MEDIAÇÃO DA INFORMAÇÃO


  • Reflexões sobre a Mediação da Informação, englobando aspectos teóricos e práticos.

UM NOVO MANIFESTO SOBRE A BIBLIOTECA PÚBLICA. E NÓS?

Não li, ainda, o novo Manifesto da IFLA/UNESCO sobre a biblioteca pública. Confesso que não estou entusiasmado em conhecê-lo. É provável que se mantenha a maior parte do Manifesto anterior, com acréscimos, em especial e por ter sido ele elaborado em 1994, de documentos digitais e as alterações oriundas deles no acesso e na apropriação da informação. É inegável que documentos eletrônicos, virtuais, de acesso online alteraram a relação dos usuários não só com os próprios documentos como também com os equipamentos informacionais, no caso, a biblioteca pública, embora as mudanças atinjam todos os tipos de bibliotecas.

Será que o fato de ser um documento “oficial” de uma entidade internacional traz uma síntese do pensamento mundial sobre a temática objeto de sua elaboração? Ou, como eu entendo, reproduz e sustenta um olhar, um entendimento de países desenvolvidos, excluindo os interesses dos países subdesenvolvidos e dos em desenvolvimento?

Nenhum documento do tipo do Manifesto sobre Biblioteca Pública é construído isolado do momento em que os redatores/proponentes estão vivendo. A Declaração Universal dos Direitos Humanos, que nasceu em 1948, foi fruto de geração espontânea, sem nenhuma implicação ou motivação que acompanhou o fim da Segunda Grande Guerra? Os interesses dos aliados e a própria criação da ONU três anos antes não estavam presentes, mesmo que não materialmente, nas discussões e no que buscavam todos naquele instante? Há algum significado ter sido a ONU sediada nos EUA ou foi mero acaso? Por que apenas cinco países, no Conselho de Segurança das Nações Unidas, possuem poder de veto?

Eu acredito que os países que se autodenominam desenvolvidos, pois são eles que determinam esse discurso, não estão preocupados com os “lugares”, os “pensares” de outros países e, por isso, não os inclui nos documentos por eles forjados, ao contrário, se arvoram no direito de dizer o que é certo, o que deve ser seguido no tema abordado. Neste caso, a biblioteca pública. O que consta no documento é o olhar desses países, entendido como o “correto”, e que serve como base para serem copiados. Tais países se assumem como “professores” ensinando aos que conhecem pouco ou desconhecem o verdadeiro objetivo e os verdadeiros fazeres da biblioteca pública.

Mais uma pergunta: nós, brasileiros e nossas bibliotecas, estamos contemplados nesse documento? O que de fato se destaca que nos interessa especificamente?

É preciso um grande cuidado em aceitar o documento em sua totalidade, como inquestionável. Ao contrário temos que ler e compreender criticamente o documento.

Os que participaram da elaboração dele podem até ter apresentado propostas de inclusão de concepções ou de pleitos para essas inclusões, mas a compreensão de um documento desse tipo sustenta e advoga algumas normas, algumas regras, entre elas a de que o texto deve ser abrangente, deve se constituir em uma síntese de todos os interesses. Mas, em verdade, essa síntese privilegia, inconsciente ou propositalmente, as verdades dos países que mais contribuem com a manutenção da UNESCO.

A IFLA, por sua vez, não integrou o português como língua oficial. Quase 300 milhões de pessoas no mundo não têm sua língua reconhecida como importante no âmbito de uma entidade que lida e atua com aspectos da Biblioteconomia no mundo. A escolha de línguas oficiais de uma organização mundial possui apenas uma motivação administrativa? Ou será que pretende apenas dar um retorno para as línguas dos países que, em maior grau, financiam a existência dela? Se nem mesmo nossa língua é considerada, o que dizer dos nossos interesses.

Não basta dizer que o documento lida com o ideal, com o que devemos alcançar. Essa é uma forma de pensar e entender o Manifesto. Mas, devemos incluir - e isso deveria ser alertado pelo próprio documento - nossos interesses. Por que não criar um documento nosso, brasileiro, com base no Manifesto da IFLA/UNESCO, incluindo o que vivemos, as exigências informacionais do nosso país? Quem sabe não apenas um documento brasileiro?

As áreas da Biblioteconomia e da Ciência da Informação também reproduzem a desconsideração das produções oriundas dos países subdesenvolvidos ou em desenvolvimento. Não têm, estes últimos, o que contribuir para as concepções formuladas, determinadas e impostas pelos primeiros? Nós, subservientes, copiamos, sem adequações, um pensamento da área que não é nosso. Lembro, ainda quando professor da ECA/USP, de acompanhar o lançamento de uma revista (Third World Libraries) assinada pela biblioteca. Li o editorial do primeiro número e a devolvi sem ler o resto e sem nunca mais a emprestar: eles se propunham a nos mostrar como deveria ser uma biblioteca e para nós restava aceitar e seguir os ensinamentos apresentados por eles.

Precisamos de um pensar ibero-americano, ou melhor, ibero-latinoamericano e sua construção passa por respeitarmos e valorizarmos as ideias geradas por pensadores e profissionais desses países; precisamos também mudar nossos focos e olhares, apontando para as nossas necessidades, nossos interesses, nossos desejos e não meramente copiarmos e reproduzirmos olhares calcados em outras motivações; precisamos construir nossos Manifestos, nossas Declarações. Podemos, talvez, ampliar esse espaço ibero-latinoamericano e convidarmos nossos colegas da África que possuem problemas semelhantes e necessitam, como nós, de um pensamento que busque o protagonismo de nossos países na área da Biblioteconomia e da Ciência da Informação.


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OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.