OBRAS RARAS


A VIDA É TÃO RARA...

Em fevereiro de 2003, morando nos Estados Unidos, recebo convite para ter uma coluna no site INFOHome. Como dizer ‘não’? De lá pra cá, em todos os textos, tive por objetivo apenas despertar o interesse da comunidade leitora, em geral, sobre o assunto ‘livros raros’, sob diferentes aspectos. Levei em conta que o site já tinha amplo alcance e, apesar de escrito por bibliotecárias e bibliotecários, abordava inúmeras áreas do conhecimento fora da Biblioteconomia também. O site completa 22 anos ininterruptos no ar sob a mesma direção e com o mesmo endereço na internet; hoje, contém, até mesmo, textos para crianças.

Nesses 20 anos da Coluna ‘Obras Raras’, houve um primeiro período em que estava fora do Brasil, como dito (até o final de 2005), quando era catalogadora da John Carter Brown Library, na Brown University. O fantástico e impecável acervo antigo me inspirou a escrever sobre os livros diariamente em minhas mãos. Gostava de contar as histórias recordadas ou aprendidas ao pesquisar e catalogar aqueles livros raros; compartilhar as exposições visitadas; informar sobre a famosa Rare Book School, na qual fizera os primeiros cursos, no verão de 1985, então na Columbia University, em Nova Iorque. Também achei que poderia falar sobre outras coleções e, claro, tecnologias eletrônicas. Depois disso, outros assuntos vieram.

Quem me conhece, sabe que sempre li sobre roubo de acervos raros - tema de constante presença em bibliotecas, em qualquer parte do mundo. Tais fatos contribuíram para que instituições e organizações da Biblioteconomia nos Estados Unidos (em outros países também, mas essas eu conhecia) desenvolvessem políticas eficazes a fim de diminuir e/ou eliminar o problema. Isso inspirou a redação de um folheto publicado pela Fundação Biblioteca Nacional, sob minha coordenação, em 1994, o Segurança para Livros Raros. Foi então lançado no Encontro de Obras Raras de Belo Horizonte. Creio que, na época, tenha sido útil. Continuo a classificar o assunto na seção dos mais pertinentes.

Meio ambiente e carnaval, presentes na minha vida desde quase sempre (e, diga-se de passagem, até hoje), não escaparam da Coluna (sempre a partir da perspectiva de raridade), assim como o rock, mercado de livros usados, as novas tecnologias, a transferência de livros raros dentro das bibliotecas, nomes importantes da nossa história, etc. Evitei escrever sobre política, que habita minh’alma.

O doutorado em Ciência da Informação (2011), trabalho diário, artigos e congressos acabou por me direcionar para o aprofundamento dos estudos sobre Patrimônio Escrito. Porém, uma atividade exercida desde criança, com 11, 12 anos, ouvindo música, começou a tomar vulto mais sério por volta de 2018. O ano de 2003 também havia marcado outra atividade que exercitei por 20 anos: a tradução de abstracts para o Journal of the American Institute for Conservation. A pandemia deu corpo ao vulto, em 2020 e, daí pra frente, assumi a profissão, pouco antes de fazer uma pós-graduação em Tradução em Saúde. Em breve, o mesmo se dará na Interpretação (ou Tradução Simultânea, como as pessoas conhecem essa modalidade, entre outras existentes na Interpretação), na qual curiosamente, não pensei em trabalhar quando atuava como voluntaria no Rhode Island Hospital (EUA), junto a médicos e familiares de pessoas admitidas na Emergência. Adorava. Desde 2021, faço interpretação voluntária remotamente para organizações internacionais que lidam com as questões de moradia/despejo, agroecologia e política, principalmente.

Percebo, curiosa, a espiral da vida, quando tocamos pontos já conhecidos “uma oitava acima”. Antes de me tornar bibliotecária, fiz, por quase dois anos, Faculdade de Letras na UFRJ (curso de Português-Inglês). Na época, não pensava em fazer Tradução – o curso de Letras é o escolhido pela maioria dos tradutores. Igualmente, sempre gostei muito da área médica, de assistir vídeos de cirurgia, de entender o funcionamento do corpo humano. Fiz formação por dois anos, no início da década de 1990, em Cromoterapia e curso de um ano de Bioenergética. Vários foram os cursos livres em Terapias Alternativas. Até hoje eu me lembro da emoção ao aprender sobre o funcionamento das glândulas. Acreditem: é emocionante (ou, pelo menos, assim recebi). Não poderia imaginar que, atualmente, reuniria Tradução e Saúde, além de outras áreas.

Não posso deixar de falar sobre Meio Ambiente, área em que me tornei ativista nos Estados Unidos após priorizar uma alimentação mais saudável, sem agrotóxicos. Meu grupo atuava na Nova Inglaterra, onde morei e em Oklahoma (onde, se me soltarem no campo, ali mesmo fico, pois não aprendi a me guiar pelas estrelas). Nesse Estado, convivi com pessoas até hoje presentes em minha vida. Em breve, estudarei melhor assuntos como agricultura orgânica e outros, tão próximos à área da Saúde, de muitas maneiras.

Pelo meu perfil, ficam claros os inúmeros interesses, que vão além dessas linhas, mas a especialização é necessária e querida.

Sou de opinião que ninguém deixa de ser nada. As pessoas vão se transformando, umas mais especializadas, outras mais generalistas. Eu, pelo visto, escolhi duas profissões generalistas (Biblioteconomia, como é no Brasil e Tradução) e me especializei nas áreas de preferência. Contudo, o momento requer passar o bastão indiretamente para alguém da nova geração, com o objetivo de trazer a tão nobre site o novo momento da Biblioteconomia de Livros Raros, com outra roupa e nome, nessa segunda década do século XXI, na qual seus representantes já chegam com formação bem diferente daquela da minha geração, quando aprendíamos na prática, por meio dos livros e dos ensinamentos da geração anterior a minha na Biblioteca Nacional. Ensinávamos o que sabíamos aos colegas de outras instituições por meio de cursos livres. Nesse sentido, minha passagem pela Rare Book School foi fundamental, em 1985. O inglês, já melhor, foi essencial.

Naturalmente, sinto deixar o espaço. Quanto a isso, não há muito o que falar. “Foi” (sempre será) um privilégio fazer parte de grupo tão seleto.

Ao Oswaldo, meus agradecimentos imensos e votos de mais sucesso, se isso for possível. Aos colegas, os melhores votos, igualmente, na certeza da importância dos muitos textos aqui lidos frequentemente. Continuarei a e-visitá-los. A todas e todos: posso ser encontrada pelo LinkedIn, Instagram e ProZ pelo meu nome.

Para deixá-los bem acompanhados, a música de Lenine, nosso contemporâneo massa: “Paciência”, na versão In Cité: https://www.youtube.com/watch?v=SWm1uvCRfvA&t=224s:

Essa música, acho, reflete bem o texto acima.

Mesmo quando tudo pede 
Um pouco mais de calma 
Até quando o corpo pede 
Um pouco mais de alma 
A vida não para

Enquanto o tempo 
Acelera e pede pressa 
Eu me recuso, faço hora 
Vou na valsa 
A vida é tão rara 

Enquanto todo mundo 
Espera a cura do mal 
E a loucura finge 
Que isso tudo é normal 
Eu finjo ter paciência 
 

O mundo vai girando 
Cada vez mais veloz 
A gente espera do mundo 
E o mundo espera de nós 
Um pouco mais de paciência
 

Será que é tempo 
Que lhe falta pra perceber? 
Será que temos esse tempo 
Pra perder? 
E quem quer saber? 
A vida é tão rara 
Tão rara
 

Mesmo quando tudo pede 
Um pouco mais de calma 
Até quando o corpo pede 
Um pouco mais de alma 
Eu sei, a vida não para 
A vida não para não
 

Será que é tempo 
Que lhe falta pra perceber? 
Será que temos esse tempo 
Pra perder? 
E quem quer saber? 
A vida é tão rara 
Tão rara 
 

Mesmo quando tudo pede 
Um pouco mais de calma 
Até quando o corpo pede 
Um pouco mais de alma 
Eu sei, a vida é tão rara 
A vida não para não 
A vida é tão rara


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.