OBRAS RARAS


ALEXANDRE RODRIGUES FERREIRA EM RÁPIDO RISCADO

A beleza e a riqueza das terras brasileiras sempre despertaram interesse estrangeiro. As várias viagens realizadas ao Brasil por viajantes europeus, principalmente, visavam descrever pessoas, hábitos, fauna e flora nacionais, e seus responsáveis ficaram famosos pelas contribuições que deixaram para a Geologia, História Natural, Antropologia, Ciências, História, etc. Hans Staden, Jean de Léry, André Thevet, Theodor de Bry, Willem Piso and George Marcgraf, são alguns dos nomes que se imortalizaram.

A Coroa portuguesa, que tão eficiente foi nos anos mil e quinhentos no que diz respeito à navegação e exploração de outras terras, de alguma forma falhou na iniciativa de enviar os cientistas da época para conhecer melhor o Brasil. Foi somente no final do século 18 que isso realmente aconteceu, graças a um encadeamento de fatos. O Marquês de Pombal, poder supremo de Portugal de 1750 a 1777, levou muitas pessoas ao exílio com a expulsão dos jesuítas e sua reforma do ensino secundário. Apesar de outros indivíduos terem contribuído para a reforma econômica e científica de Portugal, é Sebastião José de Carvalho e Melo, o marquês citado (1699-1782), quem coloca as idéias em prática. Com isso, estrangeiros tiveram de ser contratados para ensinar, como foi o caso do italiano Domingos Vandelli (1735-1816), responsável pela cátedra de Filosofia Natural, ou Ciências Naturais, na Universidade de Coimbra, e mentor das Expedições Filosóficas à Angola, Moçambique, Cabo Verde e Brasil. Um de seus alunos, Alexandre Rodrigues Ferreira (1756-1815 ), viria a ser o naturalista indicado pela Corte para a expedição científica mais significativa realizada por um brasileiro no Brasil, em quase 40 mil quilômetros de terras (é também considerada a mais longa, com quase 10 anos de duração). Entre 1783 e 1792 ele visitou o Pará, parte da região Amazônica, e Mato Grosso, levando alguns livros de sua biblioteca particular, cozinha e laboratório portáteis, roupa de caça e pesca, além de remédios. Com ele, estavam os riscadores Joaquim José Codina e José Joaquim Freire (o primeiro morto no Brasil no final da viagem), e seu assistente Agostinho Joaquim do Cabo. Ferreira também descreveu os índios, deixando valiosa contribuição para antropólogos; algumas dessas tribos não mais existem ou sofreram influência da "civilização". Também anotou dados sobre escravos, o papel da igreja em algumas regiões, e escreveu sobre a necessidade de planejamento para o desenvolvimento na Amazônia

O preparo para longas expedições era extremamente trabalhoso, assim como as próprias o eram. Juntar alimentos, contratar remadores e soldados, ou mesmo descansar entre uma viagem ou outra demandava tempo e condições nem sempre favoráveis. Uma viagem de Vila Bela da Santíssima Trindade, em Mato Grosso, a Belém, no Pará, por exemplo, podia levar 3 meses. Outras podiam levar 13 meses, dependendo se havia coleta de exemplares animais ou vegetais, ou relatórios a fazer. De Belém a Lisboa eram 3 meses de navio.

Ainda no Brasil, nosso naturalista se casou em Belém, embora, ao que parece, nunca tenha conseguido retornar à sua Bahia de origem. De volta à Portugal, recebeu as glórias e o reconhecimento merecidos pelo rei e pelo professor Vandelli, mas há registros de que ele sentiu falta da vida simples no Brasil e que não mais se habituou à vida da Côrte. Com problemas graves de saúde, Alexandre Rodrigues acabou por não publicar ainda em vida nenhuma de suas memórias brasileiras.

Dispersado ao longo dos anos, o material que sobreviveu e que resultou na publicação da Viagem Filosófica de Alexandre Rodrigues Ferreira encontra-se hoje em Portugal, no Brasil e na França. Finalmente, ano passado, apenas, impresso pela Kapa Editorial, e graças ao apoio da Fundação Vitae, Apoio à Cultura, Educação e Promoção Social - fundação sem a qual muitos e excelentes projetos no Brasil não teriam existido -, acabou de ser impressa "na íntegra" a obra de Ferreira (alguns inventários foram perdidos ao longo dos anos). Com impressão de ótima qualidade e bons textos, essa coleção, que trata da importante viagem científica feita à região do Amazonas e arredores por um brasileiro no período colonial, deve ser registro obrigatório nas bibliotecas do país.

Estudos, poucos mas importantes, têm sido feitos sobre o nosso naturalista. Qualquer coisa que se tente escrever nesse espaço virtual estará sempre muito aquém de sua importância.

A John Carter Brown Library tem essa falha na sua bela coleção, e, ao que parece, para sempre terá.

So long!


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.