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BIBLIOTECÁRIOS DE CATALOGAÇÃO ORIENTADOS A OBJETOS DO PATRIMÔNIO DE MEMÓRIA: O LRMOO

Em agosto de 2017, a IFLA aprovou o padrão Library Reference Model (LRM). Esse modelo integra e sucede ao FRBR, FRAD e FRSAD. Anteriormente, em 2016, a própria IFLA promovia o padrão FRBRoo (Conceptual Model for Bibliographic Information in Object Oriented), versão 2.4, refletindo os três modelos citados,  baseados no conceito “Entidade e Relacionamento” (E/R).

Esse modelo, aliás, é uma ontologia que captura e representa a semântica implícita da informação bibliográfica. E, desta forma, facilita a integração, mediação, e intercâmbio de informações bibliográficas com as museológicas. Essa relação é necessária para o desenvolvimento de sistemas interoperáveis entre os campos, e que atendam aos usuários interessados em acessar conteúdos em comuns ou inter-relacionados.

De forma independente, o modelo CIDOC CRM (Conceptual Reference Model) tem sido desenvolvido, desde 1996, sob apoio do ICOM-CIDOC (International Council for Museums — International Committee on Documentation — Documentation Standards Working Group). O modelo foi adotado como norma ISO. Teve sua última atualização em 2014 (como ISO 21127:2006). Sendo atualizado em 2022, com a versão 7.1.2, que também modificou a norma ISO 21127 (Information and Documentation – uma referência para o intercâmbio de informações relativas ao patrimônio cultural). A constante alteração e ajustes dos modelos, sinalizam para a preocupação com o tratamento dos objetos culturais e bibliográficos.

É salientado que a finalidade no desenvolvimento do LRMoo não é, apenas, transformá-lo em algo conceitualmente diferente, mas expressar a conceituação da família FR, agora LRM, dentro da metodologia “orientada a objetos”, em vez da metodologia “entidade-relacionamento”.

Neste sentido, objetiva-se um senso comum sobre as informações do patrimônio cultural com relação à modelagem, padrões, recomendações e práticas. Bibliotecas e Museus são instituições de memória ambas se esforçam para preservar as informações e os objetos de patrimônio cultural.

Muitas vezes compartilham os mesmos usuários. Além disso, a fronteira entre eles é por vezes tênue: as bibliotecas guardam uma série de objetos de museu, e esses, guardam uma série de objetos de biblioteca. Portanto, compartilham um terreno em comum, que podem explorar.

Ademais, os objetos existentes de patrimônio cultural, em ambas as instituições, foram criados no mesmo contexto ou período cultural, às vezes pelos mesmos agentes. Fornecem, assim, evidências de características culturais comparáveis. Parece, pois, adequado construir uma conceitualização comum de informação recolhida, por essas organizações.

Acrescente-se que o principal papel do CRM é permitir a troca de informações e a integração entre fontes heterogêneas de informações do patrimônio cultural. Ele visa fornecer as definições e esclarecimentos semânticos necessários para transformar, fontes de informação díspares e localizadas, em um recurso global coerente, seja dentro de uma instituição maior, em intranets ou na Internet.

Neste cenário, temos em desenvolvimento, a partir do FRBRoo, o padrão LRMoo, que preserva deliberações adotadas pelo LRM. Dá sequência à influência e aos ciclos de desenvolvimento, entre os modelos. Em fevereiro de 2023, foi publicizado a versão 0.9.3, uma edição denominada: LRMoo (formerly FRBRoo): object-oriented definition and mapping from IFLA LRM.

Essa edição, preliminar, foi preparada pelo IFLA LRMoo Working Group with the CIDOC CRM Special Interest Group. Ressalte-se, que o documento não foi liberado para revisão formal, em nível mundial. A edição divulgada busca colher sugestões e comentários que subsidiem discussões, em andamento, de avaliação e ajustamento do modelo, para versões mais consistentes, sobre as classes e propriedades de entidades, incluídas no mapeamento de intercâmbio entre o LRMoo e o CIDOC CRMoo.

É esperada, após revisão global, que um documento seja encaminhado para a aprovação pelo CIDOC CRM SIG e o IFLA Bibliographic Conceptual Models Review Group. E, desta forma, aprovado como padrão IFLA.

