NÃO ESTÁ NO GIBI


OS SUPER-HERÓIS DOS QUADRINHOS E OS PROFISSIONAIS DA INFORMAÇÃO: UMA RELAÇÃO A SER EXPLORADA

Ainda que, como visto anteriormente, as histórias em quadrinhos tenham, em sua origem, se direcionado principalmente para textos de conteúdo humorístico, elas acabaram, com o passar dos anos, a englobar também vários outros gêneros, bem como temáticas as mais diversas. Dependendo do interesse tanto de editores como de leitores, aos poucos despontaram, no mercado de quadrinhos, histórias envolvendo protagonistas infantis e seu relacionamento com outras personagens de sua idade ou com adultos que lhes eram próximos; questões familiares dos mais variados tipos, desde o relacionamento marido e mulher ao cuidado com os filhos e convívio com os vizinhos e outros familiares (a relação sogra/genro ou nora parece ter sido particularmente interessante aos autores de quadrinhos como tema a ser explorado em suas piadas...); problemáticas enfrentadas por jovens mulheres no final da adolescência ou no início de sua vida adulta, normalmente com fortes toques de romantismo e de idealismo no contato com o sexo oposto (que, com o tempo, evoluíram em sua forma de tratamento), e temáticas aventureiras dos mais variados tipos, desde a intriga policial à ficção científica, para não falar dos quadrinhos de horror, religiosos, históricos, em ambientes exóticos, de guerra, de faroeste, derivados de obras literárias consagradas, e assim por diante. De uma forma ou de outra, pode-se até dizer que já foram produzidos quadrinhos de todos os gêneros imagináveis, numa variedade que faria cansativa sua simples discriminação. O que apenas torna ainda mais evidente o potencial de representação dessa linguagem gráfica.

Sem dúvida, todos os gêneros acima mencionados são muito importantes para o desenvolvimento das histórias em quadrinhos. Mais em determinadas épocas do que em outras, mais em algumas regiões do mundo do que em outras, cada um deles colaborou para que a linguagem quadrinhística e sua penetração no imaginário coletivo de praticamente todo o espaço humano civilizado do século 20 se ampliassem da forma como aconteceu, fazendo com que os quadrinhos estejam hoje intrinsecamente ligados a esse período. No entanto, sem querer absolutamente depreciá-los, pode-se dizer que a produção de todos esses gêneros juntos, apesar de sua importância para a popularização desse meio de comunicação de massa nas diversas partes do globo, não chegou a representar, em momento algum, uma contribuição realmente original dos quadrinhos para a sociedade, enquanto meio criativo.

Na realidade, todos esses gêneros tiveram sua origem em outras fontes de criação artística, representação literária ou mesmo narrativa oral e não nas histórias em quadrinhos propriamente ditas: eles foram apenas apropriados e desenvolvidos por elas, em muitos casos com muito mais propriedade do que qualquer outro meio de comunicação ou literatura conseguiu fazer. As histórias de aventura, por exemplo, têm uma longa trajetória na tradição oral, evoluindo das lendas mitológicas para os romances de folhetim e, posteriormente, para os quadrinhos, nos quais brilharam figuras como Flash Gordon, Príncipe Valente, Dick Tracy e Steve Canyon, entre outras. E praticamente o mesmo se poderia dizer a respeito dos outros gêneros mencionados, todos chegando aos quadrinhos a partir de diferentes formas de narrativa popular ou erudita. Desta forma, mais do que todos eles, pode-se dizer que o gênero que realmente representou as histórias em quadrinhos no imaginário popular, tornando-se mesmo sua marca registrada e a forma com a qual são mais rapidamente identificadas no mundo inteiro, é o dos super-heróis. Com muita probabilidade, nesse ambiente surgiu a mais original e criativa contribuição das histórias em quadrinhos para a narrativa contemporânea, desde o aparecimento dos quadrinhos como meio de comunicação de massa e de sua constituição como uma linguagem narrativa específica.

