BIBLIOTECAS ACADÊMICAS


A BIBLIOTECA COMO CENTRO DA INSTITUIÇÃO DE ENSINO SUPERIOR

Muito se fala da Biblioteca como "coração" das instituições de ensino superior, não raramente esta proposição também é defendida pelos membros de comissões de avaliação do MEC. O que deveria ser uma proposição inconteste parece ter, também, um outro lado, sombrio, que revela-se em boa parte das IES, onde podemos encontrar várias "cardiopatias".

O desenvolvimento das bibliotecas acadêmicas está intimamente atrelado ao "espaço" que elas ocupam no plano de desenvolvimento instituicional das organizações.

Apesar de não estar em primeiro plano, as bibliotecas acadêmicas são um reflexo direto da importância e relevância da qualidade de ensino, pesquisa e extensão no contexto das instituições.

Sempre que o assunto são as bibliotecas, sua implantação, operação, desenvolvimento e manutenção as cifras são altas, custos elevados e retorno nem sempre tão direto e veloz quanto o desejado.

Essa equação, perto do que representa a complexidade de um processo de ensino, pesquisa e extensão, em que estão envolvidos problemas dos mais variados, parece óbvia, simples, mas não é.

Os administradores acadêmicos, envolvidos com seus problemas de rotina, do dia-a-dia, nem sempre incluem esse equipamento em seu processo de planejamento estratégico. Cursos são abertos sem que a biblioteca seja consultada, sem que haja uma avaliação do acervo e dos serviços que devem ser oferecidos à comunidade envolvida no projeto. Planejamento zero, desenvolvimento lento, sempre na rabeira das demandas efetivadas. Correndo atrás do prejuízo.

Quase que invariavelmente, as IES projetam seus cursos, oferecem e implanta-os sem que haja uma estrutura de suporte necessária aos mesmos. Que digam os alunos de cursos recém implantados, sofrem pela estrutura inexistente ou inacabada e ainda são penalizados pela expectativa dos processos de reconhecimento capitaniados pelo Ministério da Educação.

Não há muito o que fazer, as Bibliotecas e, conseqüentemente, os administradores bibliotecários são peças secundárias no processo. Alterar esse processo... somente com o amadurecimento e profissionalização das instituições educacionais. Nós só estamos começando, não temos instituições com dois séculos de atividade, sobram dedos nas mãos se quisermos contar as que fizeram um século, contando os institutos. A grande maioria, as instituições particulares, estão muito abaixo das bodas de ouro.

Estamos acostumados à velocidade mas certas coisas não amadurecem como bananas embrulhadas em jornal. Instituições de ensino superior possuem uma característica muito parecida com as bibliotecas, possuem um ritmo de amadurecimento característico, uma organicidade que se mantém além de fatores que podem ser acrescentados ao processo e que variam de instituição para instituição, de biblioteca para biblioteca. Há algo que só o tempo pode oferecer a despeito de todo o recurso financeiro e humano que pode ser injetado na Instituição.

Na Biblioteca, há um tempo necessário para desenvolvermos acervos e serviços em sintonia com a comunidade a despeito de planejamentos existentes ou não. Há um bom tempo necessário para que a comunidade absorva e responda aos estímulos emanados pela Biblioteca a despeito de sua integração ou falta dela com o projeto pedagógico e o corpo docente de cada curso. Há um tempo necessário para que os alunos absorvam todos os serviços e conheçam as potencialidades da Biblioteca a despeito da ausência de estímulo e integração dos professores com a Biblioteca. Há um tempo ainda maior para que os dirigentes universitários entendam este processo como um todo e não de maneira isolada, parcial (número de alunos e professores que freqüentam a Biblioteca, número de empréstimos, etc.). As estatísticas são um reflexo do trabalho da Biblioteca? Refletem um momento, um conjunto de momentos mas não conseguem captar esse delicado processo de maturação, inerente ao processo, orgânico, incontornável.

No imediatismo dos resultados rápidos, de curto prazo, a Biblioteca fica sem respaldo justamente por não ter nada a ver com esta velocidade. O trabalho de leitura é testemunha desse argumento, tem muita similaridade com a velocidade da Biblioteca.

Abrindo um parêntesis, por falar de trabalho de leitura e sua velocidade, uma empresa, aparentemente multinacional, estava oferecendo um curso de leitura rápida durante a Bienal Internacional do Livro em abril último em São Paulo. Parei para refletir, pensei durante alguns instantes, nada mais avesso ao trabalho de leitura do que a imposição de uma velocidade padrão do tipo "faça nosso curso e leia 200 palavras por minuto" . Grande vantagem... e o prazer da leitura? e o prazer da descoberta, o saborear das idéias, emoções, sensações, conexões, associações? A 200 palavras por minuto? Parece o mesmo que fazer uma viagem somente se importando com o destino, "descendo o pé" no acelerador, sem se importar com a paisagem, o "viajar". O mais estranho, e talvez mais absurdo, incompreensível, seja a promessa agregada ao método de leitura à venda: total compreensão do texto. Coisa de maluco, insano, repugnante. Na Bienal, o prazer da leitura jogado no lixo, como se ler fosse um ato repulsivo, um remédio muito ruim que tem que ser engolido o mais depressa possível.


