A EXPLOSÃO DOS SUPER-HERÓIS NA DÉCADA DE 40. PARTE III: CAPITÃO MARVEL
De todos os super-heróis criados a partir da
inspiração trazida pelo Super-Homem, um deles merece ser destacado tanto
pela qualidade/originalidade de sua proposta criativa como pela imensa
repercussão que teve entre os leitores desde o seu início. Lançado em fevereiro
de 1940 na revista Whiz Comics, publicada pela Fawcett Publishing
Company, uma empresa que tinha começado modestamente suas atividades com uma
revista de anedotas e histórias voltadas para o americano médio - a Captain
Billy´s Whiz Bang -, o Capitão Marvel representou a primeira aposta
da editora naquela ainda recente forma de entretenimento. E em pouco tempo ela
descobriu que havia apostado no cavalo vencedor.
Al Allard e Ralph Daigh, respectivamente diretores de arte e editorial da Fawcett, devem ter raciocinado da seguinte forma: se o público leitor de revistas de histórias em quadrinhos de super-heróis é maciçamente composto por jovens adolescentes, nada poderá agradar-lhe mais que ler as aventuras de um jovem adolescente que pode se transformar em um super-herói de grandes poderes. Acreditando nisso, eles passaram a incumbência de transformar essa idéia em realidade à dupla criativa composta por Bill Parker (escritor) e Charles Clarence Beck (desenhista), que rapidamente deram voz e imagem ao novo super-herói, personificando-o em um garoto de 12 anos e poucos recursos materiais, que, ao pronunciar o nome de um velho mago (Shazam!), transformava-se no "mortal mais poderoso da Terra". A justificativa dos poderes do herói estava na raiz da própria palavra, um acróstico formado pelos nomes de vários seres lendários e históricos:
S - a sabedoria de Salomão;
H - a força de Hércules;
A - o vigor de Atlas;
Z - o poder de Zeus;
A - a coragem de Aquiles;
M - a velocidade de Mercúrio
Bingo! Não era a fórmula da pólvora, mas era
quase...
Para sorte da Fawcett (e dos amantes de quadrinhos),
a premissa em que foi baseado o personagem mostrou-se acertada, pois o seu herói
atingiu diretamente o inconsciente coletivo do leitor de quadrinhos dos Estados
Unidos, em pouco tempo atingindo verdadeiros picos de venda e se transformando
no maior sucesso comercial dos quadrinhos da década de 40.
A trajetória do novo super-herói foi impressionante
e curiosa: debutando em fevereiro de 1940, na revista Whiz Comics, na
qual dividia espaço com outros heróis, ele teve seu título próprio, The
Adventures of Captain Marvel, lançado logo no ano seguinte, atingindo a
mesma receptividade de público. Sua aceitação foi tamanha, que rapidamente a
editora sentiu a necessidade de ampliar seu espectro de atuação, o que deu
origem a uma vasta e criativa família de personagens, a chamada Família
Marvel. Assim, ao longo dos anos, novos heróis se reuniram a ele,
destacando-se Mary Marvel (irmã de criação de Billy Batson),
Capitão Marvel Jr. (um deficiente físico, admirador do herói), Uncle
Marvel (guardião de Billy, posteriormente transformado em tio
verdadeiro), os Tenentes Marvel (3 jovens que também se chamavam Billy
Batson), Hoppy, o coelho Marvel (habitante de um planeta de animais),
etc.
O sucesso nos quadrinhos também fez com que o
super-herói, moldado à imagem do ator Fred MacMurray, fosse levado a outros
meios de comunicação. O Capitão Marvel foi o primeiro super-herói dos
quadrinhos a estrelar nos cinemas, em um seriado de 12 episódios da Republic,
The Adventures of Captain Marvel, com Tom Tyler no papel do alter ego de
Billy Batson. Além deste seriado, o herói também protagonizou uma série
televisiva em 28 episódios durante a década de 1970, com Jackson Bostwick e
posteriormente John Davey atuando no papel principal, e participou de uma série
de 13 episódios em desenhos animados estrelada pela Família Marvel, que
foi ao ar nas TVs norte-americanas durante o ano de 1981.
Um adulto com a alma de um menino. Foi este talvez o
maior motivo para o grande sucesso do Capitão Marvel. De fato, o enfoque
utilizado por Parker e Beck para o herói o distingue bastante dos demais de seu
tempo: mesmo após sua transformação em herói, Billy Batson continua
apresentando reações perfeitamente normais para um adolescente de sua época.
