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LYDIA DE QUEIROZ SAMBAQUY E A PROFISSÃO BIBLIOTECÁRIA: UMA MENSAGEM DO “TÚNEL DO TEMPO” DA BIBLIOTECONOMIA

Ao consultar meus arquivos, reencontrei alguns números da publicação IBBD boletim informativo. Publicação editada pelo Instituto Brasileiro de Bibliografia e Documentação (atual Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia – IBICT), que é um órgão inicialmente concebido, nos anos de 1950, para capitalizar recursos bibliográficos de diversas origens e naturezas para uso da comunidade científica brasileira.

Sua constituição, foi resultado do esforço de algumas pessoas, em especial, de sua presidenta, no período de 1954-1965, a bibliotecária Lydia de Queiroz Sambaquy (1913 – 2006). A biografia dessa profissional é um exemplo inspirador para as atuais gerações, por aliar o ideal de profissão com a construção de um serviço de informação orientado ao desenvolvimento social e científico do país. Graduada em Biblioteconomia pelo curso da Biblioteca Nacional (1938) e pelo curso da Columbia University (1942). Ela exerceu diversos cargos, como: Chefe do serviço de intercambio de catalogação da Fundação Getúlio Vargas – FGV (1937/1953); Bibliotecária do Ministério de Educação e Saúde (1941/1943); Vice-presidente da International Federation for Information and DocumentationFID (1959/1962). Também foi professora de catalogação e classificação, no curso da Biblioteca Nacional (1945/1954).

Os links ativados, documentam a sua competência e realçam a sua dedicação à atividade bibliotecária; bem como a consolidação da atividade no âmbito social e científico brasileiro. Para exemplificar esse seu comprometimento, recuperei mensagem dedicada aos bibliotecários, que se mostra bem atual, mesmo transcorrido 66 anos de sua publicação no boletim do IBBD. Considero oportuna a viagem ao “túnel do tempo” da Biblioteconomia brasileira, para resgatar palavras que tecem uma perspectiva de possibilidades e de valorização da nossa atividade; acrescida do valor das bibliotecas. Segundo Sambaquy:

“A profissão de bibliotecário, embora ainda não plenamente valorizada entre nós, oferece oportunidades magníficas de trabalho. Todas as tarefas do bibliotecário são ricas em experiências novas, possibilitam as mais variadas iniciativas, são instrutivas, interessantes e, até mesmo, sedutoras.

As tarefas do bibliotecário têm muito em comum com as do professor e com as do pesquisador. O seu campo de ação é amplo e variado. Tão amplo e variado como a Cultura Humana. Isto porque, ao contrário do que muitos imaginam, o bibliotecário não é somente aquele que adquire livros, que os põe em ordem e faz com que sejam lidos ou consultados.

A missão do bibliotecário, em todos os tempos, tem sido muito mais ampla e complexa. Naturalmente, para adquirir livros e fazer com que as coleções reunidas prestem serviços – informando, educando, o bibliotecário, obrigatoriamente, deve ser um conhecedor dos livros que adquire, e, para bem conhece-los, é mister que também conheça, perfeitamente, a matéria sobre que tratam.

Antigamente, o verdadeiro bibliotecário era sempre um erudito, pessoa de conhecimentos enciclopédicos. Isso, quando um só individuo podia dominar os conhecimentos humanos. Hoje, o conhecimento está tão diferenciado, tão ampliado em todos os ângulos, que a erudição do bibliotecário vem cedendo lugar à sua especialização. Pouco a pouco, vem surgindo o bibliotecário vem cedendo lugar à sua especialização.

