ALÉM DAS BIBLIOTECAS


DOUTORA JULIANA CHOROU POR ELA, POR VOCÊ, POR NÓS

Enquanto o Supremo Tribunal Federal  decide, no mês passado, 18 de setembro de 2013, para que 12 dos “mensaleiros” (o “mensalão” é uma das maiores vergonhas vivenciadas neste país) tenham a chance de prosseguir justificando o injustificável por mais um ano ou dois, ou sabe lá quantos anos, a luta continua Governo versus classe médica. A Presidenta Dilma Rousseff com seus comparsas, digo, companheiros, enaltecem o Sistema Único de Sofrimento, digo Sistema Único de Saúde. Simultaneamente, uma mensagem de uma médica ganha adeptos nas redes sociais e sua fala é transcrita, parcialmente, por J. R. Guzzo, na revista Veja, 10 de julho último. Leio o recorte. Leio, na Rede, o texto na íntegra. Abençôo a alguém que consegue produzir um texto, que adoraria ser meu. Não saberia fazê-lo, mas não posso deixar de difundi-lo como reflexão que vai além do raciocínio. Alcança sua alma, a minha, a nossa. Dra. Juliana, assim, sem sobrenome, e apenas coragem, diz:  

 

Há alguns meses eu fiz um plantão em que chorei. Não contei a ninguém; não é nada fácil compartilhar isso numa mídia social. Eu, cirurgiã-geral, “do trauma” [...], que carrego no carro o manual da equipe militar que atendia na guerra do Afeganistão, chorei. Na frente da sala da sutura tinha um paciente idoso internado. Numa cadeira. Com o soro pendurado na parede num prego similar aos que pregamos samambaias. Ao seu lado, seu filho. Bem vestido. Com fala pausada, calmo e educado. Como eu. Como você. Como nós. Perguntava pela possibilidade de internação do pai numa maca, pelo menos, já que estava há mais de um dia na cadeira. Ia desmaiar. Esperou, esperou, e toda vez que eu abria a portinha da sutura ele estava lá. Esperando. Como eu. Como você. Como nós. Teve um momento em que ele desmoronou. Ajoelhou-se no chão, começou a chorar, olhou para mim e disse “não é para mim, é para o meu pai, uma maca”. Como eu faria. Como você. Como nós. Pensei: “meu Deus do céu! Com todos que passam aqui, justo eu [...]” Saí, chorei, voltei, briguei e o coloquei numa maca da ala feminina.

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Nesses últimos dias de protestos nas ruas e nas mídias brigamos por um país melhor. Menos corrupto. Transparente. Menos populista. Com mais qualidade. Com mais macas. Com hospitais melhores, com mais equipamentos, e aos quais não faltem medicamentos. Um SUS melhor. Briguei pelo filho ajoelhado do paciente. Por todos os meus pacientes. Por mim. Por você. Por nós. O SUS é nosso. Não tenho palavras para descrever o que penso da “presidenta” Dilma. (Uma figura que se proclama “presidenta” já não merece minha atenção). Mas hoje, por mim, por você, pelo meu paciente na cadeira, eu a ouvi. A ouvi dizendo que escutou “o povo democrático brasileiro”. Que escutou que queremos educação, saúde e segurança de qualidade. “Qualidade”..., ela disse. E disse que importará médicos para melhorar a saúde do Brasil... Melhorar a qualidade? Senhora “presidenta”, eu sou uma médica de qualidade. Meus pais são médicos de qualidade. Meus professores são médicos de qualidade. Meus amigos de faculdade. Meus colegas de plantão. O médico brasileiro é de qualidade. Os seus hospitais é que não são. O seu SUS é que não tem qualidade. O seu governo é que não tem qualidade. O dia em que a senhora “presidenta” abrir uma ficha numa UPA, for internada num hospital estadual, pegar um remédio na fila do SUS e falar que isso é de qualidade, aí conversaremos. “Não cuspa na minha cara. Não pise no meu diploma. Não me culpe por sua incompetência...


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”