Assim, era muito comum ver, ao fim de muitas histórias, aquele homenzarrão
musculoso corar envergonhado ou voar atabalhoadamente para algum lugar afastado
ao receber o reconhecimento das belas mulheres que havia salvado de algum
perigo, normalmente expresso na forma de beijos agradecidos.
Além disso, a própria forma como o jovem se
transformava no herói já representava um atrativo a mais para os leitores,
levando suas imaginações a viajar bem longe: em algum momento, praticamente
todos os leitores do Capitão Marvel se aventuravam a pronunciar em voz
alta a palavra mágica, esperando que também com eles ocorresse o mágico milagre
da transformação. Ele jamais ocorria, é claro, mas isso não tirava a emoção da
tentativa...
E uma terceira razão para a popularidade do
personagem da Fawcett talvez seja a interessante galeria de oponentes e
coadjuvantes que seus autores desenvolveram para ele ao longo dos anos. Entre os
primeiros destacam-se o Dr. Sivana (no Brasil, Dr. Silvana), o
tradicional gênio do mal que busca dominar o mundo; Adão Negro, uma
versão maléfica do Capitão Marvel e o Sr. Cérebro, uma minhoca
alienígena que era o chefe de um sindicato de vilões; dos coadjuvantes, o mais
interessante certamente é o Sr. Malhado, um tigre falante que se cansa da
selva e foge em um bote para a América, para descobrir como era a civilização.
O sucesso comercial do Grande Queijo Vermelho
(Big Red Cheese), como continua a ser carinhosamente chamado pelos
leitores, fez com que a editora Fawcett se transformasse no alvo de agressiva
ação judicial por parte dos editores do Homem de Aço. No entanto,
contrariamente ao que acontecera em relação a outras empresas que havia acusado
de plagiar seu maior herói, a Detective Comics, Inc. teve um pouco mais de
trabalho para tirar a Família Marvel de circulação, levando vários anos
para atingir seu intento. Ela finalmente alcançou esse objetivo em 1953, quando
a Fawcett, cansada da pendenga e desanimada com a queda de vendas de suas
revistas, encerrou a publicação das aventuras desse grupo de personagens,
abandonando posteriormente a publicação de histórias de
super-heróis.
A descontinuidade de seus títulos por sua editora
original não representou, felizmente, o total desaparecimento do Capitão
Marvel. A editora Fawcett vendeu seus personagens do gênero de super-heróis
para a DC Comics em 1972, que se dispôs a revive-los em suas próprias revistas.
No entanto, ele jamais voltou a atingir o mesmo nível de qualidade que tinha
quando publicado pela editora original, mantendo-se apenas como um personagem de
segunda linha e ou participante de agrupamentos de heróis como a Liga ou
a Sociedade da Justiça. Ainda assim, isso não impediu que, no correr dos
anos, obras e autores importantes dos quadrinhos contemporâneos lhe dessem um
merecido destaque, como aconteceu na minissérie O Reino do Amanhã
(Kingdom Come) e nas graphic novels de Jerry Ordway (The Power
of Shazam), e de Alex Ross/Paul Dini (Shazam: O Poder da
Esperança).
No Brasil, o Capitão Marvel foi
tradicionalmente muito bem sucedido em vendas. As histórias originais da Editora
Fawcett foram publicadas pela Editora Rio Gráfica, do Rio de Janeiro, de meados
da década de 1940 ao final da de 1960, nas revistas Gibi Mensal e depois
em Capitão Marvel Magazine, vários anos após a Fawcett ter concordado em
não publicar mais o personagem (parece que os editores brasileiros não sabiam ou
simplesmente não se importavam muito com isso...). Posteriormente, na década de
1970, a Editora EBAL passou a publicar o personagem na revista
Super-Heróis, em virtude de ter aqui os direitos de publicação do
material da DC Comics, direitos esses que passariam a outras editoras - primeiro
a Abril e depois a Panini -, nas décadas seguintes. Em ambas, o personagem teve
apenas publicações esporádicas ou títulos periódicos sem muita expressividade, à
exceção da minissérie e graphic novels acima mencionadas.
Assim como em seu país natal, tudo indica que a
ressurreição desse personagem ainda está por ocorrer. No entanto, nem por isso a
sua importância no chamado "mundo dos super-heróis" dos quadrinhos chega a ser
menor. Junto com os outros heróis já analisados - Super-Homem,
Batman e Mulher-Maravilha -, ele completa o quarteto mais
expressivo no gênero, destacando-se do restante da enorme variedade de
super-heróis que apareceu durante as décadas de 1940.