BIBLIOTECAS ACADÊMICAS


PROJETO PEDAGÓGICO & BIBLIOTECA: UM CASAMENTO MAIS QUE DESEJÁVEL, NECESSÁRIO

A mais evidente relação da biblioteca acadêmica com o projeto pedagógico dos cursos ministrados pelas IES's está na bibliografia indicada de cada uma das disciplinas da grade curricular do curso. Dela extraimos os itens que deverão compor a aquisição bibliográfica para atendimento ao curso, itens que prioritariamente deverão compor o acervo bibliográfico de cada curso.

A evidência da relação projeto pedagógico - biblioteca, apesar de inconteste, é mais complexa do que poderíamos supor. Vários fatores concorrem para a complexidade dessa relação, vejamos alguns:


Disponibilidade do item na Biblioteca

Seria desejável que o corpo docente conhecesse, em relativa profundidade, o acervo bibliográfico disponível na Biblioteca e realizasse, na medidade das possibilidades, um aproveitamento do material existente na bibliografia da respectiva disciplina. Vemos, com uma freqüência maior do que desejamos, coleções não utilizadas por falta de conhecimento do docente da área e, pior, a indicação de itens bibliográficos não presentes no acervo em detrimento dos existentes. Portanto, a presença do professor na Biblioteca é de fundamental importância no processo mas, apesar de desejável, nem sempre ocorre.


Professor & Biblioteca

Se algum enlace inicial é possível e desejável, ele deve ocorrer no contato inicial do professor com a Biblioteca para um bom planejamento de uso do material bibliográfico disponível e possível, pois não temos a pretensão de ter tudo na Biblioteca e o professor é a principal fonte para formarmos um bom acervo de suporte para cada disciplina.


A formação da bibliografia de cada disciplina

Apesar de identificarmos algumas políticas gerais para a formação das bibliografias das disciplinas, apresentando elementos como a limitação quantitativa de publicações indicadas nos itens considerados básicos e complementares, restrições relacionadas a datas de publicações entre outras, alguns elementos, independentemente destes fatores, acabam formando um conjunto bastante significativo e amplo quando analisamos as indicações bibliográficas dos professores.

Apesar da disponibilidade (para aquisição e consulta) da bibliografia indicada nas disciplinas ser de fundamental importância, ainda temos um alto índice de indicações que podem ser consideradas inacessíveis e, em alguns casos, de maneira bastante homogênea entre as IES's, estes itens chegam a representar 50% da bibliografia. Há que se questionar as razões desta proporção. Se os estudantes não poderão adquirir o item, se a Biblioteca não poderá compor seu acervo com o item, que política justificaria a permanência da publicação na bibliografia do curso? São os chamados clássicos? Há evidências que apontam para outros fatores.

Um dos fatores que concorrem com esta situação é a falta de informação do docente quanto aos lançamentos editoriais em sua área, ausência de meios de acesso aos mesmos (formar uma boa biblioteca tem um custo relativamente alto, apesar de poder ser entendida como uma obrigação do professor) e disponibilidade de tempo para leitura e atualização.


Publicações em língua estrangeira

A utilização de publicações em língua estrangeira em bibliografias de cursos de graduação também converge para a questão da acessibilidade de seu conteúdo. O corpo discente, em sua maioria, não dispõe de conhecimento suficiente para realizar uma leitura razoável em língua estrangeira, mesmo quando falamos de idiomas mais próximos do português como o espanhol. Há pouca utilização de publicações em língua espanhola nas IES's, que o digam livreiros especializados e bibliotecários acadêmicos. Há muito espaço para avançarmos. Uma forte corrente que defende a permanência das publicações em língua estrangeira nas bibliografias justifica-se tendo como objetivo um processo indutivo, motivador para que o estudante procure instrumentalizar-se em conhecimentos de outras línguas. De qualquer forma, itens em língua estrangeira sempre mereceram um tratamento especial das bibliotecas acadêmicas, seja por sinalizar uma utilização mais restrita, um público limitado, seja por solicitar, como conseqüência, um maior esforço de divulgação, publicidade.


Bibliografia como certificado de erudição

Outro comportamento, bastante revelador e identificado, também, na maioria das IES's é a visão da bibliografia da disciplina como um verdadeiro currículo do docente, onde fica evidente a intenção do professor em demonstrar erudição, "pedigree" intelectual. A aplicabilidade da bibliografia no desenvolvimento da disciplina, em relação a carga horária, posicionamento da disciplina na grade curricular do curso, acaba demonstrando, em muitos casos, uma desproporção, uma supervalorização, gerando um desequilíbrio. Não haverá tempo para explorar a bibliografia indicada, não há adequação em relação ao nível de profundidade em que o assunto será tratado. Resumindo, o docente não preocupou-se em construir uma bibliografia adequada à disciplina, acessível ao aluno, adequada a carga horária, ao contexto do curso, mas elaborou-a como se fosse a única e mais importante disciplina ministrada na Instituição.

Quando este comportamento é adicionado aos anteriormente citados temos um verdadeiro desastre. A Biblioteca, caso adquirira a bibliografia, constatará que poucos itens serão efetivamente utilizados pelos estudantes e o professor não cobrará nem acompanhará a utilização do material na Biblioteca.


