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O PROBLEMA DAS BIBLIOTECAS PÚBLICAS - 2

Em maio, do corrente ano, escrevi um pequeno texto que versou sobre alguns problemas que dizem respeito às bibliotecas públicas em Recife. Este segundo texto dá continuidade às minhas reflexões e vivências. Ainda, penso eu que, de fato, alguns problemas ultrapassam as fronteiras recifenses e podem ser identificados, avaliados, debatidos e solucionados nos espaços de outras cidades brasileiras.

 

Sabemos que desde os remotos tempos em que foram registrados e guardados os primeiros inscritos humanos, até os dias atuais em que muito é comentado sobre o fim das bibliotecas físicas ou sobre a ressignificação do próprio termo "biblioteca", o papel social das bibliotecas sofreu, sofre e sofrerá transformações. Por exemplo, em Recife, novas manifestações estão ocorrendo, reuniões com pessoas das mais distintas origens estão sendo feitas com o objetivo de debater sobre os problemas atuais e as ideias para o futuro. De fato, um fórum foi reativado e algumas ações estratégicas priorizam repensar, ressignificar e reconfigurar a biblioteca pública, a leitura e o livro.

 

Por vezes, creio eu, as transformações são concomitantes com as vontades populares, mas, em sua maioria são conflitantes. Até aí, tudo bem, se isso acontecesse num espaço de debate público democrático. Infelizmente, sabemos que isso não condiz com o processo histórico brasileiro, em geral e recifense, em particular. Foram essas transformações motivadas por razões políticas ou econômicas (estas duas insistem em ser irmãs)? Penso eu, então, que existiu uma dimensão da instituição "biblioteca pública" que sempre escapou aos olhos dos tomadores de decisão (como diria Saramago: "enquanto viam, estavam cegos"), qual seja: a compreensão de uma dimensão política, ou melhor, da necessidade de um Projeto Político. Esse Projeto tem que considerar características como articulação, integração e gestão. Estas, por sua vez, não podem estar pautadas, apenas, em fluxos de dados e informações por meio de sistemas computacionais interoperáveis, o que, sob uma visão operacional, instrumental e tecnológica é válida, mas, sobretudo, naquilo que fundamenta as realidades sociais concretas.

 

Em que pesem as idiossincrasias de cada local, e, assim, a de cada biblioteca pública, esse fundamento pode ser considerado como a intenção de, continuamente, reinventar esse espaço público, com o intuito de, não apenas, sanar as mazelas de letramento de um indivíduo ou de um coletivo, mas, também, de proporcionar as condições de possibilidades de educação cívico-cidadã continuada, sistemática e crítica, assim contribuindo para que as transformações transcendam a biblioteca pública, propriamente dita, e encontrem fixação nas pessoas, por meio de suas interrelações e intersubjetividades.

 

A ideia, enfim, é que ampliemos a visão sobre essa milenar instituição para que ultrapassemos as ações que, não sem mérito, tinham ou ainda têm como objetivo suplantar o que fazem as escolas (complemento de educação escolar ou pesquisa acadêmica), ou aquilo que é oferecido ao cidadão em momentos de lazer e entretenimento (complemento cultural).

 

Essa visão, por meio de um Planejamento Estratégico situado num Projeto Político de Biblioteca Pública, precisa ser superada e transformada no sentido de possibilitar que um olhar renovado, ético e respeitoso emerja. Sejam as bibliotecas nomeadas como tal ou sejam denominadas de "espaços públicos de convivência", o que está em jogo é uma disputa de poder que não pode encontrar eco nos processos pretéritos. Não basta que um profissional da política gerencie a transformação: isso, de certo, resultará no "continuum" do "status quo". Não basta que um pesquisador ou um punhado de profissionais, com ajuda de um pequeno grupo de estudantes tomem as rédeas de uma linda trajetória idealizada, mas sem direcionamento concreto. É dever de cada cidadão participar e colaborar, na medida que couber a cada um, para que a biblioteca pública, por meio de um Projeto Político que integre a articule todas as pessoas e instituições envolvidas, transgrida seu lugar comum, sua apatia, seu conformismo, sua passividade e opacidade.

 

Existe, concretamente, uma oportunidade para que cada cidadão e, por conseguinte, o coletivo social ressignifique a biblioteca pública e a reconstrua, de forma que seu fundamento seja pautado numa autonomia organizacional e, sobretudo, na possibilidade de oferecer um contínuo processo de construção de cidadania. Estamos vivendo um período histórico em que a transparência, finalmente, faz sentido. Ela não pode mais ser refém do Estado e dos discursos políticos vazios, cínicos.

 

A ressignificada biblioteca pública é um dos pilares que, por meio da formulação de Políticas Públicas e renovados costumes informacionais, permitirá a emergência de uma visibilidade ética dos cidadãos sobre o Estado e as instituições que o constituem. Urge que as bibliotecas públicas municipais e estaduais, assim como a Nacional, sejam visíveis aos renovados olhares dos sujeitos contemporâneos, mas, também, entre si. É isso.

 

Diego Salcedo – Professor do Departamento de Ciência da Informação/UFPE – salcedo.da@gmail.com

Autor: Diego Salcedo

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Seção Mantida por OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.