LITERATURA INFANTOJUVENIL


O DESEJO DE HOSPEDAR OU TEMPO, CHORO E PRAZER EM QUALQUER IDADE

“Os livros são hóspedes das pessoas...”

José Saramago

 

Quando um leitor se dispõe a refletir a respeito da ideia do escritor José Saramago sobre os livros, precisa deixar fluir a emoção. Precisa “correr o olhar” sobre si mesmo e se sentir hospedeiro. Qual a sensação? Que tipo de hospedagem os livros encontram em mim? Sou um hotel 5 estrelas? Uma casa de campo? Uma simples casa na beira da estrada?

 

É ilusão ou sou um hospedeiro ideal que qualquer livro sonha encontrar? Fui sempre hospedeiro? Tenho preferências por alguns hóspedes? Sou exigente? Tenho paixões maiores ou menores?

 

Pobre leitor! Pare de ler este texto e opte por outra leitura.

 

Se você insiste em continuar comigo é que temos algo em comum. Será que os livros? Será que o desejo de hospedar?

 

Mas afinal o que é ser leitor? O que é leitura?

 

Se você espera respostas acadêmicas, mais uma vez eu insisto, descanse seus olhos ou ligue a TV, lá tem sempre alguém que faz as leituras por você e assim poderá relaxar os seus músculos cansados do dia a dia. Ler exige resistência física muito mais do que imaginamos...

 

Você insiste em continuar comigo. Estou sentindo certa vaidade incontrolável, mas também estou sentido uma curiosidade: você gosta de hospedar?

 

Posso responder por mim. Sou hospedeira e das apaixonadas, mas não fui sempre assim. No começo... não era o verbo que me atraia, era a imagem, pois na infância brincava com livros japoneses que logicamente não li os textos.

 

Porém, fui me apaixonando pela palavra e o verbo nunca mais saiu da minha vida.

 

Hospedei muitos livros, muito menos do que desejei e descobri nesses pernoites, ideias que diária$$$$$ nenhuma poderá pagar.

 

No começo do ano, por exemplo, entrei no facebook do Oswaldo, o Francisco de Almeida Júnior. Lá a Isabel Aguiar havia postado uma mensagem dizendo que leu o livro “A Contadora de Filmes” de Hernán Rivera Letelier e chorou.

 

Ia encomendar esse livro na livraria da UEL, mas não deu tempo, pois a Isabel e outras amigas me mandaram de presente. Elas disseram que era presente de aniversário atrasado, mas não há atraso - sempre é tempo de dar e receber livros de presente.

 

Que surpresa! Apesar do meu tempo escasso, li aquele livrão de 106 meias páginas (digo meias, porque não há um padrão do número de linhas em cada página. Tem algumas com 4 linhas e outras com 26).

 

50% dessas páginas li sentada na sala de espera de um hospital, quando acompanhava meu pai. As outras eu acabei de ler agora, pois estou outra vez a espera de atendimento em outro hospital, acompanhando meu pai. Agora estou com tempo de escrever, pois apesar do convênio médico a espera é longa e desanimadora. Não estou reclamando, pois sei que é meu tempo de cuidar dos meus pais.

 

Pois foi nessa leitura que hospedei alguns personagens, todos com nomes começando com a letra M (Mariano, Mirto, Manuel, Marcelino e Maria Margarita), personagens do livro “A Contadora de Filmes”. Nem preciso dizer que estes hóspedes ainda não se foram... Não sei se é doença, mas mesmo quando acabo de ler um livro do nível da “A Contadora de Filmes”, eu demoro um tempão para me desligar dos personagens.

 

A mãe e o pai dessa meninada são personagens complexos, ela não resistindo à vida miserável vai se embora, e ele fascinado por filmes, após um acidente, impossibilitado de ir ao cinema, faz um concurso entre os filhos para conferir quem conseguia narrar com maior exatidão um filme.

 

Ele dá a cada filho a oportunidade de ir ao cinema e na volta contar o enredo da película. Maria Margarita, filha caçula, pela riqueza de detalhes e a capacidade de fascinar o público, vence o concurso e passa a cumprir essa função. Inicialmente, apenas, no meio familiar, mas rapidamente sua fama de contadora de filmes se espalha e eles acabam montando um “auditório” na sala de casa, cobrando dos vizinhos “ingresso” para as fantásticas narrativas da menina.

