ALÉM DAS BIBLIOTECAS


CÁDIZ: ENCANTAMENTO E MAR

Estar em Cádiz (ortografia preferencial, Cádis) é estar na Espanha: mera redundância. Proposital superfluidade de palavras. É que esta capital do Sul da Espanha, pertencente à província do mesmo nome e à Comunidade Autônoma de Andaluzia, repete muito do que se tem por esse país afora. Falamos da valorização aos velhos e aos descapacitados fisicamente ou mentalmente; da limpeza das ruas; da excelência dos transportes públicos; das profícuas “atividades de verão” planejadas por suas diferentes universidades; da excelência das bibliotecas públicas que se comportam como verdadeiros centros culturais (como deveria ser no nosso Brasil); e do trânsito razoavelmente controlado. Falamos, ainda, dos horários excessivamente flexíveis para o comércio; da sesta muito longa; do cigarro muito presente (em que pese a atual proibição do fumo em locais públicos) e da bebida um tanto excessiva...

 

Estar em Cádiz capital, no entanto, é estar numa Espanha mais calorosa, vivaz, cordial e descontraída, que tem no carnaval uma de suas celebrações populares mais importantes. Considerada como Festa de Interesse Turístico Internacional, dura 10 dias (quinta-feira anterior à quarta-feira de cinzas até o domingo posterior), e está por toda parte, embora a “sede” seja o pitoresco bairro La Viña. Tudo isto justifica as alcunhas “Cádiz, amante da liberdade” ou “Cádiz, a cidade que sorri”. Recordamos, ainda, que Cádiz, em sua totalidade territorial, é a província mais meridional da Península Ibérica, distante tão-somente 14 km do continente africano. Ao norte, limita-se com Sevilha e Huelva; ao leste, está Málaga; ao sudoeste, o majestoso Oceano Atlântico; ao sudeste, o Mar Mediterrâneo; e, por fim, ao sul, o Estreito de Gibraltar e a colônia britânica de Gibraltar.

 

Estar em Cádiz capital, portanto, é vivenciar a experiência única de estar num rincão localizado à entrada do Mediterrâneo e, ao mesmo tempo, banhado, do outro lado, pelo Atlântico, o que assegura a beleza impressionante de suas praias. Todo o litoral da província de Cádiz forma parte da Costa de la Luz. Dentre as praias urbanas da capital, destacam-se Santa María del Mar e Victoria. Mais adiante, estão Cortadura e a concorrida Praia de la Caleta, que abriga, num de seus extremos, o Castelo de San Sebastián, de rara beleza. Ademais, ainda por conta de sua situação geográfica privilegiada, Cádiz figura, em termos históricos, como um dos primeiros elos de ligação da Espanha com o mundo, e foi daí que Cristóvão Colombo partiu, por três diferentes vezes, rumo às Américas.

 


Estar em Cádiz capital nos permite observar, independentemente de conhecimentos históricos ou geológicos, que a cidade guarda em suas entranhas fortes vestígios da civilização fenícia e romana. A cidade mais antiga do Ocidente, decerto, ao longo de seus 3.000 anos de existência, assistiu a muitas mudanças. Da denominação dada pelos fenícios (Gadir), em 1.100 a.C., passa a porto mercantil sob as mãos destes e depois, dos romanos. No século XVII, intensifica o comércio com plagas longínquas até atingir o auge como importante porto comercial e, portanto, como centro industrial, durante os séculos XVIII e XIX. Na atualidade, conta com indústrias, sobretudo, no setor de bebidas alcoólicas, conservas, sapatos, perfumes e tabaco, além do turismo. Em fachadas de seus edifícios e de algumas casas residenciais, mármore de Carrara lembra o passado de ocupações. Canhões rememoram, também, sua história de lutas e de conquistas e impõem sua presença em rincões do casco histórico.

 

Estar em Cádiz capital é, ainda, entender o porquê de outro cognome, além dos citados. Há quem a chame "A pequena Havana", por conta dos laços históricos que a unem à ilha dos irmãos Castro, decorrentes do tráfego marítimo existente entre as duas cidades por período relativamente longo. Há refrões graciosos, como os que dizem: “Havana é Cádiz com mais negrinhos” ou “Cádiz é Havana com mais salinas”.

