ALÉM DAS BIBLIOTECAS


TEATRO NEGRO: LUMINOSIDADE E COLORIDO INVISÍVEIS

Teatro Negro

Teatro e magia, com elementos de mímica e cartoon...
Imagine um palco escuro, habitado por atores “invisíveis” vestidos de preto dos pés à cabeça.

Imagine uma cena simples e lúdica inspirada em algum momento sublime do cotidiano.

Imagine atores vestidos com roupas coloridas, sob uma luz perfeita, contracenando entre eles e com objetos “vivos” e fluorescentes.

Imagine uma música instrumental que mais parece falar.

Imagine uma linguagem pantomímica e universal, que dispensa qualquer palavra.

Está vendo como é?

Não... simplesmente porque é inimaginável.

 

Fonte: http://www.praguehotel.net/portugues/cultura_pt.htm

 

 

Movida pela vontade de novas descobertas, me dispus a assistir a uma peça de teatro negro, na distante Praga. Nenhuma relação com o teatro negro ou teatro do negro do Brasil. Aqui, o termo designa as representações que tratam de temas relacionados com o povo de raça negra ou, também, se aplica às performances de um elenco negro ou àquelas sob encargo de diretores ou produtores negros: seu objetivo macro é a valorização do negro no teatro.

 

No caso da Europa Central, apesar de o formato seguir disseminado mundo afora, o teatro negro constitui uma das manifestações artísticas mais típicas da República Checa. Está por toda parte e somente na capital Praga, há cerca de nove companhias em plena atividade. Desenvolvida pelo ilusionista francês e um dos precursores do cinema, Georges Méliès e por Constantin Stanislavski, ator, diretor e escritor russo (ambos, destaques entre os séculos XIX e XX), a técnica, popularmente conhecida como “caixa preta”, sobrevive por sua originalidade e extrema beleza.

 

E há mais, muito mais... Embora a certeza não exista (tal como se dá com a verdade tão buscada), segundo a sempre polêmica enciclopédia Wikipedia, há indícios de que o teatro negro que hoje se vê na glamourosa noite de Praga, tem remota origem na China. Técnica similar surgiu aí e migrou para o Japão, no longínquo século XVIII, quando se utilizava um boneco teatral, denominado Bunraku.

 

Mais adiante, anos 50 do século passado, o moderno teatro negro ganha projeção com o artista vanguardista francês George Lafaille, a quem encanta se autonomear como “o pai do teatro de luz negra”. Em pleno regime comunista, surge, em Praga, novo formato com linguagem inovadora e cores, mediante o uso da luz ultravioleta, como recurso criativo para expressar ideias e pensamento num contexto adverso à manifestação de opiniões. Neste caso, a escuridão do palco e a falta de palavras são alusões silenciosas e de oposição ao comunismo então vigente. Assim, ao que tudo indica, a primeira companhia teatral, o Teatro Negro de Praga, é de 1961, e se deve ao esforço do diretor artístico Frantisek Kratochvíl e Jiri Smec, que inovam o antigo teatro chinês.

 

No entanto, apesar do fim do regime totalitário na República Checa, ainda em 1989 e de seu avanço como nação, inclusive integrada à União Européia, desde 2004, o teatro negro conserva seu formato original. Até hoje, tudo ocorre num cenário praticamente na escuridão com estratégica iluminação de jogo de luz e sombras, onde lanternas negras e trajes fosforescentes ganham força. No escuro pleno ou entre sombras, os atores atuam sem recorrer à linguagem falada. Graças a engenhosos recursos tecnológicos, que incluem cenografia, mímica / pantomima, música contemporânea e clássica, dança, truques e acrobacias circenses, figuram quase como marionetes humanas.

 

E foi assim que me deleitei com a peça primorosa Visões de Alice, fundamentada na tradicional historinha infantil, que tem resistido não só ao tempo (fazendo a delícia de muitas gerações) como ao espaço geográfico. Estou me referindo à obra do escritor Lewis Carroll, Alice no país das maravilhas. O trabalho artístico apresentado no Black Light Theatre é protagonizado por nove atores e atrizes. Estes se entrelaçam de tal forma como elenco que os folhetos de divulgação não trazem as funções de cada um, nem sequer menção à direção ou produção. Não se trata de uma adaptação literal da obra. Ao contrário. O autor (ou o elenco) começa sua história no momento em que Alice se despede da infância e penetra no misterioso mundo da adolescência para viver a descoberta do amor e das fantasias de felicidade eterna. Logo depois, chegam as desilusões de um casamento frustrado, do qual resta um filho ligado à presença-ausência do pai...

 

Tudo sem palavras. A perfeição interpretativa é indescritível. A força imaginativa dos produtores e diretores mostra à plateia uma Alice-mulher desnuda em meio a uma linguagem silenciosamente poética. Não há tempo ou espaço para a vulgaridade. Os espectadores se envolvem na beleza do enredo e na perfeição das técnicas que fazem voar personagens ou objetos, lhes conduzindo a um mundo de infinita e grata magia. E tudo em meio a uma espetacular trilha sonora, em que obras clássicas dos compositores checos Bedřich Smetana e Antonín Leopold Dvořák se misturam à música jovem e contemporânea...

 

Decerto, todas estas observações justificam o sucesso do teatro negro ou, em especial, de Visões de Alice em 30 países de três continentes, fazendo consolidar a luminosidade e o colorido invisíveis do teatro negro!


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”