Pouco a pouco, vem surgindo o bibliotecário para as Bibliotecas Médicas, versado em literatura médica e nos recursos para a pesquisa bibliográfica em medicina; o bibliotecário que se dedica às Ciências Naturais e que aprende a conhecer todas as exigências próprias das bibliotecas de Museus de História Natural, bem como as características da pesquisa bibliográfica nesse setor do conhecimento; o bibliotecário que prefere estudar tudo sobre artes plásticas, a fim de ser capaz de identificar todos os processos de gravura e de classificar as obras de arte pelas diferentes escolas etc.; o bibliotecário que se dedica, exclusivamente, à Música e que sabe determinar a origem das mais singelas melodias; o bibliotecário que prefere penetrar no tempo e no espaço, trazendo a atenção dos historiadores os documentos bibliográficos do passado, para servirem aos conhecimentos atuais e futuros; outros há que se deixam seduzir pela ciência ou pela tecnologia e estão desenvolvendo sistemas perfeitos de informações sobre os conhecimentos recém-adquiridos nos laboratórios de pesquisa dos centros de investigação científica e tecnologia, das Universidades e das Empresas Industriais.

As Ciências Sociais, na multiplicidade de seus aspectos, criam, dia a dia, novas bibliotecas que recrutam grande número de bibliotecários especializados em direito, estatística, educação, assistência social, comércio, comunicações etc. As Belas Artes conquistam também numerosos bibliotecários. Outros preferem dedicar-se não a setor especializado do conhecimento, mas a uma das inúmeras feições com que pode apresentar o trabalho bibliotecário: serviço com crianças, com adolescentes, com adultos, com cegos. Uns escolhem a Biblioteca Pública que, como sabemos é a biblioteca da cidade, a universidade do povo em geral. Outros preferem as Bibliotecas de Escola Primária, Secundárias ou Universitárias. Alguns dedicam-se às científicas. Todas essas bibliotecas têm feição própria de trabalho, atividades diferentes e objetivos perfeitamente caracterizados.

Assim, têm os bibliotecários possibilidade de optar, dentro de sua carreira, pelas mais variadas atividades, que estão condicionadas às mais variadas tendências e à mais diferenciada formação cultural.

Além do privilégio de poderem optar pela especialização, ou pelo tipo de biblioteca em que desejam trabalhar, atendendo à sua própria vocação e à sua formação cultural, o bibliotecário brasileiro tem ainda outros privilégios, igualmente importante, qual seja o de trabalhar como verdadeiro pioneiro em seu campo de atividade.

Cada bibliotecário que se forma em um dos dez cursos e escolas de biblioteconomia existentes no país está destinado a organizar serviços, montar bibliotecas, motivar o hábito de leitura e o uso das bibliotecas, criar serviços de informação, compor coleções bibliográficas etc., enfim, cabe-lhe começar tudo, partindo exatamente do princípio.

Os bibliotecários europeus e norte-americanos recém-formados são herdeiros de patrimônios bibliográficos magníficos, que já se encontram sob os cuidados de equipes perfeitamente treinadas, às quais foram transmitidas numerosas tradições e vasta experiência.

Portanto, os jovens bibliotecários serão neófitos no ofício, sujeitos à orientação dos mais velhos, e longo tempo verão decorrer antes de lhes serem confiados a direção e orientação de serviços. Entretanto, os bibliotecários brasileiros, recém-formados em sua maioria, encontram-se imediatamente diante de uma situação peculiar: serviços por organizar, coleções bibliográficas deficientes e desatualizadas, incompreensão, absoluta falta de recursos, mas, em compensação, não lhes faltam oportunidades para organizar, dirigir, reformar.

Geralmente, no Brasil, encontram os novos bibliotecários oportunidades magníficas para iniciar trabalho, que poderá ser feito com independência, com autonomia, dentro de normas modernas e eficientes, livres de tradições e preconceitos que delimitem a iniciativa de cada um. Cabe-lhes, pois, enorme responsabilidade, como também grande é a responsabilidade que cabe a seus professores e aos cursos que os diplomaram.

Um dos aspectos mais interessantes da Biblioteconomia moderna é a cooperação que, atualmente, une as bibliotecas, fazendo com que o trabalho de cada um seja extremamente facilitado e extraordinariamente valorizado.

