PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: DA HONESTIDADE DAS PRÁTICAS PROFISSIONAIS

Nos anos recentes, a discussão em torno da boa conduta na sociedade tem evidenciado um sentido de desconfiança, cada vez mais insistente, em torno das práticas sociais de pessoas que portam compromissos profissionais, isto é, cuja atividade que os identifica socialmente representa um papel que os fazem servidores de um determinado público. Quer dizer, das práticas sociais de todo e qualquer indivíduo que está exposto em uma relação de produção de intermediação como os negociantes, os prestadores de serviço de educação, saúde, informação, finanças, etc., os parlamentares, os funcionários públicos, os industriais, cujo destino de sua produção é a população de consumidores.

 

Há uma sintomatologia social que se manifesta superlativamente, sobretudo após a informatização de quase todos os processos produtivos e negociais, a partir dos anos da década iniciada em 1970, que leva a isso. Por tal conjunto de indícios, construídos pelos defensores de uma doutrina pragmática, percebe-se que há uma tentativa de naturalizar o princípio “do levar vantagem”, reforçado por uma educação prática. Esse princípio, ainda não se esgotou como referência de conduta, em particular, em alguns setores. Ao contrário, pelo fato de ter-se acentuado, contaminou a percepção de grande parte da opinião pública a qual começou uma reação, que se dá pela cobrança de ética. Pede-se a ética na política, a ética no exercício profissional, a ética nos negócios, a ética na gestão dos bens públicos.

 

O que parece estar sendo postulado, para além de uma conduta compatível com o compromisso nas relações que se estabelecem entre um profissional e seu público, é a honestidade da atuação, a qual diz respeito direto às suas conseqüências. Os defensores desse discurso desejam contar com profissionais honestos, comerciantes honestos, políticos honestos. Desejam custear bens ou serviços que sejam bons, duradouros, úteis e que correspondam ao que deles diz o seu fornecedor. É a distância, em termos de qualidade ou quantidade, entre o que está prometido para uma população usuária e o que lhe é entregue, que provoca as queixas e reclamações. E muitas vezes, quase sempre na maior parte do tempo, não se tem a quem, seguramente, pedir providências.

 

Sem poder contar com uma instância social, que venha em seu amparo e seja o refúgio contra a desonestidade do fornecedor de um determinado bem ou serviço, e que o obrigue a reparar os danos de uma atividade mal executada, porque aparentemente a maior parte dos grupos profissionais passou a ter atitudes semelhantes, a população passou a fazer uma demanda muito forte, da boa conduta ética de políticos, de profissionais, de governo.

 

Como parte de tudo isso, por estar compondo o contexto de uma sociedade aberta, como estão os bibliotecários brasileiros? Que respostas as entidades que representam esse grupo profissional podem dar ao povo do país sobre as suas atitudes profissionais, sobre a qualidade de suas ações, sobre a pertinência entre o investimento social feito para o credenciamento de bibliotecários e a qualidade dos resultados de seu trabalho para o bem-estar de todos? Esse grupo profissional, coletivamente, e cada um de seus membros, está cumprindo eticamente, isto é, honestamente, a sua missão? Está completamente empenhado no sentido de que haja bibliotecas em todos os municípios, ou melhor, em todos os distritos dos municípios? Está empenhado em que haja bibliotecas em todos os presídios? Está empenhado na defesa e na ação apropriada para que não haja escolas sem bibliotecas? Para que não se eduque o usuário com a cobrança de multa financeira por atraso na devolução dos materiais? Sobre essa última indagação  parece evidente que cada vez em que um bibliotecário implanta e aceita o argumento de que a forma de orientar o usuário em atraso, para evita-lo, é a multa financeira, ele está dando vez a uma prática educacional que vincula caráter a pena material. É uma espécie de pedagogia da expropriação.

 

Poderemos discutir essa postura bibliotecária, essa conduta profissional e a própria honestidade dessa forma de ação, a qual se manifesta como que reforçando o não compromisso dos usuários dos serviços bibliotecários com os demais membros de sua comunidade. É uma pedagogia bibliotecária [de um bibliotecário educador] que adensa o desvio de caráter das pessoas que com eles se relaciona como usuários, pelo qual diz que “agir com honestidade” só deverá ser uma atitude em resposta a um mal maior e que o mal maior estaria associado com a perda de dinheiro. Dentre as tantas formas de mal formar o usuário de bibliotecas no Brasil, a cobrança de multa financeira por atraso na devolução de materiais é uma das mais disseminadas. A pergunta final é: trata-se da forma mais honesta [ou mais ética] de se fazer uma boa prática profissional, sobretudo, num país em que os poderes políticos e econômicos oprimem, em particular, as pessoas menos protegidas socialmente?


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB