DO FORMATO MARC PARA UMA NOVA FÓRMULA DE FORMATO BIBLIOGRÁFICO
A Catalogação Legível por Máquina (MARC) foi um formato concebido na década de 1960, com o primeiro piloto apresentado em 1966 por Henriette Avram. Passados mais de 45 anos temos um novo cenário social e tecnológico. Considerando-se apenas os avanços ocorridos na representação de dados por computador, o mundo de hoje está distante do contexto cultural de concepção do MARC.
Saliente-se que a proposta apresentada do formato MARC estava distante, em três anos, do surgimento do primeiro artigo tratando do conceito de modelo de banco de dado relacional, publicado por Edgar F. Codd; a oito anos do lançamento da linguagem SQL (Structured Query Language), por Donald Chamberlin e Raymond Boyce, em 1974; e a dez anos da proposta do modelo de Entidade-Relacionamento, por Peter Chen, em 1976.
O MARC apesar de significar um salto evolutivo nas atividades e sistemas bibliotecários, não pode deixar de ser visto pelo prisma das mudanças tecnológicas ocorridas ao longo das últimas décadas. Assim, sob a ótica do mundo atual, percebe-se que vivemos em uma época totalmente diferente daquela na qual o formato se originou. Isso se reflete na dificuldade sobre como pensar o tratamento de dados, em um banco de dados relacional, tendo uma estrutura de formato concebida antes do aparecimento de recursos que definiram padrões das linguagens e dos sistemas computacionais atuais.
Apesar do padrão MARC ser aplicado em softwares bibliográficos, sua configuração natural não colabora para uma melhor modelagem de relacionamento dos seus dados bibliográficos estruturados. Ainda mais nos moldes do FRBR, surgido nos anos de 1990.
Ressalte-se que, com o estabelecimento dos novos princípios da catalogação, o lançamento dos novos instrumentos catalográficos: ISBD consolidado e RDA, as mudanças pressionam ainda mais, e urgente, sobre os formatos de intercâmbio bibliográfico. O formato MARC é a “bola da vez” dos processos catalográficos.
Com o advento da web semântica, de linguagens como XML e outros avanços tecnológicos determinando novos processos de organização da informação, padrões fechados como o nosso, e nada integrável na comunicação com outras áreas de conhecimento, passam a ser desaconselháveis. Se as bibliotecas não responderem de maneira flexível as demandas de seus usuários por novos caminhos, acabará em um “beco sem saída”. E o apego a conceitos e normas tornadas anacrônicas não será tábua de salvação, mas de suicídio.
Diante do atual universo digital, o universo bibliográfico precisa se integrar e compartilhar. Os processos bibliotecários não podem persistir na comunicação unicamente interna, entre os próprios pares ou membros. Seus serviços, produtos e recursos devem ser útil e utilizável por outras áreas de conhecimento. Exemplo de sucesso no caminho a trilhar pode ser visualizado com o VIAF (Virtual International Authority File).
A RDA, por exemplo, embute em suas normativas esta proposta de interação externa (outras comunidades), e determina que os registros bibliográficos, estruturados para aproveitamento único das bibliotecas, passem por uma nova concepção, estabelecendo o seu aproveitamento por bases de dados diversas, além de fixar relacionamentos claros dentro do catálogo bibliográfico.
Nesse intento, foi iniciado pela Library of Congress, estudos de uma nova base para o futuro da descrição bibliográfica, tanto na web, quanto em um mundo ampliado pelas redes. A base delineada transformou-se no projeto BIBFRAME (Bibliographic Framework Initiative), um novo formato que deve substituir o padrão MARC. Não há uma data pré-determinada para que isto ocorra. Aliás, prazos são relativos, de efetivo nos acontecimentos é o projeto do novo Formato orientado ao ambiente digital e dos dados vinculados.
