BIBLIOTECÁRIOS E A SEMÂNTICA PARA OBRAS RARAS
Tema sensível aos bibliotecários de catalogação é o que trata das obras raras. Aquelas impressas antes de 1500. Também às publicações que tenham sido apreendidas, suspensas ou recolhidas. Que sejam edições esgotadas ou tenham características do tipo: clandestinas, limitadas, iniciais, especiais de luxo para bibliófilos.
Considera-se, ainda, a última edição do autor publicada em vida ou que seja numerada e autografada por ele, ou, também, obras com assinaturas dos proprietários (pessoas ilustres); primeira obra impressa em cada lugar; obras com anotações manuscritas de importância.
Em geral, obras raras estão contempladas na categoria de coleções especiais, situadas nos acervos bibliográficos. São o tipo de materiais que requerem segurança e serviços especializados, para consulta do usuário.
Entretanto, coleções especiais são encontradas em distintas organizações, que incluem bibliotecas de pesquisa, universitárias, escolares, públicas, nacionais; museus, galerias de arte, arquivos, centros de estudos históricos, igrejas e mosteiros, sociedades científicas, hospitais e empresas.
Rodrigues, em artigo sobre o tema, destaca que o critério de raridade, adotado pelas bibliotecas, se vincula à ideia de antiguidade e valor histórico-cultural. No princípio de que livros publicados de forma artesanal podem ser considerados raros. E que, na atualidade, não há uma política nacional orientativa para identificar e qualificar acervos raros. Cabe às instituições elaborarem os próprios procedimentos e critérios de raridade, em geral, baseados em experiências de outras instituições, como as adotadas pela Fundação Biblioteca Nacional do Brasil.
Ressalte-se, que um dos primeiros a defender a reunião de uma coleção de obras raras foi o professor de literatura da Universidade de Yale, Chauncey Brewster Tinker (1876 – 1963), em 1924. Nos anos de 1930, manifesta-se na comunidade de bibliotecários norte-americanos a preocupação das pequenas bibliotecas, de poucos recursos, se deveriam manter ou constituir coleções de raros.
A defesa por esse modelo de coleção, se baseia na melhoria pedagógica, relacionada à “história do livro”, na obtenção de fundos e no acesso acadêmico a materiais especializados. No entanto, discussões sobre crescimento e gestão destas coleções raramente apareciam na literatura relativa à curadoria ou desenvolvimento de coleções.
Na realidade, mesmo hoje, há poucos estudos sobre a estrutura, financiamento e experiências no tratamento de coleções de raros, em bibliotecas. Instituições que trabalham com esses acervos são únicas, por administrar um conjunto bibliográfico de materiais exclusivos.
Diferentemente de outros países, o Brasil não possui uma entidade associativa específica, que reúna bibliotecários especialistas e que trate da questão dos livros raros. Apesar de tentativas nesse sentido. Entretanto, há muitas bibliotecas que possuem acervos raros relevantes. É o caso da BN que mantém o Plano Nacional de Recuperação de Obras Raras – PLANOR, desde 1983, com objetivo de identificar e recuperar obras raras existentes, não só na Biblioteca Nacional, como em outras instituições e acervos bibliográficos do país. Participa ainda, da Associação de Bibliotecas Nacionais da Ibero América (ABINIA), fundada no México em 1989, como um fórum inter-regional que reúne as 22 Bibliotecas Nacionais da Ibero América.
Além deste apoio, bibliotecários de catalogação que, em suas funções, incluam o tratamento de obras raras ou curadoria de coleções especiais, e necessitem capacitação ou acesso à suporte de diretrizes descritivas especializadas, podem consultar as fontes dedicadas ao assunto.
Neste aspecto, cita-se o site de raros e manuscritos da Rare Books and Manuscripts Section (RBMS) da Association of College and Research Libraries (ACRL), uma divisão da American Library Association (ALA). A entidade representa e promove os interesses dos bibliotecários que trabalham com esses materiais e outros tipos de coleções especiais.
No site é fornecido o guia intitulado “Your Old Books” para informações básicas e referências. Aborda-se questões sobre livros raros e antigos e seus valores. Porém, as respostas são genéricas. O apêndice on-line do documento lista outros recursos para mais informações. Pode ser útil aos profissionais e estudantes que se iniciam com o tema.
Ainda no site, encontra-se disponível recursos para a catalogação descritiva de materiais raros, como:
- DCRM(S): catalogação descritiva de materiais raros (seriados): fornece instruções para catalogar folhetins impressos cuja raridade, valor ou interesse tornam a descrição necessária. baseia-se na Descriptive Cataloging of Rare Materials (Books) (DCRM(B)), no AACR2, na ISBD(A): International Standard Bibliographic Description for Older Monographic Publications (Antiquarian), Segunda Edição Revisada de 1991, no CONSER Cataloging Manual (CCM) e no CONSER Editing Guide (CEG). É complementado por exemplos para acompanhar a catalogação descritiva.
- DCRM(M): catalogação descritiva de materiais raros (música): seu objetivo inicial foi tratar a música impressa antiga (desde 1501). Posteriormente, ampliou a cobertura para outras formas de publicação de música "histórica", incluindo gravura e litografia. Na sequência adicionou músicas manuscritas, a partir de 1600. Nesse contexto, abrange músicas enquadrada no escopo do formato MARC 21 Música (Líder/06 codificado c ou d), ou seja, música impressa ou anotada manuscrita em formato de partitura.
- DCRM(MSS): catalogação descritiva de materiais raros (manuscritos): abrange manuscritos impressos, microfilme ou formatos digitais. Não cobre músicas, mapas ou gráficos manuscritos, cobertos por outros manuais DCRM. É uma normativa baseada no padrão de catalogação Describing Archives: A Content Standard (DACS). Posteriormente, pela necessidade de mais orientação sobre a catalogação de manuscritos, buscou suporte em um padrão que unisse estruturas da ISBD (International Standard Bibliographic Description), do DCRM e da ISAD(G): General International Standard Archival Description do DACS. Na atualidade, sustentada por grupo de trabalho, acrescenta diretrizes também da Descriptive Cataloging of Ancient, Medieval, Renaissance, e Early Modern Manuscripts (AMREMM), Archives, Personal Papers and Manuscripts (APPM), e outros manuais que auxiliam na cobertura das questões levantadas para o tratamento de manuscritos.
- DCRM(G): catalogação descritiva de materiais raros (gráficos): as diretrizes excluem mapas, mas se destinam a catalogação de imagens estáticas, como gravuras, desenhos, fotografias, cartazes, cartões postais, anúncios pictóricos, desenhos animados, histórias em quadrinhos, retratos, paisagens, ilustrações de livros, imagens digitais etc. Utilizado para materiais de qualquer idade ou tipo de produção, publicação ou inéditos. Com a edição da RDA em 2010, mudanças foram tratadas pelo Comitê responsável por sua revisão.
- DCRM(C): catalogação descritiva de materiais raros (cartográfica): orientações para catalogação de cartográficos antigos e raros, em bibliotecas e outras instituições. Baseado no capítulo 3 do AACR2 e no Cartographic Materials: A Manual of Interpretation for AACR2, Second Edition (CM), preparado pelo Anglo-American Cataloguing Committee for Cartographic Materials. O uso do padrão elimina a necessidade de cada instituição desenvolver práticas locais para tratar obras cartográficas raras. Possibilita que instituições com coleções menores se beneficiem da sofisticada tradição de catalogação de materiais raros.
- DCRM(B): catalogação descritiva de materiais raros (livros): fornece diretrizes para catalogar livros ou monografias textuais impressas. Em edições anteriores, tratou das impressões precedentes a 1801. Na atualidade pode ser usado para monografias impressas de qualquer época. Também descreve qualquer monografia impressa, incluindo publicações de impressão automática, livros de artistas, livros de imprensa privada e outros materiais contemporâneos. Regras mais detalhadas do que o previsto na AACR2. No site, o manual é acompanhado de exemplos para catalogação de livros raros. A normativa possui uma tradução em espanhol, DCRM(B): catalogación descriptiva de materiales raros (libros), que é uma versão resumida, porém com ausência de alguns anexos. Não é tradução integral. Foi realizada como um documento de suporte ao trabalho realizado na descrição bibliográfica, pela Biblioteca Arata, Argentina, para o seu catálogo bibliográfico de raros.