Aos bibliotecários de catalogação e metadados, abrem-se novas alternativas para o desenvolvimento de projetos relacionados à organização e tratamento de objetos do patrimônio cultural.

Possibilitam-se ações cooperativas entre museus e bibliotecas, por meio de uma linguagem modelada para o registro de objetos informacionais e de memória, existentes nestes ambientes. A “Cooperação” é o termo chave, no empreendimento entre as áreas.

É, neste aspecto, que o LRMoo se desenvolve. Tais procedimentos expressam, também, conceitos tratados pelo IFLA LRM. E sinaliza aos bibliotecários de catalogação, a necessidade de uma releitura dos documentos, mais aprofundada, para acompanhar os desdobramentos, promovidos pelo LRMoo.

Embora a estrutura apresentada pelo LRMoo, pareça uma extensão estrita do CIDOC CRM. Até por sua implementação depender do uso de classes e propriedades chaves do CRM.

Entretanto, é observado que o LRMoo se expande com o IFLA LRM, em algumas áreas limitadas. Essa limitação inclui o não refinamento para determinados tipos de recursos informacionais.

Enquanto o FRBRoo teve algumas de suas propriedades, modeladas em detalhe, como: “desempenho” (performing) e “registro de desempenho” (recording of performences); esse detalhamento, gerou uma estrutura extensa e complexa, composta de: 48 classes e 72 propriedades. Essa situação indicou, ao Grupo de Trabalho, estabelecer um “core” do modelo FRBRoo.

Assim, na edição preliminar do LRMoo, é salientado que algumas classes e propriedades, indicadas no FRBRoo (versão 2.4), destinavam-se à transição para outros modelos da família CRM.

O documento LRMoo mantém as indicações existentes do FRBRoo, com detalhamento mínimo para consistência e oferecendo um direcionamento de transição aos interessados na implementação, até que o modelo ganhe estabilidade.

Cita-se a vinculação com o modelo PRESSoo, no que confere, por exemplo, a classe “F18 Obra Seriada” (Serial Work) e sua propriedade “R11 possui regra de emissão (é regra de emissão)” [has issuing rule (is issuing rules of)]. O exemplo citado destaca que a classe F18 deve ser implementada apenas em conjunto com o modelo PRESSoo. Nesta perspectiva, também é comentado que várias classes e propriedades são destinadas ao modelo CRMsoc, estabelecido para fenômenos sociais.

Sobre o PRESSoo, trata-se de ontologia formal destinada a capturar e representar a semântica implícita à informação bibliográfica, sobre recursos contínuos e, mais especificamente, sobre periódicos (jornais e revistas). O modelo é uma extensão do FRBRoo, que por sua vez é uma extensão do CIDOC CRM.  

O FRBRoo é uma ontologia da semântica da informação bibliográfica. Já, em relação aos recursos contínuos, o modelo não entra em todos os detalhes específicos exigidos para a descrição destes. A descrição não reflete apenas as características sobre os recursos contínuos existentes, mas também, sobre o mesmo, enquanto estiver sendo publicado, e as características esperadas do seu comportamento futuro.

Quanto ao CRMsoc, pode ser usado para descrever características de indivíduos ou de grupos em relação às suas transações econômicas, direitos e deveres, fatos históricos e descrição de planos. Como uma estrutura conceitual de alto nível para integração de dados, tanto o CIDOC CRM, quanto a extensão CRMsoc devem fornecer interoperabilidade de modelos existentes dedicados a subdomínios históricos específicos (por exemplo: história política, intelectual, social e econômica)

É, portanto, uma ontologia estruturada para integrar dados sobre fenômenos sociais e construtos que são de interesse nas ciências humanas e sociais com base na análise de evidências documentais.

Certamente, não há como tratar, aqui, sobre todo o detalhe do LRMoo, mas pode-se destacar uma visão geral do modelo. Modelo este que declara 15 classes e 35 propriedades, além das utilizadas pelo CIDOC CRM. Em comparação, o IFLA LRM possui 11 entidades, 37 atributos e 36 relacionamentos.

