PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA


  • A prática profissional e a ética voltadas para a área da Ciência da Informação.

PRÁTICA PROFISSIONAL E ÉTICA: POR QUE BIBLIOTECÁRIOS, ARQUIVISTAS E MUSEÓLOGOS BRASILEIROS PRECISAM PENSAR PEQUENO?

De volta! 2013 está começando com muitas questões.

 

Uma dessas questões toma a forma de um discurso ambíguo, que a título de defender a otimização dos recursos universitários, visando baratear economicamente a formação de arquivistas, bibliotecários e museólogos, gera um viés que avassala a discussão nessas profissões, dando a entender que o caminho é sua unificação a partir da  sala de aula. De outro, alguns formuladores desse discurso ambíguo tendem a sustentar que a eventual teoria produzida pelas pesquisas em Ciência da Informação serve como suporte para incrementar as inovações necessárias à atuação profissional e às demandas do mercado de trabalho de arquivistas, bibliotecários e museólogos. Isso não está cabalmente demonstrado, na medida em que esses profissionais dependem de muito mais embasamento que aquele dado pela miscelânea temática, teórica e metodológica que constitui a Ciência da Informação.

 

Um dos argumentos que vez ou outra é apresentado é de que nos anos setenta do século XX a Unesco teria defendido a ideia dessa convergência. Mas não é dito que esse esforço da Unesco não teve o vigor e a aceitação pretendidos. Tratou-se de um discurso construído no ambiente econômico e político que levou à institucionalização da União europeia, à unificação da moeda, à convergência de uma comunidade econômica. Foi, portanto, um discurso que de seu lado contribuiu com todos os demais discursos que deram forma aos defensores da globalização econômica, barateamento do estado, homogeneização cultural, sucateamento das profissões, reestruturação da universidade que, na Europa, passou a ser engessada pelo Tratado de Bolonha, visando apressar e baratear a formação em nível superior.

 

É essa filosofia do pensar grande econômico que propõe que profissões do universo da cultura pensem pequeno e, se possível, considerem que seus espaços de ação profissional tendem a se tornar caros e, portanto, passíveis de destruição e integração entre si.

 

Eu não defendo que esse discurso deveria ter validade na Europa e muitos europeus também não o defendem. Houve e há muitas reações negativas a ele. A sua ênfase está presente no esforço dos governos pressionados pelos setores das finanças em assumir como inescapável o minimalismo estatal. Essa peroração circunstancial cada vez mais presente em muitos países da zona do Euro chega ao Brasil e aqui é menos defensável ainda. Se na Europa a cultura escrita, de alcance público em benefício de grande parte da população, tem séculos de existência; se na Europa a Universidade está estabelecida desde o final do século XII, no Brasil a universidade se estabelece no primeiro terço do século XX, com mais de sete séculos de distância e ainda hoje, século XXI, não dispomos de políticas culturais para arquivos, bibliotecas e museus. Nesse caso, como falar, sem corar, um discurso que sugere unificação da formação e da atuação profissional nesses campos?

 

Apenas para situarmo-nos em nossos déficits de cidadania, enquanto o movimento sindical europeu é forte desde os anos do século XVIII e tem suas raízes em corporações de ofícios do século XII, no Brasil as questões dos trabalhadores urbanos até o início dos anos trinta do século XX eram tratadas pelo Ministério da Agricultura. Isto quer dizer, mais ou menos, que até quase metade do século XX o trabalhador brasileiro era tratado como gado, literalmente. Embora hoje a classe trabalhadora do país tenha avançado em suas condições de cidadania, a defesa de uma ideia no sentido de que profissionais de arquivos, bibliotecas e museus podem ser formados em uma mesma escola, com uma formação unificada, é retroceder no tempo e tratá-los como destituídos de uma percepção de que a história das profissões se faz pela segmentação e não pela unificação. E isso se faz assim, justamente pelo fato de que é na prática profissional que os fatores de complexificação se manifestam e exigem especialização cada vez mais profunda de conhecimento teórico e aplicado.

 

Nesse sentido, desconsiderando a questionável defesa de barateamento econômico da formação desses profissionais, esse discurso ambíguo (que quer dizer algo, mas teme fazê-lo de cara limpa) deve ser recusado. De outro lado, é relevante observar que ele não é feito e nem defendido pelos profissionais já estabelecidos nesses campos que têm a clara noção das dimensões de suas profissões; que têm uma visão ontológica, teleológica, axiológica e epistemológica de suas práticas históricas e de seus compromissos para o futuro. Esse discurso, em geral, é feito por ilusionistas acadêmicos que, tendo origem em outros campos profissionais, desejam impor a partir do espaço acadêmico visões de mundo que mesmo nos lugares onde essas ideias foram originadas há uma firme recusa em sua aceitação.

 

Para finalizar, não me parece que a questão se esgota sem uma profunda reflexão e debates honestos em que prós e contras referenciados no contexto social próximo sejam exaustivamente examinados.


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FRANCISCO DAS CHAGAS DE SOUZA

Docente nos Cursos: de Graduação em Biblioteconomia; Arquivologia; Mestrado e Doutorado em Ciência da Informação da UFSC; Coordenador do Grupo de Pesquisa: Informação, Tecnologia e Sociedade e do NIPEEB