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O ACERVO DA BIBLIOTECA ESTÁ REDONDO, DEIXE-O EM FORMA COM O MARC

O título não é propaganda da Polishop, com indicação de algum tipo de creme ou cinta redutora de medidas para coleções bibliográficas infladas e de confusa recuperação. A intenção a destacar refere-se ao momento de informatizar o acervo da biblioteca ou trocar seu sistema computacional. O recomendável é adotar um formato de descrição e intercâmbio, em especial formato MARC (MAchine-Readable Cataloging).

 

A recomendação pode ter base em vários motivos. Um desses motivos pode ser de segurança, no caso de o software adotado mostrar-se inadequado no futuro, devido a um processo de escolha deficiente, ou a necessidade de migrar para sistemas com novos recursos, ao menos os registros codificados em um formato de intercâmbio estarão preservados e transportáveis.

 

O MARC é um padrão aberto, mundialmente usado para codificação de registros bibliográficos; concebido nos anos de 1960 como um método de conversão de fichas da Library of Congress (LC) para um formato legível por máquina, de maneira a possibilitar o intercâmbio de registros entre bibliotecas. Durante as décadas de 60, 70 e parte dos 80, o formato foi usado para troca eletrônica entre computadores de grande porte, e gerar fichas catalográficas impressas para unidades de informação.

 

Aliás, a essência do formato consistia (como até hoje) possibilitar que uma biblioteca pudesse converter facilmente os dados contidos em uma fita magnética para seu formato de processamento local. Atualmente, a fita magnética foi substituída por outras mídias (CD-ROM, disquetes, pen drives, disco rígido etc.). Neste sentido, a comunicação eletrônica torna-se possível pela aderência, do formato, à norma ISO 2709, um padrão de comunicação entre sistema para intercâmbio de registros bibliográficos em meio magnético. O padrão possibilita transferir um item bibliográfico de um sistema ou banco de dados para outro, sem perda de informações. Este aspecto torna os registros bibliográficos portáveis, independente de software e hardware.

 

Ainda, nos primórdios da evolução dos computadores, e do desenvolvimento dos softwares e das redes eletrônicas, o formato MARC era projetado visando explorar as possibilidades dos recursos computacionais. Basicamente, ele foi concebido para apoiar bibliotecas na criação, uso e manutenção de suas bases de dados bibliográficas, antes mesmos da implantação do catálogo em linha de acesso público (OPAC). Aliás, no ambiente de informatização das bibliotecas, organização das bases de dados é responsabilidade de bibliotecário, enquanto hardware e software é responsabilidade dos fornecedores (especialistas em programação ou computação).

 

É interessante recordar que o catálogo em ficha foi uma grande inovação bibliotecária, do início do século 20, ao possibilitar uma melhor acessibilidade ao acervo bibliográfico por meio dos pontos de acesso: autor, título e assunto. Entretanto, catálogo em ficha é ou era de manutenção operosa. A simples tarefa de inserção e ordenação era em si mesma um processo lento e cansativo. Pior ainda, retirar fichas (incluindo todos os seus desdobramentos) para correção ou atualização de dados, e a intercalação novamente. Novo martírio, a retirada de fichas agora para baixa do item na coleção. Recordando que as correções das fichas implicavam na datilografia da mesma com todo um processo moroso de produção e correção de eventuais erros cometidos.

 

As limitações operacionais do catálogo impresso são óbvias. Sua utilidade se restringia a busca de um “item conhecido”, onde o usuário tem em mente uma obra da qual conheça o nome do autor ou o título correto. Na situação de possuir apenas uma vaga lembrança de palavras desconexas, que tanto podem ser nome ou pedaço de título, o catálogo em ficha não era de muita serventia, cabendo ao bibliotecário de referência “a magia” de colocar nas mãos do usuário o material procurado.

 

Com a introdução dos computadores, amplia-se a capacidade de construção e acesso aos registros catalográficos por qualquer elemento bibliográfico: autor, título, assunto, editor, lugar ou data, ou ainda, alguma palavra ou frase existente no registro. A busca pode ser por classes de material: biografia, literatura, publicações oficiais, anais etc.  

