carlos Gomes, ao total fez mais 12 peças. (ABI/FUNARTE, 1982, P. 20).

 

Casa-se em 1911 com Maria Izabel, filha do desembargador Cintra. Tiveram como filhos: Sylvia, Selene, Helios, Heitor, e Stella. Bastos Tigre proibia sua família falar de doenças, e mal da vida alheia, seu caráter humorístico é marcante nos seus poemas e publicidade. Colaborou em quase todos os jornais e revistas do Rio de Janeiro: O avança, A Lanterna, O Filhote do Careta, Época, Gazeta de Notícias, A Noite, O Globo, A Notícia, A Rua, O Malho, O Jornal. Em 1914, o Marechal Hermes da Fonseca, presidente da República, decretou estado de sítio no Rio de Janeiro e por pertencer ao Correio da Manhã, teve de refugiar-se em Teresópolis. Em 1917, fundou a Sociedade Brasileira de Autores Teatrais (SBAT). Aos 70 anos recebeu o maior prêmio de Publicidade o Jubileu Publicitário, seus slogan mais conhecidos são: “Quem tem boca vai ao Roma”, slogan criado para o restaurante Roma, e “Se é Bayer, é bom.”, criado para a empresa Bayer. Seu estilo de propaganda é com fundo literário que é mais para lembrar que provar, mais chama a atenção que convencer. (ABI/FUNARTE, 1982, p. 17)

 

Bastos Tigre foi um dos iniciadores do rádio-teatro no Rio de Janeiro. Sua primeira atividade no rádio foi através de Mayrink Veiga, num programa de broadcasting em 1926. Foi homenageado pela Academia Brasileira de Letras duas vezes por seus poemas: “Meu bebê”, e “Penso logo... eis isto.”. Bastos Tigre faleceu aos 75 anos, sua vida foi marcada por muitas homenagens, e seus trabalhos deixaram um legado. (TIGRE, 1982, p. 38).

 

Reconhece-se aqui que um dos campos mais beneficiados pelo pensamento de Bastos Tigre foi a Biblioteconomia. Em 1915, ele foi nomeado bibliotecário do Museu Histórico Nacional, considerado assim o primeiro bibliotecário por concurso do Brasil, também contribuiu como diretor da Biblioteca Central da Universidade do Brasil. Durante a pesquisa bio-bibliográfica constatou-se que na carreira profissional de bibliotecário, preocupou-se com a organização do conhecimento, formação de leitores, e na biblioteca como órgão social. Em homenagem a sua contribuição como profissional, o presidente da república, usando da atribuição que lhe confere, institui o artigo 81, item III, da Constituição:

 

Art. 4º Fica instituído o dia do bibliotecário, a ser comemorado em todo o território nacional a 12 de março, data do nascimento do bibliotecário, escritor e poeta Manoel de Bastos Tigre. (TIGRE, 1982, p. 39).

 

Encontramos em Bastos Tigre um espaço de discussão sobre a conduta profissional na esfera biblioteconômica. O bibliotecário acreditava na liberdade de expressão, e lutava por direitos humanos a partir dos aportes da organização do conhecimento. Trata-se de uma vida que abre possibilidades de reflexão sobre a conduta humana na prática do bibliotecário, uma vez que se preocupou em proporcionar direitos iguais para todos na sociedade, teve consciência política, foi dinâmico, e não se acomodou com as circunstâncias. Bastos Tigre valorizou a ética profissional, mesmo sem um Código de Ética de Biblioteconomia em vigor ao longo de sua atuação. Seu legado consiste em oferecer fortes evidências para a reflexão sobre a ética na prática biblioteconômica.

 

3.1 Pensando a Ética Profissional do Bibliotecário a partir da vida de Bastos Tigre.

 

Quanto a certeza de que Bastos Tigre era um bibliotecário por vocação não há dúvidas. Ele exerceu com devoção comprovada o papel do bibliotecário. O bibliotecário remonta uma tradição de eruditos e de grandes sábios que se dedicaram à profissão, como Manuel Cícero Peregrino da Silva e Rubens Borba de Moraes. Em geral, este perfil-modelo de bibliotecário é tratado como uma caracterização da antiga Biblioteconomia. A possibilidade de formação deste tipo de profissional, tendo em vista a especialização excessiva do conhecimento, estaria hoje impossibilitada. No entanto, seria verdade esta impossibilidade? Pensando na ideia vocacional como uma matéria que não é inata, ou seja, na certeza de uma formação que pode despertar ou ainda construir um perfil-modelo devotado à Biblioteconomia, recorremos à noção de ética que está manifestada em nossa legislação biblioteconômica.