O núcleo do modelo são as classes WEMI (Obra, Expressão, Manifestação, Item), que foram definidas pela primeira vez, no FRBR, e os relacionamentos que as unem.

Sendo um modelo orientado a objetos, o LRMoo traz os eventos que resultam na criação de instâncias das classes WEMI, usando as classes de criação específicas, que são vinculadas às classes WEMI, por propriedades específicas.

Essas classes de criação são subclasses, das classes CIDOC CRM. Por exemplo: “E65 Criação” (Creation), ou “E12 Produção” (Production) e, por sua vez, ambas as classes são subclasses da classe “E7 Atividade” (Activity).

Como as instâncias de “E39 Ator” (Actor), para o qual a entidade IFLA LRM, “E6 Agente” (Agent) é mapeada; podem se relacionar com a instância “P14i transportar em” (carry out) de “E7 Atividade”. Assim, um agente pode ser vinculado à criação ou modificação de qualquer instância WEMI.

Isso é ilustrado na Figura 01. O que não está ilustrado na figura, é que qualquer “E7 Atividade” também pode ser vinculada a uma instância específica de “E52 Lugar” (Place), ou “E53 Intervalo de tempo” (Time-span).


Saliente-se que, a classe “F27 Criação da Obra”, no LRMoo, compreende atividades pelas quais as instâncias de “F1 Obra” passam a existir e servir para documentar o período em que uma obra estava surgindo, e as circunstâncias dela, quando conhecidas.

Em muitos casos, a “Criação da Obra” coincide com a existência da primeira expressão completa, conhecida dessa obra. Essa abordagem está mais próxima do IFLA LRM, que modela os resultados dos processos de criação.

Essa mesma abordagem também é usada em “F28 Criação da Expressão” (Expression Creation), que compreende atividades que resultam na existência de instâncias de “F2 Expressão”.

Uma instância de expressão é considerada criada, quando é capturada em um suporte diferente do cérebro do criador. A criação de uma instância de expressão coincide com a criação da primeira instância de “F3 Manifestação”, que “R4 incorpora (está incorporado em)” [embodies (is embodied in)], que é instância de expressão.

A breve descrição apresentada, sobre o LRMoo e sua relação com outros modelos, como o CIDOC CRM, indica aos bibliotecários de catalogação, a ideia de que as comunidades de bibliotecas e de museus podem se beneficiar da harmonização de seus respectivos modelos.

Intenção, aliás expressa, pela primeira vez, em 2000, por ocasião do 24º Seminário de Sistemas de Bibliotecas do ELAG (European Library Automation Group), realizado em Paris.

Esse evento levou à formação, em 2003, do Grupo de Trabalho Internacional sobre Harmonização FRBR/CIDOC CRM, reunindo representantes de ambas as comunidades com os objetivos de:

  1. Expressar o modelo IFLA FRBR com os conceitos, ferramentas, mecanismos, e convenções de notação fornecidas pelo CIDOC CRM, e
  2. Alinhar (e até fundir) os dois modelos orientados a objetos assim obtidos.

A versão 1.0 do FRBRoo foi aprovada e lançada em janeiro de 2010. Esse modelo cobria as entidades e conceitos do FRBR. Incluía um apêndice sobre a criação de identificadores.

Nas reuniões posteriores estendeu-se o modelo para abranger as versões publicadas dos modelos: FRAD (“Requisitos Funcionais para Dados de Autoridade”) e FRSAD (“Requisitos Funcionais para Dados de Autoridades de Assuntos”). Portanto, hoje, o LRMoo é o atual resultado da busca desta expansão dos modelos bibliográficos. E, tudo indica que seguirá se expandindo, na direção de interações com outras comunidades de informação.

Como frisado, ao longo do texto, bibliotecários e museólogos podem trabalhar cooperativamente, na expansão de novos horizontes sociais para os seus ativos de memória, ampliando as perspectivas da população no acesso e uso de seus patrimônios culturais.

Indicação de leitura:

IFLA LRMoo Working Group with the CIDOC CRM Special Interest Group. LRMoo (formerly FRBRoo) object-oriented definition and mapping from IFLA LRM: Draft version 0.9.3.  CIDOC CRM, February 2023. Disponível em: https://www.cidoc-crm.org/ModelVersion/version-0.9.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.