O estágio atual de desenvolvimento do BIBFRAME está em um nível mais prático de compreensão por parte da comunidade bibliotecária. Já é previsível como ele poderá afetar o trabalho de catalogação, além do impacto sobre os dados bibliográficos produzidos e compartilhados mundialmente. O formato é projetado para se integrar com a comunidade de informação em geral, bem como, atender às necessidades específicas da comunidade de bibliotecas. A Iniciativa pretende trazer novas formas de:
§ Diferenciar claramente o conteúdo conceitual e a sua manifestação física/digital;
§ Identificar de forma inequívoca as entidades de informações (por exemplo, as autoridades);
§ Destacar e expor as relações entre as entidades.
Em um mundo moldado pelas redes, é imperativo citar os dados da biblioteca de uma maneira que diferencia a obra conceitual (um título e um autor) dos detalhes físicos da manifestação dessa obra (números de página, se é ilustrada etc.). É igualmente importante para a produção de dados bibliográficos a identificação clara das entidades envolvidas na criação de um recurso (autores, tradutores, editores) e as temáticas ou conceitos (assuntos) associados a um recurso. Embora o BIBFRAME vá definir uma nova maneira de representar e intercambiar dados bibliográficos, ou seja, substituir o formato MARC – o seu alcance é mais amplo. Como uma iniciativa, que está investigando todos os aspectos da descrição bibliográfica, criação e troca de dados bibliográficos. Além de substituir o MARC, há a necessidade de acomodar diferentes modelos de conteúdos bibliográficos, e regras de catalogação, explorando novos métodos de entrada dos dados e a avaliação dos protocolos de intercâmbio corrente.
O formato BIBFRAME é um modelo conceitual/prático que equilibra as necessidades de registro de quem precisa de uma descrição bibliográfica detalhada, e as necessidades de quem descreve outros materiais culturais, e de quem não necessita de um nível tão detalhado de descrição. Existem quatro classes de alto nível, ou entidades:
§ BIBFRAME Obra (Work): identifica a essência conceitual de algo (recurso);
§ BIBFRAME Instância (Instance): reflete o suporte (ou corporificação) material de uma obra;
§ BIBFRAME Autoridade (Authority): identifica algo ou o conceito associado a uma BIBFRAME Obra ou Instância;
§ BIBFRAME Anotação (Annotation): fornece uma nova maneira de expandir a descrição de BIBFRAME Obra, Instância ou Autoridade.
Para mais informação sobre o modelo BIBFRAME acessar: http://goo.gl/dyrtHc.
Apesar de parecer confuso, o vocabulário BIBFRAME é a chave para a descrição de recursos. Assim como o formato MARC tem um conjunto definido de elementos e atributos, o vocabulário BIBFRAME tem um conjunto definido de classes e propriedades.
A classe identifica um tipo de recurso BIBFRAME (muito parecido com o campo MARC que agrupa um único conceito). Lista de classes visualizada no quadro 01.
Quadro 01 – Lista Completa das Classes BIBFRAME
Agent
Annotation
Archival
Arrangement
Audio
Authority
Cartography
Category
Classification
Collection
CoverArt
Dataset
DescriptionAdminInfo
Electronic |
Event Family HeldItem HeldMaterial Identifier Instance Integrating IntendedAudience Jurisdiction Language Manuscript Meeting MixedMaterial Monograph |
MovingImage Multimedia MultipartMonograph NotatedMovement NotatedMusic Organization Person Place Print Provider Related Relator Resource Review |
Serial StillImage Summary TableOfContents Tactile Temporal Text ThreeDimensional Object Title Topic Work |
As propriedades servem como um meio para descrever um recurso BIBFRAME (muito parecido com os subcampos MARC). Lista de propriedades visualizada no quadro 02.