O bibliotecário moderno sabe que não pode mais trabalhar isoladamente. Por mais ricas que sejam as coleções bibliográficas, ainda muito lhes faltará que, entretanto, será facilmente obtido em uma outra biblioteca da mesma instituição, da mesma cidade, do mesmo país e, até mesmo, do estrangeiro.

Nenhuma biblioteca, por mais bem dotada que seja em recursos financeiros, bibliográficos e em pessoal, deixará de lucrar extraordinariamente ao integrar-se em um sistema de perfeita colaboração com outras bibliotecas.

A experiência já demonstrou amplamente quão excelentes são os planos de aquisição em conjunto, evitando cada biblioteca adquirir aquilo que, facilmente, possa ser encontrado em outras bibliotecas; já ficou evidenciado o magnifico auxílio que presta às bibliotecas a catalogação cooperativa; e a utilização de catálogos coletivos, bem como o empréstimo-entre-bibliotecas ampliam a capacidade de servir de cada uma em particular e de todas em geral.

O bibliotecário de hoje sabe como é preciosa a colaboração que sua biblioteca poderá prestar às demais bibliotecas e como será valiosa para os seus trabalhos a cooperação que dessas poderá receber. Por isso o bibliotecário, ao preparar-se para cumprir o seu lema – servir, não pode esquecer que lhe compete, como atribuição fundamental, servir não somente aos estudiosos que procuram a sua biblioteca diretamente, mas ainda a todos aqueles que, por qualquer motivo, recorrem à sua biblioteca por intermédio de outras bibliotecas.

É preciso que o bibliotecário compreenda não somente o valor da cooperação mútua, mas que, sobretudo, se prepare para desenvolve-la, pois que a cooperação exige, naturalmente, muita concessão e até mesmo, sacrifícios. Concessões a respeito de pontos de vista sobre assuntos técnicos, sacrifícios em relação à maior quota de trabalhos que deverão desenvolver. Os resultados, porém, excedem às expectativas. Unidas as bibliotecas, unidos os bibliotecários, fortalecidos em sua capacidade de servir, ampliam o prestígio de seus serviços e estendem o benefício dos seus trabalhos, que obtêm, assim, os melhores resultados.

Outro aspecto da Biblioteconomia que merece reparo é o fato de que os bibliotecários, atualmente, sofrem o impacto direto de fabulosa evolução científica e tecnológica, que se vem processando no mundo com uma rapidez vertiginosa. Essa evolução influiu, naturalmente, na produção bibliográfica mundial, criou novas formas de documentação e colocou o bibliotecário diante de sérios dilemas, em relação a novas técnicas de registro e seleção bibliográfica, a fim de que possa continuar a dominar a literatura mundial, mesmo em setores altamente especializados.

Diante do volume extraordinário de novas publicações, livros, periódicos, e da documentação não publicada, relatórios científicos não impressos e de distribuição restrita, os bibliotecários viram-se impossibilitados de, pelos métodos tradicionais, conseguir registrar, catalogar, classificar e arrumar as publicações e informações recebidas, para, oportunamente, utilizá-las de maneira rápida e eficiente em benefício dos interessados.

Desde o começo do século, vêm surgindo em cena engenheiros, físicos, químicos e especialistas de outras ciências e de variadas técnicas, que, desesperados com a incapacidade de os bibliotecários informarem de maneira rápida, perfeita e econômica, deixam seus laboratórios, suas pesquisas e seus trabalhos para tentar ordenar a documentação de que precisam. Milhares de revistas são compulsadas diariamente e um número sem fim de fichas e anotações nascem de suas páginas.

São compiladas centenas de índices e abstracts que crescem assustadoramente e se transformam em volumes colossais. Os mais engenhosos lembraram-se de colocar máquinas a serviço da bibliografia e das informações científicas e tecnológicas. Surgiu, assim, a bibliografia mecanizada. Máquinas elétricas, máquinas eletrônicas estão, atualmente, sendo experimentadas para substituir os catálogos e registros usuais, cuja elaboração demorada e crescimento excessivo exigem solução imediata. Surgiram, assim, os centros de documentação e informação bibliográfica, como uma nova feição do serviço bibliotecário.

