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SOFTWARE LIVRE: ALTERNATIVAS E DESAFIOS PARA A COMUNIDADE BIBLIOTECÁRIA

O software livre é um novo paradigma tecnológico de adoção crescente no mundo. Pesquisas sobre o tema têm legitimado esse crescimento. Alguns aplicativos de código aberto já dominam o mercado mundial, caso do servidor Web, denominado Apache, que é utilizado em mais de 70% dos sítios. O cenário internacional aponta nessa direção. Sistemas e aplicativos baseados em software livre fazem parte de órgãos públicos em diversos países. Grandes corporações da área de tecnologia da informação como a IBM e a NOVELL, têm apostado nessa alternativa. Até mesmo a comunidade bibliotecária mundial pousou seus olhares sobre software livre. Nos últimos anos, tem havido desenvolvimento de vários sistemas destinados às bibliotecas ou serviços de informação. Exemplos podem ser consultados no sítio Open Source Systems for Libraries (http://www.oss4lib.org), ilustrando a atual tendência. Entre os diversos produtos surgidos, pode-se citar:
o O Prospero, um sistema compatível com o programa Ariel, compondo um completo recurso de intercâmbio documental por meios eletrônicos. Os recursos implementados ao sistema não requerem atualizações de hardware ou softwares, no caso da biblioteca utilizar, por exemplo: Windows 95. A intenção do produto é economizar recursos informáticos. O Prospero encontra-se na terceira versão de desenvolvimento. Detalhes sobre o programa pode ser obtido no endereço: http://bones.med.ohio-state.edu/prospero/. o O MARC.PRN (http://marcprn.sourceforge.net), é um produto de interesse para catalogadores. Desenvolvido em linguagem Perl com a finalidade de ler, manipular e produzir ou mesmo converter registros bibliográficos no formato MARC.

o O MyLibrary@NCState (http://hegel.lib.NCSU.edu/development/mylibrary), é uma solução de portal que permite às bibliotecas desenvolverem interfaces customizadas dirigidas a usuários para acesso à recursos da Internet.


Os exemplos citados, resumidamente, sinalizam a diversidade de alternativas que se apresentam para informatização de serviços e produtos em bibliotecas e unidades de informação.

Um aspecto da relação software livre e bibliotecas está nas características comum de desenvolvimento de ambas as práticas: o colaboracionismo para funcionarem ou atingirem seus objetivos. O software livre é um movimento baseado no principio do compartilhamento do conhecimento e na colaboração solidária praticada pela inteligência coletiva conectada em rede de computadores. Assim, o movimento bibliotecário e o movimento do software livre são uma composição natural. Ambos estimulam um processo de aprendizagem e uma compreensão através da disseminação de informações.

O termo Software Livre, em seu original Free Software, não deve ser entendido como Software Grátis, o que pode fazer entender uma tradução literal. O termo contempla uma vasta gama de quebra de paradigmas a ponto de não nos darmos conta de que estamos passando por uma evolução ou revolução tecnológica no que se refere ao oposto Software Proprietários. O software livre é um movimento cuja filosofia está baseada em quatro conceitos libertários básicos:

- A liberdade de utilizar o programa, para qualquer propósito.
- A liberdade de estudar o funcionamento e adaptação do programa para atender as suas necessidades. O acesso ao código-fonte é um pré-requisito para esta liberdade.
- A liberdade de redistribuir cópias de modo a ampliar as possibilidades de acesso aos programas por pessoas e instituições.
- A liberdade de incluir aperfeiçoamentos ao programa, e liberar as melhorias, de modo que toda a comunidade se beneficie, sem gastos adicionais.

Os conceitos listados buscam garantir que o usuário possa, livremente, executar, copiar, estudar, modificar o programa, visando acrescentar aperfeiçoamentos e passar para outras pessoas, que acrescentarão mais implementações e melhorias. Assim, software livre pressupõe a liberdade de utilização. Portanto, deve-se evitar o uso de expressões como de graça ou doado, pois a questão não é de preço, mas de liberdade de uso e de acesso ao código-fonte do sistema.

Já, o software proprietário é regido por uma série de normas que visam limitar o seu uso ao número de licenças adquiridas. São estabelecidas licenças pelas quais é necessário pagar por cópia instalada, não sendo, normalmente, permitida o acesso e a alteração do seu código-fonte. Ademais, é ilícita a livre distribuição do programa.

