ITAMAR VIEIRA JUNIOR
Não recordo muito bem quando comecei a escrever; porém, no campo da memória, a resposta que prevalece é de que foi quase ao mesmo tempo que comecei a ler. A palavra viva passou a exercer sobre mim um fascínio quase místico, a mesma atração que conheci observando os astros ou a vida dos animais. Na tentativa de decodificá-la, percebi que se abriam janelas para outras dimensões além daquela que eu vivia. As palavras eram capazes de encurtar distâncias, nomear objetos e lugares que com certeza nunca conhecerei pessoalmente, além de servir de fôlego vital às personagens que passariam a fazer parte do meu mundo.
[...] Revelou-se como uma necessidade vital, orgânica, de não mais me separar de livros, revistas, de qualquer coisa que contivesse palavras. Poderiam ser as bulas de remédio ou as folhas de jornal úmidas que embrulhavam os ramos verdes de coentro ou mesmo as mensagens escritas nos muros do bairro.
E a palavra não deve ser apenas o que diz, mas o que enuncia em todos os fragmentos que a compõem. A palavra captura em si um sentimento, uma história, a origem de tudo e de todos, a origem de um ser sobre o mundo. Nela está contida a vida das coisas e dos seres. Não se trata apenas de adornos que os embelezam; também se prestam ao engano ou ao deslumbramento de quem as encontra. As palavras são elos entre a nossa consciência e o entorno, e é assim que codificam e decodificam o mundo à nossa volta, tornando possível vivê-lo na leitura e na escrita. (p.25-26).
Escritor, geólogo, doutor em Estudos Étnicos e Africanos.