O BIBLIOTECÁRIO E A ÉTICA NA ATIVIDADE CATALOGRÁFICA
A catalogação bibliográfica é identificada como base da biblioteconomia. Os bibliotecários que a exercem caracterizam-se como profissionais com habilidades especiais que os diferenciam no âmbito da profissão, pelas suas responsabilidades éticas únicas.
Eles podem tanto ajudar ou dificultar intencionalmente o acesso à informação. Neste aspecto, tem sido pouco discutido as questões éticas envolvidas no exercício da catalogação.
Entretanto, sobre o tema, foi publicado um Código de Ética para catalogadores, elaborado pelo Cataloging Ethics Steering Committee. Esse comitê é composto por representantes da CaMMS; do Metadata and Discovery Group (MDG) (anterior Cataloging and Indexing Group (CIG)) do Chartered Institute of Library and Information Professionals (CILIP); e do Cataloging and Metadata Standards Committee (CMSC) da Canadian Federation of Library Associations-Fédération canadienne des associations de bibliothèque in Canada.
O código resulta do esforço, interesse e da necessidade de orientação sobre a ética na catalogação, expressada em eventos promovidos pela Cataloging and Metadata Management Section (CaMMS) Forums at American Library Association (ALA), desde 2016.
Neste sentido, a CaMMS estabeleceu o Cataloging Ethics Steering Committee para elaborar um documento sobre a ética catalográfica, que incorporasse as experiências coletivas e a sabedoria da comunidade de catalogação.
O texto organiza-se nas declarações éticas baseadas em princípios e valores identificados pelo Committee e os grupos de trabalho estabelecidos. Com orientação e exemplos de melhores práticas compartilháveis pela comunidade de catalogação.
Os estudos para o código tiveram início em fevereiro de 2019, com o primeiro rascunho divulgado em junho de 2020 e o segundo em agosto de 2020. A versão final foi concluída em janeiro de 2021.
O documento define o termo ética da catalogação como um conjunto de princípios e valores que fornecem uma estrutura para a tomada de decisão por todos aqueles que trabalham na atividade catalográfica ou de metadados.
Enquanto subconjunto essencial da biblioteconomia, a catalogação, agora é compreendida e exercida como catalogação crítica. Ela se concentra em entender e mudar a maneira como as organizações de informação e conhecimento codificam os sistemas de controle informacional. O termo catalogador é usado para se referir ao profissional envolvido no trabalho de catalogação.
Sobre o escopo do código de ética da catalogação
Destaca-se que os catalogadores possuem uma influência significativa sobre como os recursos de informação são representados, por meio das escolhas que realizam.
Neste aspecto, o documento fornece abordagem ao trabalho catalográfico. É uma ferramenta útil aos profissionais, empregadores, desenvolvedores de padrões, fornecedores, estudantes e educadores, em relação às situações éticas.
A própria criação de metadados é um processo contínuo que envolve trabalho abrangente, colaborativo e em constante mudança. A tensão entre a mudança e o “status quo” gera oportunidades de confrontar questões éticas dentro da comunidade de prática.
Os padrões e práticas catalográficas são na atualidade e, historicamente, caracterizados pela aplicação de procedimentos e terminologia eivada pelo racismo, colonialismo, preconceito e opressão.
Considera-se, no contexto do código, que nem a catalogação ou os catalogadores são neutros. Endossa-se a catalogação crítica como uma abordagem ao nosso trabalho compartilhado com o objetivo de tornar os metadados dos recursos informacionais, mais inclusivos e acessíveis.
Para promover mudanças sistêmicas, os catalogadores precisam do apoio institucional. Entende-se que cada local ou ambiente de trabalho é diferente e que as respostas a situações éticas devem ser enquadradas nesses contextos locais e culturais.