Eu não concordo com esta bibliografia

Há sempre divergências entre os docentes em relação à bibliografia a ser seguida em determinada disciplina. Quando o coordenador ou diretor de determinado curso fixa a bibliografia da disciplina, na maioria das vezes apoiado pelos docentes do curso, nem sempre há uma adesão irrestrita ao determinado pelo dirigente do curso. Quando o curso possui mais de um docente para cada disciplina a situação tende a ser mais complicada. Não raro, o professor que elaborou a bibliografia, subsidiando o trabalho do coordenador do curso, é questionado pelos seus colegas. O docente que não participou da sua elaboração pode até mesmo, em sala de aula, dizer aos seus alunos que não concorda com a bibliografia e invocando o seu "direito de cátedra" estabelecer uma bibliografia paralela. A atitude quebra todo um trabalho de planejamento de recursos entre a Biblioteca e a Coordenação do curso. A notícia chega rapidamente a Biblioteca. Os alunos procuram pelos itens apontados pelo professor em sala de aula e ... onde estão? São poucos, muitos, inexistentes? Nem mesmo sabemos quais são! Parabéns, professor, agradecemos a sua atitude colaborativa, em sintonia com a coordenação do curso, com a Instituição, com a Biblioteca, um verdadeiro trabalho em equipe!


Gestão do "custo biblioteca"

Outra visão bastante comum entre o corpo docente é aquela que separa a questão do custo dos recursos exigidos da questão relativa ao que comumente é chamado de questões acadêmicas. Sempre é ressaltada a questão acadêmica como prioritária e única questão relevante ao trabalho docente na IES. Bem sabemos que a separação das duas áreas pode ser desastrosa. Há exemplos ontológicos das conseqüências dessa visão. No passado recente, uma de nossas colegas ficou espantada com os custos de uma coleção indicada na disciplina de anatomia. A coleção, uma raridade, custava mais de R$ 16.000,00. Inacessível aos estudantes, a coleção fora apontada pelo docente na bibliografia da disciplina, vale ressaltar que o curso não era de medicina.

A aquisição da coleção, executada através de um departamento de compras, fora realizada no "pacote" bibliográfico do curso. O final da história todos conhecemos, apesar da qualidade da coleção o item não foi utilizado como deveria ter sido, a sua aplicação na disciplina ficou prejudicada pela metodologia de uso da bibliografia. O conhecimento pelos docentes dos custos dos recursos solicitados para suporte à disciplina deveria ser um requisito obrigatório. Haveria um comportamento mais criterioso na seleção dos itens da bibliografia se o docente tivesse noção dos custos envolvidos na aquisição de cada item? Dado o tamanho dos recursos financeiros envolvidos em aquisições bibliográficas nas IES, todo cuidado é bem-vindo, não podemos desperdiçar nenhum centavo.


Itens esgotados

Na luta para racionalizar recursos, a depuração dos itens esgotados das bibliografias indicadas nas disciplinas é fundamental. Como já dissemos, estes itens chegam a proporção de 50% dos itens em algumas disciplinas nas IES. No processo de aquisição bibliográfica o resultado é desatroso, muito trabalho e pouco resultado. Apesar das IES's disponibilizarem recursos financeiros para a aquisição, o processo final aponta para frustantes índices de aproveitamento. Perdemos tempo e recursos financeiros num processo de baixa eficiência. Como trabalhar? Há como depurar estes itens antes de enviá-los a aquisição? Há algumas tentativas de "filtragem" destes itens no momento de fixação da bibliografia das disciplinas pelo curso. Um trabalho junto a coordenação do curso pode resultar numa melhoria dessa situação a médio - longo prazo. A Biblioteca pode subsidiar o trabalho da coordenação do curso. Há instrumentos que podem ser utilizados para esta filtragem. A utilização de sites de livrarias para identificação de itens que estejam indisponíveis pode ser bastante útil nesse trabalho. Outro instrumento importante e bastante utilizado pelo mercado livreiro são as bases de dados de publicações. Fontes de pesquisa nas livrarias, as bases de dados são providas pelos órgãos de classe do mercado livreiro/editorial e por empresas especializadas. Uma das primeiras bases de dados deste gênero no Brasil, o CBP - Catálogo Brasileiro de Publicações foi durante algum tempo um dos únicos instrumentos para identificar e localizar publicações do mercado editorial brasileiro. A iniciativa contava com uma equipe de bibliotecários catalogando e registrando as publicações na base de dados. Infelizmente a iniciativa não teve continuidade. Atualmente, há disponibilidade de um programa comercializado junto ao mercado livreiro como suporte para vendas e localização de publicações. Não precisamos salientar a importância de instrumentos como estes para o trabalho da biblioteca acadêmica. Levantamento de bibliografias especializadas, localização de títulos, casas publicadoras, situação do item no mercado editorial são informações fundamentais para um trabalho mais preciso, consistente, eficaz. Um instrumento como este deveria ser disponibilizado ao corpo docente para consulta em tempo integral, nada melhor que o professor para verificar a situação de sua bibliografia, custo, disponibilidade, novas edições, etc. O trabalho de "filtragem" seria realizado pelo docente, como critério no processo de formação da bibliografia da disciplina, processo mais racional que concentrar na Biblioteca o trabalho de verificação de disponibilidade, correção e complementação de registros bibliográficos.


Estes foram apenas alguns aspectos que envolvem o trabalho da Biblioteca e sua relação com o projeto pedagógico do curso. Muitos outros aspectos podem ser explorados. Evidenciamos a relação da Biblioteca com a bibliografia indicada nos planos de disciplina e os docentes mas outras variáveis concorrem para uma equação mais completa e dinâmica da questão. Vamos dar continuidade nos próximos artigos.


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ARTUR DA SILVA MOREIRA

Bibliotecário, fundou e presidiu o Grupo de Bibliotecas de Instituições Particulares de Ensino Superior – GBIPES (1997 – 2004) e a Comissão Brasileira de Bibliotecas das Instituições Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – CBBI (2011 – 2014). Formado pela FESP-SP, turma de 1987. Coordena o Grupo de Trabalho de Cadastro de Bibliotecas e Profissionais da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e atua como moderador e administrador da Lista de Discussão da CBBI, atualmente com 672 membros.