ARTIGOS E TEXTOS


CENTROS DE DOCUMENTAÇÃO POPULAR

Os Centros de Documentação Popular estão se proliferando por todo o país, voltados basicamente para as periferias dos grandes centros urbanos. Seus objetivos, aqui apresentados rapidamente, estão direcionados, em geral, para os seguintes pontos:

- recolher, documentando e armazenando, as produções culturais da comunidade com a qual tem contato, sejam elas as chamadas produções artísticas individualizadas ou os hábitos, costumes, linguagem e, principalmente, seus relacionamentos sociais. Quer nos parecer que a exteriorização estética dessas comunidades – calcada em seu próprio imaginário e a partir dos significados com os quais entende e interage com a realidade – não pode e não deve ser considerada inferior, pelo simples fato de ser produto de um grupo não letrado, nem mesmo por não representar produções apenas simbólicas, já que a "cultura popular implica modos de viver". Atualmente, a maioria dos Centros está recolhendo, prioritariamente, as experiências de movimentos organizados da comunidade, principalmente de caráter reivindicatório.

- produção de informações consideradas como emergenciais, dentro de uma linguagem compatível com a da comunidade, numa verdadeira tradução da linguagem padrão, da norma culta, procurando capacitar a população para o conhecimento dos seus direitos, normalmente incompreensíveis pois escondidos atrás de um jargão técnico. Tais produções se utilizam dos quadrinhos, de textos recheados com muitas figuras, historietas etc. Enfocam problemas trabalhistas, saneamento básico, moradia, saúde, educação etc.

- propiciar espaços e incentivar a organização da população para debates, discussões e defesa de seus interesses. Importante frisar que alguns Centros exigem, até mesmo de funcionários contratados, uma militância efetiva junto à comunidade.

Outros objetivos, em especial os políticos, poderiam ser aqui abordados, mas são óbvios demais para merecerem descrições mais detalhadas.

A criação dos Centros de Documentação Popular, parece-nos, foi motivada pela necessidade de uma reação da população, frente aos mecanismos de poder das classes dominantes. A informação, por exemplo, é fator de poder e está, hoje, sendo usada como forma de opressão, reproduzindo um sistema que procura a sustentação daqueles que já detêm as rédeas do poder. Por outro lado, essa mesma informação, dialeticamente, também contribui para alterações na situação vigente, passando a ser arma das classes populares que dela se utilizam, quando decodificada e assimilada dentro da linguagem da comunidade, como suporte de suas reivindicações.

Os trabalhos, assim, estão voltados para a necessidade de documentar as experiências e a cultura das classes populares (embora isto seja redundante), bem como alimentá-las com as informações que servirão de suporte dos movimentos organizados surgidos dentro delas.

Alguns pressupostos são básicos:

- a resistência também pode e deve ter um mínimo de organização. Se a história é contada a partir do ponto de vista do vencedor, nada mais correto do que possibilitar às classes populares condições de construir uma memória documental, tendo como base seus interesses, necessidades, anseios e relacionamentos sociais. A memória assim preservada, torna-se mais um instrumental de defesa e resistência. Estamos aqui, dentro de uma cultura popular que, para melhor se preservar, utiliza de meios normalmente empregados pela cultura letrada e pela cultura de massa.

- a linguagem culta, a norma padrão, determinada e manipulada pelas classes dominantes como forma de opressão, como instrumento que permite hegemonizar as instituições por elas criadas, permitindo, inclusive, que seus valores sejam entendidos e acatados, com base num tecnicismo, como naturais e verdadeiros, tal linguagem deve ser entendida e compreendida para que a população possa exercer seus direitos com base nos próprios mecanismos utilizados para oprimi-la.

- muitos Centros exigem, como já foi dito anteriormente, que seus funcionários e/ou voluntários, tenham um trabalho constante junto à população para a qual o Centro está mobilizado. Não aceitam nem incentivam posturas que procuram determinar as necessidades daquela comunidade a partir de pontos de vistas e de análises externos. A exigência de um trabalho integrado permite, dentro da concepção desses Centros, eliminar ou, pelo menos, minimizar, as ingerências de grupos não vinculados àquela comunidade que tendem a priorizar ações divorciadas do interesse imediato daquele grupo.

As especificidades de cada grupo não impedem que exista contato, embora não necessariamente formalizados e periódicos, entre os vários Centros. A cultura popular possui, obviamente, pontos comuns, dentro dos vários grupos, que devem servir como parâmetros para análises e estudos advindos, principalmente, do próprio interior da comunidade.

O surgimento de vários Centros de Documentação Popular, não só no Brasil, mas em praticamente todos os países latino-americanos, talvez possa ser entendido como uma reação das camadas populares, culturalmente – já que suas atividades não estão resumidas a reivindicações apenas econômicas –,  ao que Barbero chama de transnacionalização. Na medida em que, além do econômico, a internacionalização de um modelo político concretiza-se com grande força nesses países, uma reação mais global, embora ainda não coordenada e sistematizada, se faz presente, na tentativa de uma defesa mais organizada.

(Palestra proferida em 1989)

(Publicado originalmente em: ALMEIDA JUNIOR, Oswaldo Francisco de. Sociedade e Biblioteconomia. São Paulo: Polis, 1997)

 

Autor: Oswaldo Francisco de Almeida Junior

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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.