Isto não é novidade para muitos profissionais da informação. Muitos deles, principalmente aqueles atuando em espaços voltados para o público não especializado - como as bibliotecas públicas e escolares -, têm que lidar no dia-a-dia de suas atividades com esse universo, atendendo às solicitações de uma extensa gama de leitores, alguns deles jovens ansiosos pelas mais recentes produções do gênero, por histórias com heróis ou vilões específicos e por sagas que envolveram ou envolverão grupos de heróis produzidos por editoras diferentes, enquanto outros se colocam na vertente oposta, ou seja, são muitas vezes senhores (ou senhoras) de idade, saudosos das histórias que leram durante sua adolescência e buscando talvez encontrar, na re-leitura dessas histórias, um pouco da inocência e idealismo perdidos com as responsabilidades assumidas na idade adulta. Trata-se de um espaço fascinante, repleto de minúcias que passam despercebidas aos não envolvidos com essa temática, sobre as quais os bibliotecários necessitam ter algum conhecimento, se desejam realizar um bom trabalho de fornecimento da informação. A começar pela constatação - ou conscientização? -, de que os super-heróis dos quadrinhos não são absolutamente um grupo uniforme de homenzarrões espalhafatosos que parece ter um prazer especial em surrar outras pessoas e colocar a cueca sobre as calças, ao invés de utilizá-la como todas as pessoas normais...

Pode-se dizer que existem super-heróis para todos os gêneros e gostos, com os mais diversos e pitorescos poderes, com as mais variadas características e motivações, desde àqueles com capacidades suficientes para destruir (e reconstituir) o mundo àqueles que simplesmente utilizam sua força física e dotes atléticos especialmente desenvolvidos para o combate a criminosos comuns. Na realidade, a odisséia dos super-heróis nas histórias em quadrinhos representa um capítulo bastante peculiar da história desse meio de comunicação de massa, significando mesmo um ponto de chegada e partida para ele. Mais do que isso, até: sem medo de exageros, pode-se dizer que a história dos quadrinhos divide-se em dois grandes momentos, antes e depois do aparecimento dos super-heróis, tamanha a sua influência no meio. Muitas vezes caracterizados por influências econômicas, políticas e ideológicas dos mais variados tipos, tendo já sido objeto de vários estudos, que buscaram abordá-los sob os mais diferentes aspectos, eles ainda desafiam os estudiosos por suas diversas facetas, às vezes contraditórias, ao mesmo tempo em que continuam fascinando leitores de todas as idades.

Considerando tudo isso, a busca de uma abordagem que dê conta de todas as características dos quadrinhos de super-heróis constitui, em si mesma, uma tarefa que também parece exigir dons extraordinários devido à extensão e diversidade desse universo (quase se poderia dizer superheroísticos, também, mas isso já seria exagero...). Qualquer discussão a respeito dele deverá necessariamente enfocar os principais momentos por que passou para seu desenvolvimento, evoluindo de um ambiente marcado pela simplicidade e ingenuidade a um bem mais complexo, no qual temas e motivações se chocam ou se encontram em permanente tensão; deverá também se debruçar sobre os mais importantes representantes do gênero, traçando o seu desenvolvimento de uma forma que permita a caracterização de cada super-herói dentro de parâmetros específicos e possibilitando ao profissional da informação fazer sua relação com públicos/faixas de idade específicos. Tudo isso representa algo que dificilmente poderia ser feito em poucas palavras, sob pena de perder-se em generalidades e trazer pouco esclarecimento àqueles profissionais interessados em conhecer mais a fundo esse ambiente de produção narrativa e, desta maneira, propiciar um melhor serviço a seus usuários.

Muito existe a ser dito sobre os super-heróis dos quadrinhos sob o ponto de vista dos profissionais da informação. Pode-se falar, por exemplo, do potencial informacional dos quadrinhos de super-heróis, que muitas vezes passa despercebido aos leitores (a maioria dos poderes dos super-heróis tem algum tipo de relação com as leis de física, por exemplo...); pode-se trabalhar os benefícios que a leitura desse gênero de quadrinhos pode trazer ao ambiente das bibliotecas; pode-se trabalhar a relação desses quadrinhos com áreas específicas do currículo escolar, e assim por diante. Tudo isso seria possível e certamente poderá ser desenvolvido no futuro. Neste primeiro momento, no entanto, parece mais importante familiarizar os profissionais da informação com o universo dos super-heróis dos quadrinhos, prendendo-se a abordagem ao seu desenvolvimento histórico, buscando marcar as diferentes etapas pelas quais ele passou e tentando, ao final, vislumbrar as principais tendências para seu desenvolvimento futuro. Será este o objetivo das próximas colunas.


   482 Leituras


Saiba Mais





Sem Próximos Ítens

Sem Ítens Anteriores



author image
WALDOMIRO VERGUEIRO

Mestre, Doutor e Livre-Docente pela (ECA-USP), Pós-doutoramento na Loughborough University, Inglaterra. Prof. Associado e Chefe do Depto. de Biblioteconomia e Documentação da ECA-USP. Coordenador do Núcleo de Pesquisas de Histórias em Quadrinhos da ECA-USP. Autor de vários livros na área.