OBRAS RARAS


MERCADO DE LIVROS RAROS: O QUE SE COLECIONA HOJE?

Não saberia dizer o que bibliotecas e colecionadores no Brasil têm interesse no momento com relação a livros raros. Nem mesmo sei dizer o quanto os assuntos variam, e de quanto em quanto tempo. Há, ainda, dificuldades enormes para aquisição desses itens normalmente caros por parte de bibliotecas, e os colecionadores... bem, esses sempre dão um jeitinho e aos poucos vão formando suas coleções. O que se vê mais comumente em bibliotecas no Brasil talvez ainda seja a formação de seções de livros raros a partir da transferência desses livros do acervo geral (muitas vezes em estantes com livre acesso) para uma seção separada. E assim o bibliotecário continua sua cruzada para provar que a decisão de pelo menos separar os raros dos ainda comuns é relevante para a preservação dessa parte do acervo e para a manutenção da memória do país, por exemplo. Comprar livro raro é muitas vezes sonho. Por isso às vezes me pergunto o que regula o mercado de livros raros brasileiros. Vou me informar melhor e fico devendo.

Quando o assunto livro raro surge a tendência geral é pensar em livros antigos, encadernações luxuosas, edições limitadas, assinadas, suprimidas, etc. Primeiras edições são também lembradas, se antigas. Quem imaginaria, pois, que o mercado de livros raros americano (e inglês) teve um boom na década de 90 com primeiras edições modernas? Modernas, aqui, significa do século 20.

A década de 90, além de trazer essa novidade, trouxe um aumento de preço do livro antigo desconhecido até então nos Estados Unidos. Se no passado os preços eram relativamente estáveis e os aumentos lentos (às vezes levava décadas para que o preço do livro dobrasse), esses últimos anos mostraram um preço inicial de venda já alto, e quando o colecionador vendia o livro por, digamos, cinco vezes mais do que o preço que o comprara, o livreiro, por sua vez, ainda o revendia pelo dobro.

Claro que a situação econômica americana favorável foi fator importante para essa mudança de mercado; afinal de contas, esse período é considerável como dos mais longos booms econômicos da história do país, quando mais pessoas tiveram mais dinheiro. E, outra novidade, os livros raros passaram a fazer parte da lista de investimentos dos ricos, lado a lado com ações, imóveis, arte, etc. Até Hollywood aderiu à moda de colecionar livros raros, cujos preços, no caso, podem variar de quinhentos a 4.500 dólares, em geral. Johnny Depp é colecionador, para citar um astro.

Um antiquário em Los Angeles resolveu inovar e manter uma lista com o nome de vários agentes e os aniversários de seus clientes importantes (muitos livros raros comprados em Hollywood são para presentear amigos). De vez em quando o livreiro telefona para o agente e diz: "dia tal é aniversário de fulano e ele tem interesse em livros policiais", por exemplo.

Outra mudança recente: a internet também teve seu papel de disseminadora rápida de informação. Ilustrarei essa frase com um exemplo dado recentemente pelo presidente da ABAA (Antiquarian Bookseller's Association of America), Ken Lopez. In 1992 ele publicou um primeiro catálogo temático de literatura rara sobre indígenas norteamericanos que foi muito bem recebido, principalmente por bibliotecas. Era assunto novo e as vendas superaram as expectativas, melhores do que as vendas feitas através dos outros catálogos mais gerais. Em 1994 ele publicou o segundo catálogo do gênero, e as vendas foram ainda melhores. Em 1997, quando a terceira edição dos catálogos estava ainda no prelo, ele enviou umas poucas cópias para os compradores mais fortes dos catálogos anteriores. As vendas foram tão grandes que foi preciso cancelar a publicação do terceiro catálogo. Em agosto do mesmo ano a quarta/terceira edição foi publicada. No primeiro dia após o envio dos catálogos o editor recebeu telefonema de um bibliotecário agradecidíssimo pelas informações super úteis sobre o tema, e que também disse ter encontrado dois terços daqueles livros na internet, por um terço do preço. Foi nesse momento que o editor em questão percebeu que as regras do jogo tinham mudado. A informação estava à disposição de muitos, de forma muito rápida.

Enfim, sobre o assunto há muito o que se falar, fora os assuntos correlatos. Num futuro próximo.

[Acabo de me lembrar que prometi um artigo sobre catalogação de livros raros].

So long.


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.