Atualmente, já esses profissionais estão alertas e conscientes da necessidade de promoverem uma revisão completa de seus sistemas de trabalho, na organização de suas bibliotecas, na interpretação dos objetivos dos seus serviços. Sabem que a função da Biblioteca evoluiu no tempo, passando sucessivamente, de museu, arquivo e depósito de livros, a centros de erudição e de difusão cultural, a escola ativa, para todas as idades e para todas as classes, sem distinção e preconceitos, e que, presentemente, teve de ampliar ainda mais as suas atividades para atender à informação científica e tecnológica, que deve ser feita de maneira pronta, atualizada e absolutamente completa.

Sob o ponto de vista cultural e científico, marchamos, a passos largos, para um mundo só, sem barreiras ou fronteiras, interessado, por inteiro, em novas descobertas, em novas soluções para antigos problemas, em novas invenções, em novos sistemas, desejando conhecer as novas experiências, as diferentes teorias, enfim, tendo necessidade absoluta de fácil e permanente comunicação de idéias entre os mesmos grupos intelectuais, ou entre os diferentes grupos e níveis intelectuais de um mesmo país, e entre os mesmos grupos intelectuais de diferentes países.

Surgem os trabalhos científicos em conjunto, a pesquisa científica feita em colaboração. Movimentam-se congressistas e conferencistas percorrendo todo o mundo, levando informações, difundindo conhecimentos, colaborando para a incentivação de pesquisa científica e tecnológica. A indústria, na necessidade de disputar mercados em âmbito internacional, obriga-se a um aperfeiçoamento contínuo para o qual é indispensável a informação científica, completa e atualizada.

Cabe à biblioteca cuidar que a comunicação de idéia seja facilitada e que todos obtenham as informações que desejem. Para isso, as bibliotecas deixaram os palácios e mosteiros que as abrigavam, para penetrar no lar do homem comum, para ser a peça imprescindível de todas as instituições, para participar intimamente da vida da escola primária, secundária, universitária, das entidades culturais de todos os feitios, das instituições de pesquisa e, agora, também, das emprêsas industriais e comerciais.

Haja bibliotecários. Bibliotecários devidamente treinados e perfeitamente esclarecidos, pois que a necessidade dos seus serviços é imensa. São necessários bibliotecários que sirvam como mestres à infância e à juventude. Que sejam capazes de orientar a leitura de todas as classes, desde o operário, o lavrador ao técnico, ao especialista. Que tenham amor à educação e façam da divulgação cultural o motivo de suas vidas. Que sirvam à ciência e à tecnologia com dedicação, entusiasmo e eficiência”.

Com as palavras de Sambaquy, dedicadas à profissão, possamos refletir sobre o atual momento profissional, e as possibilidades futuras da Biblioteconomia brasileira. Enfim, felicitar a todas e todos os bibliotecários pela nossa data.

Indicação de leitura:

Sambaquy, L. Q. A profissão de bibliotecário. IBBD Boletim informativo, Rio de Janeiro, v. 2, n. 6, p. 335-39, nov./dez. 1956.

Oddone, N. O IBBD e a informação científica: uma perspectiva histórica para a ciência da informação no Brasil. Ci. Inf., Brasília, v. 35, n. 1, p. 45-56, jan./abr. 2006. https://www.scielo.br/j/ci/a/xVVrwC595rhNvmF3pqXCghD/?lang=pt

Mulheres da Ciência da Informação: Lydia de Queiroz Sambaquy. IBICT. PPGCI. http://50.ppgci.ibict.br/mulher/lydia-de-queiroz-sambaquy/

Nascimento, C. As contribuições de Lydia de Queiroz Sambaquy para a Biblioteconomia. Biblioo, 20 de fevereiro de 2022. https://biblioo.info/as-contribuicoes-de-lydia-de-queiroz-sambaquy-para-a-biblioteconomia/  


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.