 

Relatando assim, o leitor pode achar que tudo são flores e fantasia...

 

Maria Margarita, com a morte do pai, assume as rédeas da casa, é violentada, explorada sexualmente para alimentar a família. Tem amores e dissabores, reencontra a mãe, vê seus irmãos morrerem em busca de sonhos.

 

Isabel, eu também chorei! Chorei e não consigo descrever essa personagem, então copiei e colei um comentário de um blog português chamado “Ao Sabor dos livros”

 

 

É uma história terna, quase telegráfica, a que não falta uma só palavra… E conta-se uma vida como se conta um sonho ou um filme. Só que esta vida é cheia de tristezas, de dores e de saudades. Mas isso torna-a a ela (e ao livro) mais real e mais credível e, talvez, mais bela…É na simplicidade da história que radica esta sua beleza. Por isso, enquanto a li fui pensando no fascínio que o ser humano sente pelas histórias e pela necessidade de escapar – mediante a imaginação – aos problemas da vida rotineira, através das palavras, contando contos. E penso que esta é a base da história deste livro. Uma história simples, terna (como já disse) e perfeitamente contada com as palavras certas, que nos faz reviver a magia dos cinemas e dos filmes de outros tempos. Que nos faz sentir o calor humano que se cria contando histórias, realçando o poder infinito e a magia universal do cinema e das suas histórias.

 

 

Em tempo 1:

 

Outro dia li uma reportagem que abordava em depressão maior. Nem sabia que existia essa expressão, para mim era depressão e pronto. Quando li isso eu voltei novamente a Maria Margarita e posso dizer que não senti depressão maior nem menor, mas um triste desejo de aninhar aquela menina. Queria ser aquela mãe que a abandonou na infância e que retornava agora para pedir perdão e dizer da grande admiração por ela.

 

Chorei e me lembrei de Antonio Candido:

 

Numa palestra feita há mais de quinze anos em reunião da Sociedade Brasileira para o Progresso da Ciência sobre o papel da literatura na formação do homem, chamei a atenção entre outras coisas para os aspectos paradoxais desse papel, na medida em que os educadores ao mesmo tempo preconizam e temem o efeito dos textos literários. De fato (dizia eu), há “conflito entre a idéia convencional de uma literatura que eleva e edifica (segundo padrões oficiais) e a sua poderosa força indiscriminada de iniciação na vida, com uma variada complexidade nem sempre desejada pelos educadores. Ela não corrompe nem edifica, portanto; mas trazendo livremente em si o que chamamos o bem e o que chamamos o mal, humaniza em sentido profundo, porque faz viver” (1972, p. 1995).

 

Antonio Candido sempre defendeu que uma das funções da literatura é ser humanizadora, hoje me sinto menos desumana.

 

Você deve ter percebido que usei durante o tempo todo, a palavra tempo, evidentemente que foi de propósito. Com isso quis evidenciar que lemos tudo e o tempo todo, mas o bom mesmo é sempre ter tempo para ler literatura. Ler sozinha, ler coletivamente, ler em todos os espaços, ler pra nossa gente.

 

Em tempo 2: Acabo de saber que o cineasta brasileiro Walter Salles irá filmar “A Contadora de Filmes”. Esse eu não perco!

 

Sugestões de Leitura

 

CANDIDO, Antonio. Vários escritos. São Paulo: Duas Cidades, 1995.

 

A CONTADORA DE FILMES. Disponível em: <http://aosabordoslivros.blogs.sapo.pt/30532.html>. Acesso em: 10 dez. 2012.

 

LETELIER, Hernán Rivera. A contadora de filmes. São Paulo: Cosac Naify, 2012.


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SUELI BORTOLIN

Doutora e Mestre em Ciência da Informação pela UNESP/ Marília. Professora do Departamento de Ciências da Informação do CECA/UEL - Ex-Presidente e Ex-Secretária da ONG Mundoquelê.