Também é reconhecida as barreiras sistêmicas à inclusão e que, embora as práticas individuais sejam essenciais, elas não são suficientes. As declarações éticas listadas no documento (na parte 2) destinam-se a informar a prática profissional e fornecer orientação ética.
As declarações são baseadas em princípios e valores fundamentais para o trabalho de catalogação, identificados pelo Cataloging Ethics Steering Committee:
- Acesso a recursos e Metadados,
- Reconhecer o preconceito,
- Advocacy,
- Colaboração,
- Aplicação crítica de padrões,
- Diversidade, equidade e inclusão,
- Educação e treinamento,
- Respeito pela privacidade e preferências do agente,
- Responsabilidade e transparência,
- Compreender e atender às necessidades do usuário.
É salientado que um documento em separado, deverá ainda ser divulgado. Ele irá conter estudos de caso, para melhor ilustrar as indicações e demonstrar como os bibliotecários negociam ou poderiam negociar as questões éticas enfrentadas. Ressalte-se que código carece de contextualização de casos e situações para melhor detalhamento de seus princípios.
Sobre a parte 2 do Código
Lista-se as indicações dos princípios éticos que orientam e aprimoram a atividade catalográfica, a saber:
- Catalogar recursos de nossas coleções pensando no usuário final para facilitar o acesso e promover a descoberta.
- Comprometer-se a descrever os recursos sem discriminação, com respeito a privacidade e as preferências dos agentes associados.
- Reconhecer que trazemos juízos de valor preconcebido para o ambiente de trabalho; por isso, o esforço em superar preconceitos pessoais, institucionais e sociais no trabalho.
- Reconhecer que a interoperabilidade e a aplicação consistente de padrões ajudam os usuários a encontrar e acessar recursos. No entanto, todos os padrões são tendenciosos; abordá-los criticamente e advogar para tornar a catalogação mais inclusiva.
- Apoiar os esforços para tornar os padrões e ferramentas financeiramente, intelectualmente e tecnologicamente acessíveis a todos os catalogadores e desenvolvidos na pesquisa baseada em evidências e nas contribuições das partes interessadas.
- Assumir a responsabilidade por nossas decisões catalográficas e defender a transparência das nossas práticas e políticas institucionais.
- Colaborar amplamente no apoio a criação, distribuição, manutenção e enriquecimento de metadados nos vários ambientes e jurisdições.
- Insistir na diversidade, equidade e inclusão no local de trabalho. Promover a educação, o treinamento, a remuneração equitativa e um ambiente de trabalho justo para todos que catalogam, de forma a poderem continuar apoiando a pesquisa e a descoberta.
- Defender o valor do trabalho catalográfico dentro das organizações e junto aos parceiros e/ou colaboradores externos.
- Trabalhar com as comunidades de usuários para entender suas necessidades e fornecer serviços relevantes e oportunos.
Em termos de catalogação brasileira, não dispomos de um documento orientado para a área. O mais próximo é, certamente, o Código de Ética e Deontologia do Bibliotecário brasileiro, que fixa as normas orientadoras de conduta para o exercício das atividades profissionais. Em realidade, ele representa o estatuto de autonomia da profissão bibliotecária. Baseia-se no consentimento de quem a exerce, os princípios a serem seguidos de forma independente e responsável em suas atividades profissionais.
O documento é atualizado pela Resolução CFB n.º 207/2018. Entretanto, não há no documento, instrução específica ou relacionada ao exercício de uma catalogação crítica em defesa e inclusão do usuário.
Se a catalogação temática apresenta estudos sobre terminologias excludentes em vocabulários, a catalogação descritiva e de autoridade apresentam dificuldades para a melhor compreensão dos registros, pelo público. Exemplos pode ser o tratamento adotado para a questão de gênero, uso de abreviações, expressões latinas, falta de uniformidade ou omissão em pontos de acesso.
No entanto, iniciativa como a do código de ética para catalogador pode estimular reflexão sobre uma catalogação brasileira mais crítica e inclusiva.