PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: O BIBLIOTECÁRIO BRASILEIRO ESTÁ ATIRANDO EM SEU CÓDIGO DE ÉTICA!
Na coluna do mês de abril de 2008 fiz referências a como o Código de Ética Profissional do Bibliotecário brasileiro trata com o termo “dignidade” e seus cognatos a um conjunto de expectativas acerca da maneira com que cada membro da categoria profissional, individualmente, deve comportar-se nas suas ações profissionais. Naquela coluna foi dito que o sentido fundamental de dignidade prescrito no Código considera as pessoas para as quais tal mandamento se aplica como instrumentos da busca de prestígio para uma classe profissional. Sob esse ponto de vista, pode-se afirmar que a linguagem explicitada naquele documento orientador de uma conduta do trabalhador bibliotecário brasileiro está formulada sob uma perspectiva deontológica. Quero dizer assim, que há uma afirmação da presença da categoria profissional na sociedade, como uma manifestação da natureza, isto é, como tendo brotado na sociedade, não decorrente de uma construção dessa sociedade, mas advinda de uma natureza supra-social, quase como uma emanação de divindade. Nesse sentido, é essa categoria, através de seu Código de conduta, que diz o que fará para estar inserida no âmbito da sociedade e, assim, como cada membro da categoria, em seu sacerdócio, deve comportar-se para não ser flagrado no cometimento de falhas, posto que as falhas são resquícios produzidos pelas ações humanas fluindo de suas relações.
Parece-me que é, precisamente, nessa representação de um falar que manda cada profissional bibliotecário submeter-se a uma forma de comportamento específica, com o fim específico de resguardar a dignificação profissional como objetivo superior da atuação do grupo, que as falhas se avolumam. É que, sistematicamente, muitas ações profissionais ao serem realizadas, do modo como o são, denunciam a própria insuficiência do Código para dar aos seus guardiões – as Comissões de Ética dos Conselhos de Biblioteconomia – a condição política (ou seja, poder de fazer), técnica (isto é, sustentação jurídica) e moral (isto é, justificação humana e social) de fazer valer o que o documento prescreve.
Tome-se, para reflexão, um exemplo: historicamente, como parte do desenvolvimento das profissões, cuida-se das estratégias de preparação de novos quadros, visando ao crescimento do contingente de seus membros na sociedade e à substituição dos que se retiram como aposentados, falecidos ou renunciantes
Esse arrazoado, que se constitui historicamente como fundamento do estágio, atualmente em maior volume que em outras épocas, vem sendo desvirtuado por não poucas situações, recorrentes no país inteiro. Ouve-se que há várias instituições em que para cada bibliotecário contratado existem dois, três, quatro ou mais estagiários. Nessa condição, a jornada de trabalho do bibliotecário contratado, que mal lhe permite cumprir suas tarefas rotineiras, proporcionará o tempo para realizar a devida atuação como profissional educador? O que ele faz com a necessidade histórica demandada por sua categoria, como meio para sua dignificação moral e profissional, de colaborar adequadamente com a formação de bons novos profissionais para o grupo?
Associada a essa, vêm muitas outras questões que pretendo explorar nos meses subseqüentes. Mas quero me fixar mais nessa! Se o Código de Ética do bibliotecário brasileiro fosse de cunho utilitarista em vez de ter o foco deontológico, facilmente ficaria visível que esse tipo de prática profissional – que faz do estágio em Biblioteconomia, não estágio efetivamente, mas a sua utilização para a constituição de equipes sub-remuneradas, exploradas, escravas, de trabalhadores sem direitos trabalhistas –, representa um tiro mortal
E é através dessa circunstância atual, isto é, de uma realidade econômica que desvaloriza o trabalhador, que cabe refletir em torno do fato de que muitas ações profissionais hoje realizadas, do jeito como o são, denunciam a própria insuficiência do Código para dar aos seus guardiões – as Comissões de Ética dos Conselhos de Biblioteconomia – a condição política (ou seja poder de fazer), técnica (isto é, sustentação jurídica) e moral (isto é, justificação humana e social) de fazer valer o que o documento prescreve, por que colocam a categoria profissional a mercê de um tal Mercado. Ora, se o tal Mercado impõe essa “realidade” onde fica a busca da dignidade profissional do bibliotecário? Como a categoria bibliotecária brasileira pode justificar que aceita pacificamente, uma afirmada exigência desse Mercado, transformar parte de seus profissionais em feitores de escravos? Como podem os bibliotecários brasileiros se afirmarem como cidadãos livres se não iniciarem e aprofundarem a discussão de estratégias voltadas a fazer prevalecer os valores de uma profissão com força moral para defender a liberdade social, política e moral dos indivíduos, pautada na capacidade de negociação e busca de entendimento compatíveis com um mundo contemporâneo sustentado nos direitos individuais e humanos e no conceito de igualdade?