Quadro 02 – Lista Completa das Propriedades BIBFRAME
abbreviatedTitle
absorbed
absorbedBy
absorbedInPart
absorbedInPartBy
accessCondition
accompaniedBy
accompanies
agent
annotates
annotationAssert
edBy
annotationBody
annotationSource
ansi
arrangement
aspectRatio
assertionDate
audience
audienceAssigner
authorityAssigner
authoritySource
authorizedAccess
Point
awardNote
barcode
carrierCategory
cartographicAscensio
nAndDeclination
cartographicCoordina
tes
cartographicEquinox
cartographicExclusion
GRing
cartographicOuterGR
ing
cartographicProjectio
n
cartographicScale
cartography
category
categorySource
categoryType
categoryValue
changeDate
circulationStatus
classification
classificationAssigner
classificationDdc
classificationDesignati
on
classificationEdition
classificationItem
classificationLcc
classificationNlm
classificationNumber
classificationNumber
Uri
classificationScheme
classificationSpanEnd
classificationStatus
classificationTable
classificationTableSeq
classificationUdc
coden
colorContent
componentOf
containedIn
contains
contentAccessibility
contentCategory
contentsNote
continuedBy
continuedInPartBy
continues
continuesInPart
contributor
copyNote
copyrightDate
coverArt
coverArtFor
coverArtThumb |
creationDate creator creditsNote custodialHistory dataSource derivativeOf derivedFrom descriptionAuthenti cation descriptionConventi ons descriptionLanguag e descriptionModifier descriptionOf descriptionSource descriptionStatus dimensions dissertationDegree dissertationIdentifie r dissertationInstituti on dissertationNote dissertationYear distribution doi duration ean edition editionResponsibilit y electronicLocator enumerationAndChr onology event eventAgent eventDate eventPlace expressionOf extent findingAid findingAidNote fingerprint formDesignation format formatOfMusic frequency frequencyNote generationDate generationProcess genre geographicCoverag eNote graphicScaleNote hasAnnotation hasAuthority hasDerivative hasDescription hasEquivalent hasExpression hasInstance hasPart hdl heldBy holdingFor identifier identifierAssigner identifierQualifier identifierScheme identifierStatus identifierValue illustrationNote immediateAcquisitio n index instanceOf instanceTitle intendedAudience isDerivativeOf isDescriptionOf isPartOf |
isbn13 ismn iso issn issnL issueNumber issuedWith istc iswc itemId keyTitle label language languageNote languageOfPart languageOfPartU ri languageSource lcOverseasAcq lccn legalDate legalDeposit lendingPolicy local manufacture materialArrange ment materialHierarchi calLevel materialOrganiza tion materialPart matrixNumber mediaCategory mergedToForm modeOfIssuance musicKey musicMedium musicMediumNo te musicNumber musicPlate musicPublisherN umber musicVersion nban nbn notation note originDate originPlace originalVersion otherEdition otherPhysicalFor mat partNumber partOf partTitle performerNote place postalRegistratio n precededBy precedes preferredCitation production provider providerDate providerName providerPlace providerRole providerStateme nt publication publisherNumbe r referenceAuthori ty relatedAgent relatedInstance relatedResource |
relatedWork relationship relationshipUri relator relatorRole reportNumber reproduction reproductionPoli cy resourcePart responsibilitySta tement retentionPolicy review reviewOf role separatedFrom serialFirstIssue serialLastIssue series shelfMark shelfMarkDdc shelfMarkLcc shelfMarkNlm shelfMarkSchem e shelfMarkUdc sici soundContent splitInto startOfReview startOfSummary stockNumber strn studyNumber subLocation subject subseries subseriesOf subtitle succeededBy succeeds summary summaryOf supersededBy supersededInPartBy supersedes supersedesInPar t supplement supplementTo supplementaryC ontentNote systemNumber tableOfContents tableOfContentsFor temporalCovera geNote title titleAttribute titleQualifier titleSource titleStatement titleType titleValue titleVariation titleVariationDat e translation translationOf treatySignator unionOf upc uri urn videorecordingNumber workTitle |
O desenvolvimento do BIBFRAME sofre a influência das mudanças contínuas que ocorrem no cenário dos Serviços Bibliotecários. Aspecto que requer do BIBFRAME procedimento prático de aplicação.
