MATERIALIDADE DE LIVROS - II
Basicamente, materialidade é qualidade do que é
material, do que existe fisicamente, no caso, o livro como objeto, a simples
existência de um livro.
Impossível não associar o assunto à efemeridade
de alguns dos mais importantes livros relacionados à história do nosso país;
daqueles que fizeram história justamente por terem se transformado em cinzas
logo após o nascimento; daqueles que se materializaram no tempo graças à sua
ausência.
A Historia da prouincia sãcta Cruz de Pedro de
Magalhães Gândavo (Lisboa: na officina de Antonio Gonsalvez, anno de 1576) é um
exemplo de livro (ou melhor, panfleto) "desmaterializado", por sorte não
totalmente. O primeiro livro em português sobre o Brasil, em que o autor exalta
as riquezas da terra na tentativa de promover imigração e investimentos, se
tornou raro ao ser confiscado pelo governo português assim que veio à luz. Borba
de Moraes nos lembra que no século 19 ele já era considerado muito raro.
Estima-se que não haja 10 cópias hoje, todas em bibliotecas. Há também
características bibliográficas interessantes na Historia, pois as
aprovações/licenças no verso da página de rosto variam. A cópia da JCB, por
exemplo, possui uma terceira aprovação, de 4 de fevereiro de 1576, assinada por
Christovão de Matos, o que, segundo o bibliógrafo citado, a torna diferente das
cópias da Biblioteca Nacional do Brasil.
Ilustração do monstro Ipupiara visto na praia de São Vicente
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"Eu emprehendi
ordenar, e descrever hum Itinerario geografico, em que se incluissem os lemites
do governo de Saõ Paulo, e Minas, naõ só por persuaçam de algumas pessoas
curiosas, que dezejavaõ semelhantes noticias; mas para que se saibam os
incognitos espaços daquelle Paiz ..."
Pois era justamente a divulgação de um
segredo de Estado o que não interessava à Coroa Portuguesa. As palavras acima
foram transcritas a partir da introdução do Itinerario Geografico com a
verdadeira descripçaõ dos caminhos, estradas, rossas, citios, ... do Rio de
Janeiro atè as Minas do Ouro. Composto por Francisco Tavares de Brito. (Sevilha:
Na Officina de Antonio da Sylva, 1732). O Itinerario Geografico que, segundo
consta, não foi impresso em Sevilha e menos ainda por um impressor de nome
Antonio da Sylva, é um guia de viagem às minas de ouro do Brasil e nasceu sem
licenças. Sobre o ouro brasileiro dizem alguns historiadores modernos que ele
era de muito melhor qualidade do que o da América espanhola. Dizem também que,
por conta disso, Portugal era uma nação tão rica que por muitos e muitos anos
dispensou assembléias, conselhos, etc., uma vez que não precisava do apoio
financeiro de ninguém para governar. Como a Inglaterra controlava o comércio do
império luso-brasileiro, foi no final das contas outra grande beneficiada das
riquezas do nosso país. Confiscada a edição pelo governo na época, não se
encontra hoje facilmente cópia desse livrinho de 15 cm que deu trabalho ao
governo português (menos de 5 exemplares disponíveis hoje, segundo consta). Não
deve ter sido coincidência a publicação de uma alvará, no ano seguinte,
proibindo a abertura de novas trilhas às minas e o acesso sem prévia
autorização: Portugal. [Alvará (1733 Oct. 27)] Eu el rey faço saber aos que este
meu Alvarà em forma de ley virem: que sendo eu informado da desordem, com que
algumas pessoas no Estado do Brasil se intromettem a fazer picadas, e abrir
caminhos para as Minas. . . . (Lisboa, 1733).
Na próxima falaremos do Antonil, uma das mais caras
(em custo e em estima) aquisições da biblioteca nas últimas décadas. No que hoje
penso que será o quarto e último artigo da série, voltaremos à idéia original de
materialidade de livros e textos com um exemplo oficial brasileiro.
So
long!