PASSOS E ESPAÇOS DO ESTUDANTE


  • Espaço para discussões, debates e reflexões sobre o estudante universitário, em especial o da área de Ciência da Informação.

A BIBLIOTECONOMIA EM MOVIMENTO

Havia dito no texto anterior, no qual introduzi esta coluna relatando um caso que aconteceu comigo, que os leitores poderiam enviar alguma história própria, contribuindo assim para este espaço. Recebi, de Marcos Paulo de PaSSos(1), este relato ocorrido em Marilia, em que é mostrado o que a força do movimento estudantil pode gerar. A insatisfação dos estudantes de Biblioteconomia e de Arquivologia, culminou numa união nunca vista antes nesta universidade, deixando perplexos com a sua ousadia, tanto os professores do Departamento de Ciência da Informação, como os estudantes de outros cursos. Rótulos discriminatórios como apáticos ou apolíticos, foram desconstruídos na medida em que o ato consolidou-se como marco de grandes conquistas.

 

Deixo aqui meu agradecimento ao Marcos, pelo envio do registro deste fato, no qual tantos outros estudantes participaram. Espero que este relato motive outras pessoas a enviar suas experiências como estudante e a participar ativamente do movimento estudantil de biblioteconomia. (Thais R. Franciscon de Paula)

 

A BIBLIOTECONOMIA EM MOVIMENTO

 

Marcos Paulo de PaSSos (2)

 

No dia 05 de abril de 2005 na Unesp – Campus de Marília, os estudantes de Biblioteconomia e de Arquivologia, após decisão deliberada em Assembléia extraordinária reuniram-se em quase toda sua totalidade para realizar um ato de protesto em frente ao Laboratório de Tecnologias Informacionais do prédio de Didática deste campus.

 

Dias antes, o Laboratório passava por um processo de reforma para atender uma necessidade do programa de pós-graduação em Ciência da Informação, instaurando um clima de incomodo e de incertezas aos demais estudantes atrelados ao Departamento de Ciência da Informação. Questões acerca de sua funcionalidade para atividades discentes tais como a elaboração de projetos de pesquisa, desenvolvimento dos Trabalhos de Conclusão de Curso e demais disciplinas, bem como atividades dos centros acadêmicos de Biblioteconomia e de Arquivologia, relatórios de pesquisa para bolsas de iniciação científica e outras atividades de extensão, foram desconsideradas àquela ocasião, sob alegação de existir neste espaço, equipamentos obsoletos ou em condições precárias de uso (ou em constante manutenção) e ainda, má gestão dos responsáveis pelo laboratório.

 

Se por um lado era perceptível a todos que não havia no campus outras salas ou ambientes tradicionais disponíveis para realização das atividades curriculares do recém instaurado Doutorado em Ciência da Informação, assim como para os outros programas de pós-graduação da unidade e demais cursos de graduação - problemas estes procedentes da expansão universitária promovida à época pela reitoria e Governo do Estado -, por outro lado, os estudantes de Biblioteconomia e de Arquivologia julgaram de extremo insulto a imposição e justificativa alegada pelos responsáveis do programa de pós-graduação em Ciência da Informação que punham em análise não só as atividades discentes realizadas no espaço bem como em detrimento, a necessidade dos cursos de graduação atrelados ao departamento de reivindicar maiores recursos junto à diretoria dessa unidade e mesmo, junto à reitoria da universidade.

 

Nesse cenário, a expressão de descontentamento dos estudantes trouxe como alegoria trajes rotos de cor preta, o panelaço (3), o cadeiraço (4) e o abandono das atividades discentes em vigência no decorrer daquela semana.

 

Outro ponto relevante aos estudantes para consecução do ato deveu-se, principalmente, pela forma como durante a reunião mensal do Departamento a questão foi tratada: além do modo ofensivo dirigido aos representantes discentes presentes e demais docentes que se punham contrários à decisão, a falta de uma discussão prévia ou mesmo uma previsão de remanejamento e alocamento dos equipamentos (obsoletos, precários ou em manutenção), utilizados pelos graduandos, acirrou os ânimos provocando ulteriormente a paralisação dos estudantes.

 

Comunicado os motivos da paralisação aos docentes presentes no dia inicial da manifestação (05/04/2005, data prevista para o início das atividades discentes do programa de pós-graduação em Ciência da Informação), os estudantes seguiram em passeata por várias dependências do campus da faculdade, culminando seu trajeto junto à sala do Departamento de Ciência da Informação.