Eric S. Raymond em seu livro The Cathedral and the Bazaar (Sebastopol, CA, USA: O'Reilly, 1999), comenta as diferenças de filosofia entre o software comercial (denominado catedral) e o software livre (denominado bazar). Destaca que o desenvolvimento do último pode ser realizado pela integração de qualquer um com acesso à Internet e habilidade de programação. Nesse sentido, o desenvolvimento do sistema de código aberto envolve um volume significativo de horas de programação a custo praticamente zero o que dificilmente uma corporação tradicional poderia dispor.

O modelo bazar permite que versões betas sejam lançadas e testadas diariamente pela comunidade conectada em rede. Desta forma, os bugs são descobertos, as melhorias podem ser contínuas e as novas versões distribuídas rapidamente.

O modelo comercial (proprietário), adota uma outra lógica, silenciosa e hierarquizada como a catedral. Os programas só podem ter versões liberadas após vários testes e correção de todos os defeitos. Os usuários não têm acesso ao código-fonte e pouca ou nenhuma participação ativa no constante aprimoramento do sistema.

Para Raymond, o software livre apresenta uma capacidade de inovação muito mais alta que o software proprietário, essencialmente na flexibilidade proporcionado pelo modelo bazar diante do modelo catedral. Artigo relacionado à questão pode ser acessado na URL: http://www.firstmonday.dk/issues/issue3_3/raymond/.

A aquisição de qualquer programa não é um processo barato. É um componente de peso no custo dos investimentos em um sistema para informatização. Por vezes, movidos pela necessidade ou desconhecimento da legislação, organizações podem optar pela instalação e uso de um programa sem o seu devido licenciamento. Incorrem na pirataria de software. Prática ilegal que pode causar sérios prejuízos institucionais como regula a Lei de Software, Lei Federal nº 9.609, de 19 de fevereiro de 1998. Neste sentido, a opção pelo software livre se apresenta como alternativa segura, justificada também pelas seguintes razões:

· Ser um recurso, considerado por especialistas, como possuidor de qualidade igual ou superior aos softwares proprietários.
· Permitir a instalação em quantas máquinas forem necessárias sem pagamento pela licença.
· Possibilitar o acesso ao código-fonte, permitindo implementar melhorias e realizar alterações que visem adequar melhor o programa as necessidades do usuário.
· Oferecer variedade de programas em quase todos os campos de aplicação de Softwares.

Como mencionado ao longo do texto, o software livre oferece novas oportunidades, mas, também, apresenta desafios para as bibliotecas e seus mantenedores. Um questionamento se coloca à comunidade bibliotecária. Enquanto o software livre é um novo e excitante processo de desenvolvimento, abrindo alternativas às restrições impostas pelos sistemas proprietários, a pergunta suscitada é:

- Até que ponto os bibliotecários e outros profissionais de informação estariam preparados para se encarregarem desta tecnologia?

A literatura biblioteconômica apresenta comentários que salientam ser o software livre uma opção nada fácil e pouco funcional para as bibliotecas. Fato contrário ao que as expectativas podem levar a crer. É uma situação na qual os usuários têm que arcar eles mesmos com o desenvolvimento, implantação ou a busca de auxílio de algum desenvolvente para adequar o produto às suas necessidades.

Outro aspecto, observado, refere-se à falta de responsáveis pelo software. Ocorrendo um problema ou um grupo de desenvolvimento se desfazendo, já que não há uma estrutura de sustentação econômica para grande parte deles, há o risco de se ficar com um sistema descontinuado.

Em realidade, para se adentrar na alternativa de uso do software livre, o bibliotecário precisa ter consciência das dificuldades que poderá enfrentar. Assim, evita-se posterior desestímulo face aos problemas inerentes encontrados, e pior, a desistência após o investimento realizado. De outro lado, é preciso ter cautela com insinuações que enfatizem ser o software livre um recurso que substituirá os sistemas proprietários.

Independentemente das dificuldades para a adoção do software livre, um requisito é fundamental a todo usuário, possuir bom nível de conhecimento técnico que permita auto-suficiência na instalação e uso de um sistema baseado na filosofia do código-fonte. Esse talvez seja um ponto de reflexão ao questionamento anteriormente formulado: a necessidade de novas habilidades e saberes tecnológicos da parte do bibliotecário, para bom uso da alternativa do software livre.

Na realidade, há um esforço dos distribuidores em tornarem os pacotes mais amigáveis de instalar e usar. Entretanto, os usuários que migram para estas aplicações enfrentam uma curva de aprendizagem ainda íngreme.

Neste sentido, a implementação de soluções baseadas em sistemas abertos continuam sendo restritas à constituição de uma infra-estrutura e a outras aplicações invisíveis em que técnicos são responsáveis pela instalação e administração. Porém, nada que não seja com o tempo e a nova geração de bibliotecários, fácil transpor e assimilar.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.