 

Segundo o Código de Ética do bibliotecário,

 

NA SEÇÃO I – DOS OBJETVOS

 

Art. 2º -os deveres do profissional de Biblioteconomia compreendem, além do exercício de suas atividades:

a) dignificar, através dos seus atos, a profissão, tendo em vista a elevação moral, ética e profissional da classe;

d) contribuir, como cidadão e como profissional, para o incessante desenvolvimento da sociedade e dos princípios legais que regem o país. (CONSELHO..., 2002, p. 1)

 

Paralelamente, através de sua conduta profissional, Bastos Tigre dignificou o bibliotecário, como profissional devoto do conhecimento, de sua produção, sua salvaguarda e sua disseminação, contribuindo assim para um perfil de bibliotecário, competente e dinâmico. Bastos Tigre dedicou sua carreira à formação de leitores e à promoção do livro, atitude expressada em versos de sua autoria como: “É o livro amigo mudo que, calado, nos diz tudo.”; “A leitura de um bom livro afasta o tédio e estimula o pensamento.” (TIGRE, 1982, p. 40). Sua visão humanista aproxima-se ainda mais de nosso código de ética, antecipando o próprio juramento do profissional bibliotecário posteriormente definido.

 

Art. 3º -Cumpre ao profissional de Biblioteconomia:

 

a) preservar o cunho liberal e humanista de sua profissão, fundamentado na liberdade da investigação científica e na dignidade da pessoa humana;

 

c) cooperar intelectual e materialmente para o progresso da profissão, mediante o intercâmbio de informações com associações de classe, escolas e órgãos de divulgação técnica e científica;

 

e) realizar de maneira digna a publicidade de sua instituição. (CONSELHO..., 2002, p.1)

 

Como bibliotecário, Bastos Tigre, se preocupou não só em fomentar positivamente a profissão, como contribuiu intelectualmente para área com sua principal preocupação: a organização do conhecimento. O Reitor Pedro Calmom disse uma vez que Bastos Tigre: “Era considerado fanático pelo livro, de confiança, perícia e dedicação.” (TIGRE, 1982, P. 37). Em outro de seus poemas, Bastos Tigre diz: “Se uma hecatombe universal destruísse a civilização, uma biblioteca que escapasse, bastaria para reconstruí-la.” (TIGRE, 1982, P. 40). Bastos Tigre, influenciou a modernização da Biblioteca da Universidade do Brasil e reorganizou as coleções da Biblioteca da Associação Brasileira da Imprensa que hoje tem seu nome. Bastos Tigre foi ainda o primeiro brasileiro filatelista a fazer uma coleção temática: a agricultura. E propôs a inclusão no currículo primário da disciplina filatelia, pois acreditava no seu poder educativo (TIGRE, 1982). Estas atividades profissionais e passagens biográficas integram-se diretamente ao artigo oitavo do código de ética dos bibliotecários, pontuando ainda mais as possibilidades de interpretação da ética profissional da área a partir de sua vida e de sua carreira.

 

Art. 8 – O Bibliotecário deve, interessar-se pelo bem público e, com tal finalidade, contribuir com seus conhecimentos, capacidade e experiência para melhor servir a coletividade. (CONSELHO..., 2002, p. 1)

 

Apesar do estudo panorâmico da vida de Bastos Tigre, já podemos concluir que ele foi um exemplo de comportamento passível de ser compreendido a partir de uma reflexão ética, ou, uma vida capaz de permitir reflexões sobre a ética biblioteconômica. Sua obra tem caráter social, ele se preocupa em difundir o conhecimento e promover a leitura. Pelo paralelo podemos perceber que ele não apenas é um “exemplo a ser seguido” como uma “prova” de que é possível seguir o modelo de conduta ética, e que existe bibliotecário vocacionado. A ética é um discurso, mas o discurso em si é vazio. Porém mais importante que fazer com que os bibliotecários cumpram o Código de Ética, é promovê-la, torna-la importante para a vida profissional, a partir de experiências reais de vida dos seus profissionais.