 

Diante desse panorama, em nova “Assembléia Extraordinária” ocorrida durante o mesmo ato, os estudantes deliberaram a legitima ação de “ocupação da sala 22” e indicativos de extensão da paralisação das aulas, prevista inicialmente para um dia apenas, por tempo indeterminado para que fossem discutidas e esclarecidas tais circunstâncias que se apresentavam. Desse modo, imprimiu-se a necessidade de uma reavaliação e discussão acerca da decisão adotada pelo Departamento. Deve-se registrar que em um primeiro momento, uma parte dos estudantes recém ingressos na universidade assim como os formandos de 2005, apresentaram votação mínima contrária às decisões adotadas pelos demais estudantes presentes, porém, concordaram em fornecer suporte à manifestação que se construía, pois entenderam ser esta, uma situação única em que o início de profundas reflexões e possíveis mudanças acerca do academicismo versadas em questões tais como a gestão e comprometimento com a qualidade do ensino e formação profissional dirigida aos alunos de graduação poderiam ser debatidas, ou melhor, esclarecidas, encaminhadas ou revisitadas.

 

Na quarta feira (06/04/05) uma nova Assembléia realizada no Anfiteatro dessa faculdade, reunindo 130 estudantes de Biblioteconomia, ratificava as decisões deliberadas, desde que fosse realizada o mais rápido possível, uma reunião de proporções maiores com a participação de todos os estudantes da graduação e de todos os docentes do Departamento, a fim de se evitar maiores prejuízos quanto ao andamento das atividades curriculares e ainda, que fossem discutidos aspectos primordiais com relação ao Laboratório e o próprio andamento dos cursos.

 

Na quinta feira (07/04/05) a mesa composta por um representante discente na coordenação, a chefe do Departamento de Ciência da Informação, titulares do Conselho de Curso de Biblioteconomia e de Arquivologia, a participação livre dos demais estudantes e docentes presentes no Anfiteatro, discutiu cada ponto da pauta que elencava ainda outras questões além das referentes ao Laboratório tais como a situação administrativa geral da Unesp, os problemas que a pós-graduação vinha enfrentando e a possível integração de ambos segmentos estudantis como melhoria na formação.

 

Nesta reunião foi decidido que a “ocupação” (5) permaneceria pelo menos até a vinda do reitor da Universidade ao campus de Marília (prevista para o dia seguinte, 08/04/05) na qual seria realizada uma Congregação Aberta, de modo que o ato trouxesse visibilidade a outras reivindicações do Campus de modo geral (nessa mesma semana os demais estudantes de outros cursos “ocupavam” a diretoria do campus). Para a visita anunciada, uma carta de interesse comum foi redigida por um grupo de estudantes e de docentes do Departamento para ser entregue ao Reitor.

 

Outra resolução, de caráter provisório, foi acordada entre docentes e discentes na qual foi decidido que o equipamento utilizado pelos estudantes de graduação seria alocado à sala 21 do prédio de Didática (Laboratório de Análise Documentária Paulo Tarcísio Mayrink) e a gestão desta, compartilhada pelos integrantes da gestão vigente do Centro Acadêmico de Biblioteconomia, a chapa “Jorge de Burgos” (Gestão de 2005).

 

Como resultado dessa semana histórica, a inédita participação de estudantes e docentes em discussões pontuais sobre a Universidade e, especialmente, sobre as especificidades e necessidades atreladas aos cursos de Biblioteconomia e de Arquivologia, estreitou as relações entre alunos e docentes bem como possibilitou o início de um diálogo direto, franco e aberto entre os envolvidos; vislumbrou ainda, que a integração de ambos os segmentos, possa promover em futuro breve - e que venha a ser habitual no Departamento de Ciência da Informação -, a discussão, reflexão e até mesmo a tomada de determinadas decisões em conjunto acerca dos rumos que norteiam nossas atividades acadêmicas, sejam estas relacionadas ao âmbito da formação curricular ou mesmo, durante o desenvolvimento e fortalecimento das pesquisas realizadas por esse grupo, entre outras atividades.