 

Estar em Cádiz capital é caminhar por uma cidade de uma extensão total de 12,10 km² e população estimada em 125.826 habitantes, conforme dados oficiais da administração da cidade relativos ao ano de 2010. Suas muralhas guardam e revelam traços culturais e lendas populares que caminham de braços dados com as tradições. Por exemplo, o sevilhano Bartolomé Esteban Murillo, representante significativo da pintura espanhola do século XVII, radicado na península por certo tempo, é constantemente citado pelos guias turísticos locais como vítima de uma profecia. Dizem que um cigano previu sua morte durante as comemorações de um casamento. Isto o fez fugir das bodas de forma obsessiva, mas nada evitou sua morte quando pintava uma cena de casamento em retábulo da bela Igreja dos Capuchinos.

 

Estar em Cádiz capital, por conseguinte, com sua temperatura média anual de 18 °C e cerca de 70 dias de chuva, é vivenciar festas e mais festas, além de presenciar pescadores amadores e amantes enamorados à beira do azul do Atlântico. Isto lhe confere especial encanto. Em contraste com a magia da parte antiga e muitas ruelas (que lembram contos de fada) e praças de colorido intenso, a proximidade da costa imprime um ar de modernidade: os gaditanos aproveitam a presença do sol por quase todo o ano nos parques, a exemplo do mais famoso dentre eles, o Parque Genovês, na Alameda Apodaca, zona antiga da cidade. Também usufruem da atração dos terraços de numerosos bares e cafeterias, além de sorveterias e outros points, que reúnem crianças, adolescentes, adultos e anciãos. É preciso lembrar que o flamenco, gênero de música e dança e que se impõe como ícone da cultura espanhola (apesar de seus detratores), ao que parece, tem sua origem com as chamadas bailarinas de Cádiz.

 

Estar em Cádiz capital é nutrir a certeza de que há muito a ver. Além das praças imensas e preciosas, como a de San Juan de Dios, a de la Hispanidad e a de Sevilha, a cidade se imortaliza por suas numerosas igrejas. Uma catedral nova do século XVIII faz par com a velha catedral do século XVI. E que dizer de pontos que encantam a população local e turistas? Entre eles: Puerta de Tierra, monumento arquitetônico e reduto da antiga muralha de entrada à cidade; Teatro Romano; Hospital de Mujeres (exemplo da arquitetura barroca do século XVIII); Oratorio de San Felipe Neri (também barroco), que abriga obra do citado sevilhano Murillo, ano 1680. Aliás, esse oratório foi palco de grande acontecimento histórico: em 1812, a assinatura da primeira Constituição Espanhola, quando, pela primeira vez, se faz alusão aos direitos aos cidadãos. O Oratorio de la Santa Cueva, por seu turno, conta com três obras do famoso pintor e gravador espanhol Francisco de Goya, que datam do século XVI. 







Estar em Cádiz capital é visitar muitos e muitos outros pontos turísticos: Iglesia de Santa Cruz, em estilo gótico; Torre Tavira, antes, ponto de vigilância do porto, hoje, zona que permite ampla visão panorâmica da cidade; Museo Histórico Arqueológico de Cádiz; Gran Teatro Falla, homenagem a Manuel de Falla, compositor gaditano. 

 


Estar em Cádiz capital, por fim, é gozar do privilégio de usufruir a excelência de sua rede de bibliotecas públicas municipais, que incorpora quatro unidades: Biblioteca Central José Celestino Mutis; Biblioteca de Extramuros; Biblioteca Infantil y Juvenil de la Viña; Biblioteca Especializada de la Mujer. O sistema de arquivos também não fica aquém. Reúne setores específicos voltados ao arquivamento de documentos administrativos e históricos, com moderno programa de digitalização e de preservação de seus documentos.

 

Estar em Cádiz capital é, por fim, crer que as cidades têm vida. Vida deve ser sinônimo de rumos a trilhar... Neste caso específico, projeto de prosseguir um caminho pleno de luz, dinamismo e cultura.


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”