 

4 Considerações finais

 

Para cumprir o Código de Ética, basta conscientização de que é necessário mudar, visar uma relação dinâmica com o fazer biblioteconômico. Falta ao bibliotecário atual a conscientização política, e mais “estudo” em seu sentido clássico, filosófico - estudo não no sentido de dominar a catalogação, classificação, indexação ou os sistemas de informação, mas uma reflexão que reúne estes saberes e outros, que dizem respeito à formação crítica do aluno e do profissional do campo.

 

O presente trabalho, visou destacar o conceito de ética a partir de um estudo biblioteconômico-biográfico. Bastos Tigre, soube “cumprir” um código de ética relacionado ao fazer biblioteconômico muito antes da existência do mesmo. A Filosofia, espaço de discussão sobre a ideia de ética, é importante não só para uma reflexão conceitual de nossas disciplinas, mas também para uma auto-reflexão do bibliotecário.

 

Enquanto instituição representativa, o CFB é a entidade que luta contra qualquer atividade ilícita, e atitudes que não dignifiquem a profissão. E através de seu Código de Ética Profissional informa os deveres e obrigações do bibliotecário. No entanto, cabe aqui algumas observações. Se fossemos íntegros a partir de nossa auto-consciência biblioteconômica, será que precisaríamos de um Código de Ética?

 

Concluindo, o objetivo do presente trabalho buscou conscientizar estudantes e profissionais do campo biblioteconômico sobre a importância do estudo da ética. Procurou-se aqui também destacar a vida de bibliotecários como objetos de estudo de uma construção ética na Biblioteconomia. Neste sentido, BastosTigre não tinha nenhum Código de Ética a cumprir e nem por isso deixou de ser ético, soube promover a profissão e cumpriu com seu papel social.

 

Agradecimentos

 

Agradeço ao Professor Gustavo Saldanha, que me acompanhou/apoiou em todo processo, de elaboração desse trabalho, à UNIRIO e ao diretor Marcos Miranda, a equipe de bibliotecários da FUNARTE e minha família que me apoiou.

 

Referências

 

ABI FUNARTE, Centro de Documentação; Companhia de Cigarros Souza Cruz. As vidas de Bastos Tigre. Rio de Janeiro: ABI/ FUNARTE, 1982.

 

ASSUMPÇÃO, Evaldo Alves D’. Comportar-se fazendo bioética para quem se interessa pela ética. Petrópolis: Vozes, 1998.

 

ARANHA, Maria Lúcia de Arruda; MARTINS, Maria Helena Pires. Filosofando: introdução à filosofia. São Paulo: Editora Moderna, 1993.

 

CONSELHO FEDERAL DE BIBLIOTECONOMIA. Código de ética profissional do bibliotecário – resolução CFB 042 – DOU 14.01.02. Folder.

 

FREIRE, Isa Maria. Reflexões sobre uma ética da informação na sociedade em rede. Ponto de acesso, Salvador, dez. 2010. Disponível em:

<http://www.portalseer.ufba.br/index.php/revistaici>. Acesso em janeiro/2011.

 

SOUZA, Francisco das Chagas de. Conduta profissional, discurso ético e ética do discurso na biblioteconomia. Inf. & Soc. João Pessoa, set./dez., 2007, v.17, n.3, p.27-38. Disponível em: <http://www.ies.ufpb.br/ojs2/index.php/ies>. Acesso em jan.2011.

 

SOUZA, Francisco das Chagas de. Ética bibliotecária no contexto atual. Perspectivas em Ciência da Informação. Belo Horizonte, jan./abr. 2007, v. 12, n.1, p. 136-147. Disponível em: http://www.eci.ufmg.br/pcionline/index.php/pci. Acessado em jan./2011

 

TIGRE, Bastos; TIGRE, Christina Bastos. Bastos Tigre: poemas. 2005.

 

TIGRE, Manoel de Bastos. Conceitos e preceitos. Rio de Janeiro, 1946.

 

TIGRE, Sylvia Bastos (Org.). Bastos Tigre: notas biográficas. Brasília, 1982.

 

 

Débora Melo - Discente de Bacharelado em Biblioteconomia. - Debora.vilar@yahoo.com.br

 

Autor: Débora Melo

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Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.