 

Ressalta-se ainda como conseqüência desses fatos, que essa promoção do debate e maior participação dos estudantes com relação a questões diretamente ligadas a sua formação, propiciou não só discutir as inquietações que acometem a todos no campus, mas também, refletidas nas reuniões mensais do Conselho de Curso e do Departamento de Ciência da Informação no transcorrer do ano de 2005 e de 2006, evidenciou que essa mútua colaboração visa entre outras coisas, angariar melhorias para o período de formação dos futuros profissionais da área e ainda, estabelecer uma relação mais próxima junto aos docentes desse departamento consolidando o espaço acadêmico como ambiente de reflexão e de pesquisa.

 

Frutos dessa parceria ficam explicitados na organização do VI EREBD SE/CO em 2005 no campus de Marília, cuja iniciativa partiu dos estudantes no ano anterior; nos relatórios de avaliação docente e discente dos cursos de Biblioteconomia e de Arquivologia realizados pelos docentes do Departamento e demais discentes representantes nos conselhos de curso e departamento em 2006, junto aos membros dos CABiblio e CAArq, bem como, a co-gestão do Laboratório de Análise Documentária (sala 21) pelos respectivos centros acadêmicos em anos subseqüentes (2005/2006), junto às docentes responsáveis Mariângela Fujita e Maura Guarido. Destaque-se ainda, que o projeto encaminhado à Elsevier nesse ano de 2006 pelas docentes Mariângela Fujita e Helen Castro, cuja proposta aceita pela editora, possibilitou a aquisição de equipamentos de informática para esse espaço, consolidando o Laboratório como local para desempenho de atividades acadêmicas e de integração dos estudantes, bem como espaço profícuo para debates e aperfeiçoamento na formação dos estudantes.

 

Se por um lado, a aquisição de equipamentos para esta sala redireciona nossas discussões para determinados aspectos, tais como, a presença cada vez mais forte de instituições privadas em locações destinadas ao ensino público e, em âmbito maior, a privatização do ensino superior público; também questões como o estabelecimento dessas parcerias devem ser consideradas pontos chaves para novas reflexões, debates e ações conjuntas entre discentes e docentes envolvidos na melhoria da formação estudantil com vista ao mercado profissional, ao desenvolvimento de pesquisas, ao crescimento da universidade e o retorno à sociedade desses benefícios.  

 



 

(1) A forma ortográfica empregada para representação escrita do nome do autor, contravém com a regra geral da língua portuguesa para atender a um pedido particular, uma vez que, sua justificativa pertence a um projeto literário em curso. (No prelo, conforme afirmado em 2007).

 

(2) Bacharel em Biblioteconomia pela Universidade Estadual Paulista UNESP/ Campus de Marília – Durante a graduação foi integrante do jornal Bisbliotando, membro do Centro Acadêmico de Biblioteconomia em 2004 e representante discente suplente no Departamento de Ciência da Informação nos anos de 2005 e 2006. E-mail: marcos_epistemologicos@yahoo.com.br.

 

(3) Panelaço, do espanhol Cacerolazo uma manifestação espontânea de pessoas, realizando um chamamento político ou de organização. Sua principal característica consiste nos manifestantes mostrarem seu descontentamento, reunindo-se sem a necessidade de um lugar definido, batendo qualquer utensílio de forma compassada, originalmente panelas (cacerolas), surgindo daí seu nome. Ganhou visibilidade durante a crise econômica da Argentina, em 2002. A história do movimento e origem da palavra “panelaço” você pode encontrar em: http://es.wikipedia.org/wiki/Cacerolazo

 

(4) Espécie de Panelaço adaptado, no Cadeiraço, cadeiras são retiradas de dentro das salas de aula e utilizadas para realização de um piquete, impedindo a entrada de alunos e professores.

 

(5) Refere-se à ocupação feita pelos alunos da Sala 22, que na época era o laboratório onde eles realizavam suas atividades, conforme explicitado no início do texto. Com a necessidade de reforma para o curso de Pós Graduação, os equipamentos foram transferidos por período provisório, para a sala 21, na qual permanece até os dias atuais. O laboratório de Análise Documentária, que estava alocado nesta sala, foi transferido para outro prédio recentemente construído.


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THAÍS R. FRANCISCON DE PAULA

Aluna de graduação em Biblioteconomia na Universidade Estadual de Londrina. Bolsista PIBIC/CNPq. Participante do grupo de pesquisa "Interfaces: informação e conhecimento".