Voltando às nossas Bibliotecas, os mantenedores das IES e dirigentes universitários podem até mesmo considerar as bibliotecas acadêmicas um assunto secundário no processo estratégico da instituição mas elas devem ser mantidas, são equipamentos indispensáveis à manutenção das condições operacionais das IES, a despeito de serem consideradas pautas de segundo ou terceiro plano. Interessante notar algumas situações onde apesar de manter esse "status quo" a Biblioteca, pelo investimento acumulado e esforço que representa, é reconhecida como um patrimônio indispensável à instituição. Exemplificando esta situação, recentemente, uma instituição de ensino que mantinha cursos de ensino fundamental, médio e superior resolveu concentrar suas atividades somente no ensino fundamental e médio (suas atividades de origem), desvencilhando-se das atividades no ensino superior. Vendeu as suas instalações, levou os cursos de ensino médio e fundamental e quando os novos mantenedores tomaram posse do prédio para "tocar" a faculdade foram surpreendidos com o vazio deixado pelos antigos donos em duas salas: Biblioteca e Laboratório de Informática. Para o Laboratório, faz-se um "leasing" de máquinas e programas mas na Biblioteca... somente estantes vazias e um grande buraco para preencher com publicações, serviços, etc. O "coração" por pior que pudesse estar, foi embora com quem o formou, esperto, pelo menos nesse momento a Biblioteca foi "reconhecida".

O que se depreende de todo esse processo é que a Biblioteca acadêmica ainda oferece um "status" à IES, independentemente do quanto ela é utlizada ou bem utilizada. Dá uma boa "imagem" à Instituição, assim como um bom laboratório de pesquisa, um bom curso de pós-graduação, um corpo docente com boa titulação. As conexões da Biblioteca com o projeto pedagógico, planos de ensino, projeto institucional, bem... estas podem ser tênues, por vezes inexistentes até por falta de investimentos e das "letras mortas" de todo tipo de documento de intenção, planejamento ou execução existente nas IES e apresentados nas reuniões de Conselho Universitário para o regalo normativo e legislador da Instituição. Resta saber o que fica, o quanto conseguimos caminhar e de que forma caminhamos e se vamos conseguir manter o passo, se há sustentabilidade no processo, flexibilidade frente às adversidades que poderão surgir.

Apesar do simbolismo e importância em considerarmos a bibloteca como coração da Instituição o que acaba acontecendo é muito diferente, por muitas razões, do que gostaríamos. Talvez um primeiro passo para uma efetiva mudança seja encarar essa realidade e não manter falsas imagens, mesmo que elas nos agradem.

A despeito de nossa situação nos "tristes trópicos" algumas IES beneficiaram-se em muito por possuir bons e vultuosos acervos em suas bibliotecas. Uma das mais ilustres universidades do Reino Unido, a Universidade de Oxford, tornou-se uma instituição de grande prestígio, atraindo estudiosos de todos os países, muitos deles mais avançados na época que o próprio Reino Unido, por possuir, entre outras coisas, uma das mais completas e valiosas bibliotecas acadêmicas da época, a Bodleian Library, iniciada através da doação de uma biblioteca particular, pertencente a Sir Thomas Bodley. O impacto de possuir um acervo tão significativo à epoca (século XVII), alavancou a universidade a um status jamais perdido. Fica ai um bom exemplo, que seja seguido pelos nossos mantenedores e dirigentes universitários. Começamos atrasados mas, espero, temos muito tempo pela frente. O tempo e o trabalho dirão.

Abaixo, a reprodução de um pequeno trecho do livro "Uma história social do conhecimento" de Peter Burke.

"A biblioteca aumentou de importância, assim como de tamanho depois da invenção da imprensa. Dentro da universidade, começava a rivalizar com a sala de conferências, pelo menos em certos lugares. A Universidade de Louvain ainda declarava em 1639 que uma biblioteca era desnecessária porque "os professores são bibliotecas ambulantes", mas em Leiden, ao contrário, a biblioteca abria duas vezes por semana e os professores às vezes emprestavam suas chaves aos estudantes." (pág. 56).

(Fonte: BURKE, Peter. Uma história social do conhecimento: de Gutenberg a Diderot. São Paulo : Jorge Zahar, 2003).


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ARTUR DA SILVA MOREIRA

Bibliotecário, fundou e presidiu o Grupo de Bibliotecas de Instituições Particulares de Ensino Superior – GBIPES (1997 – 2004) e a Comissão Brasileira de Bibliotecas das Instituições Federais de Educação Profissional, Científica e Tecnológica – CBBI (2011 – 2014). Formado pela FESP-SP, turma de 1987. Coordena o Grupo de Trabalho de Cadastro de Bibliotecas e Profissionais da Rede Federal de Educação Profissional, Científica e Tecnológica e atua como moderador e administrador da Lista de Discussão da CBBI, atualmente com 672 membros.