- AMREMM: catalogação descritiva de manuscritos antigos, medievais, renascentistas e modernos: publicada pelo RBMS e ACRL, em 2003. AMREMM é suplemento da AACR2 e permite a criação de registros em MARC. As regras descritas definem as categorias de informações que uma descrição de manuscrito online deve conter e como esses registros devem ser implementados de acordo com o AACR2 e o ambiente MARC21. As características dos manuscritos pré-modernos exigem uma abordagem, historicamente informada, para sua catalogação e, assim, facilitar o rápido acesso às informações sobre eles. Diretrizes aplicadas a materiais manuscritos desde a Antiguidade até a Idade Média e do Renascimento e até o período moderno. As diretrizes são regidas pela natureza do material e seu método de produção. Aborda manuscritos vernáculos latinos e da Europa Ocidental. Pode acomodar, outras tradições de manuscritos, como grego, hebraico, copta, etíope, árabe etc.
- DCRMR: catalogação descritiva de materiais raros (Edição RDA): Normativa que contempla uma revisão do conjunto de manuais catalográficos de materiais raros que está alinhado aos elementos da RDA Toolkit. É um recurso integrador a ser atualizado regularmente, à medida que atualizações ocorram na RDA. Atualmente, inclui instruções apenas para livros raros, outras mais específicas para materiais cartográfico, gráficos, manuscritos, música e seriados, serão incorporados em futuras atualizações. Mudanças à medida que o Grupo Editorial RBMS RDA complete as diretrizes de redação.
Saliente-se que uma questão bastante complexa, do campo catalográfico, é o desenvolvimento e a manutenção de normas, padrões e protocolos. No âmbito dos materiais raros, há um conjunto de esforços, representado por:
- DCRM Steering Group: que faz uso de wiki público para documentar as suas atividades e os documentos de referência.
- BSC statement on DCRM and RDA: o Bibliographic Standards Committee trabalha a catalogação de materiais raros, sob declarações de política para RDA. Para detalhes ver DCRM RDA Revision.
- Roster of DCRM Editors: listagem dos editores e representantes de instituições responsáveis pelas várias publicações normativas sobre a catalogação descritiva de materiais raros, anteriormente citadas.
Destaque para a lista DCRM-L, que é dedicada à discussão da catalogação de materiais raros.
Neste breve enfoque, nota-se que novos cenários se abrem no contexto da descrição e acesso aos livros antigos e materiais raros. Há um conjunto de ferramentas normativas para uso adequado ao tratamento e disposição em catálogo.
De fato, pode-se vislumbrar como o catálogo, diante da ambiência digital e dos modelos conceituais (FRBR, FRAD, FRSAD, LRM), está mais integrado com a web semântica, o que reforça o seu papel de comunicação entre a coleção especial e o público.
Observa-se, na literatura, que nesta integração, reforça-se o interesse do usuário, conforme os Princípios Internacionais de Catalogação: ICP, que também são considerados válidos para obras raras (em geral depositadas em: arquivos, bibliotecas, museus). E, nesse ponto, bibliotecários de catalogação devem considerar como prioritários em seus processos catalográficos.
Indicação de leitura e de fonte de consulta:
Rodrigues, M. C. Como definir e identificar obras raras? Critérios adotados pela Biblioteca Central da Universidade de Caxias do Sul. Ci. Inf., vol. 35, n. 1, abr. 2006. Disponível em: https://www.scielo.br/j/ci/a/kjVbynXtsnhVZCcgnVPB6xH/
RBMS – Rare Books & Manuscripts Section Descriptive. Cataloging of Rare Materials. RBMS Web Team, c2015. Disponível em: https://rbms.info/