Os responsáveis pelo projeto têm elaborado um piloto para testes de seu uso. Nesta fase, consta a participação de profissionais bibliotecários reunidos para aplicação e avaliação dos testes. Um módulo final de testes públicos deve ocorrer no final de 2015.
Nesse tempo trabalha-se na documentação de uso e de capacitação que estabeleçam algum tipo de apoio, semelhante ao ocorrido com a implementação da RDA. Estima-se tanto a existência, como a convivência entre os dados catalográficos criados no BIBFRAME, e dados criados no MARC, isso para que se possa começar a testar as implementações práticas. Também, deve permitir respostas a algumas das questões relacionadas com a forma de funcionamento do futuro padrão, no mundo real.
No site do projeto BIBFRAME há informações detalhadas, incluindo propostas de implementações, e de testes já realizados por algumas instituições. Outra preocupação é o de estabelecer um período de transição e neste sentido a Biblioteca do Congresso está fazendo colaboração com parceiros externos para tornar BIBFRAME uma realidade.
Atualmente, há ferramentas relacionadas à iniciativa BIBFRAME e editores de demo, em especial, o BIBFRAME Editor (BFE) um demo para experimentar a entrada de dados no formato. E a ferramenta de transformação de registros MARC para registros BIBFRAME.
É bom destacar que a iniciativa do BIBFRAME se desenvolve há vários anos. Seu anúncio formal deu-se em 2011, com o informe da Library of Congress sobre o plano geral do projeto. Em 2012, a empresa Zepheira é contratada para avaliar as iniciativas relacionadas ao mundo bibliográfico, e os novos modelos de dados, bem como, estabelecer alguma modelagem destes dados. O trabalho da empresa foi concluído no mesmo ano, com a publicação de uma estrutura inicial e algumas experimentações.
Em janeiro de 2013, a LC juntamente com a ALA estabelece o site BIBFRAME.org. Espaço de informação sobre o projeto do vocabulário, links para materiais relacionados e exemplos de códigos de transformação de registros bibliográficos. Em janeiro de 2014, fixaram-se o vocabulário do BIBFRAME. A intenção foi a de promover e criar um ambiente estável para os implementadores, para as experiências iniciais, e para as implementações em ambientes profissionais.
Desde o início, o projeto contou com vários parceiros e colaboradores da iniciativa BIBFRAME. Como exemplo, destaca-se as organizações como: OCLC, a Biblioteca Nacional da Alemanha, Biblioteca Britânica, além da Biblioteca Nacional de Medicina dos Estados Unidos e as bibliotecas da Universidade de Cornell, Stanford, George Washington, e Princeton. Também Terry Reese, responsável pelo software MarcEdit, se integrou ao projeto ao estabelecer algumas ferramentas com BIBFRAME.
Apesar das ações no estabelecimento de um novo padrão, não há porque existir qualquer falta de respeito para com o formato MARC e a sua história, e tudo o que tem realizado para a comunidade bibliotecária mundial. As mudanças são apenas um sinal de reconhecimento da necessidade em se obter os benefícios das tecnologias computacionais atuais. Em 2011, a ISBD Consolidada foi publicada, apesar de continuar em estudo evolutivo. Em 2013, a RDA foi oficialmente lançada apesar de estar em desenvolvimento alguns capítulos e sofrer atualizações contínuas e frequentes.
De certa forma, são acontecimentos que tinham que ocorrer mais ou menos na ordem que ocorreram para permitir gerar algum ponto de inflexão nos processos e práticas bibliotecárias. É fato que, da mudança do catálogo em ficha para o catálogo on-line, não houve uma campanha para matar o sistema em ficha. Ainda hoje há bibliotecas utilizando o sistema, caso do Brasil, por exemplo. O sistema on-line mostrou-se a melhor opção, e as bibliotecas adotaram. É mais vantajoso. Com o MARC ocorrerá a mesma coisa, uma nova alternativa virá, e as bibliotecas deverão adotá-lo, com naturalidade. Afinal, o trabalho bibliotecário será cada vez mais semântico.