 

Neste sentido, o hardware e o software são essenciais para a realização de operações sofisticadas de busca. Porém, é a adoção de um padrão de codificação que tornam essas possibilidades de busca uma realidade palpável.

 

A coleção da biblioteca codificada em MARC oferece melhores opções de se produzir  apresentação amigável do registro, ordenações, estatísticas, acesso rápido aos materiais e compartilhar recursos com outras instituições ampliando a prestação de serviços aos usuários. Nos últimos 40 anos, o MARC tem sofrido atualizações não apenas para acomodar as suas diversas variantes existentes, mas também adaptar-se aos novos tipos de recursos resultantes da informação digital a partir dos anos 90.

 

Com relação ao ambiente digital, o formato MARC apesar de orientado aos suportes tradicionais de biblioteca é usado também em projetos digitais por duas razões básicas: a) capacidade de transportar informação em padrão de fácil processamento, projetado em seqüência de bytes; e b) outros padrões dedicados à codificação de conteúdos digitais como a Dublin Core, e a Linguagem de Marcação Extensível (XML), estão em evolução, embora já possuam integração com o formato MARC. A integração refere-se ao formato MARC 21 por meio de: Metadata Object Description Schema – MODS; e o MARCXML Schema.

 

O MARC é um acrônimo usado como termo genérico aplicado ao universo dos  formatos MARCs (e são vários), onde se incluem, como exemplo:

 

§         ANNMARC (Itália);

§         AUSMARC (Austrália);

§         CANMARC (Canadá);

§         CATMARC (Espanha/Barcelona, Catalunha);

§         FINMARC (Finlândia);

§         HUNMARC (Hungria);

§         IBERMARC (Espanha);

§         INDIMARC (Índia);

§         INDOMARC (Indonésia);

§         INTERMARC (França);

§         JPNMARC (Japão);

§         KORMARC (Coréia do Sul);

§         LibrisMARC (Suécia);

§         MAB (Alemanha);

§         MALMARC (Malásia);

§         MARCAL (México);

§         MARCSUI (Suíça);

§         NORMARC (Noruega);

§         RUSMARC (Rússia);

§         UKMARC (Reino Unido);

§         USMARC (Estados Unidos);

 

Originariamente, desenvolvido como uma estrutura usando números, letras e símbolos, o formato MARC permite catalogar praticamente todo tipo de material bibliográfico, desde os impressos aos distribuídos eletronicamente. Também facilita a catalogação analítica: artigos de revista, capítulo ou parte de uma publicação unitária incluindo o resumo de seu conteúdo.

 

Ao longo das últimas décadas a LC tem promovido adequação do formato à tipologia documental, caso do USMARC em 1983. Posteriormente, na seqüência evolutiva, em busca de uma maior integração entre variantes do formato, e também de cobertura na codificação documental, soma esforços cooperativos entre Network Development and MARC Standards Office, Library of Congress, com Standards, Intellectual Management Office, Library and Archives Canada e a National Bibliographic Service, British Library, que harmonizam seus formatos em um único denominado MARC 21. O nome aponta o futuro na evolução do padrão adequado ao uso de recursos digitais da Internet. Entretanto, a universalização dos formatos variantes do MARC não se resume ao MARC 21, e esse nem mesmo é um padrão internacional de uso ou aceitação unânime, ao contrário, há o UNIMARC, publicado inicialmente em 1977, que estaria próximo de ser um formato de intercâmbio internacionalmente usado entre instituições bibliográficas. O UNIMARC é adotado por vários países europeus, como também por muitos países em desenvolvimento.

 

Com o crescimento da informatização dos registros padronizados sob o formato local, surge necessidade de comunicação com outros formatos. Criar sistemas capazes de reconhecer todos os formatos seria técnica e financeiramente impraticável. Na busca de alternativa para converter registros nacionais para outros, a solução encontrada foi desenvolver uma maneira de automatizar a conversão de qualquer formato para qualquer outro formato. Isto se tornou possível por meio do desenvolvimento do formato UNIMARC (UNIversal MARC), um formato MARC “ponte” que inclui uma enorme  variedade de formatos de bibliotecas nacionais. Usando software específico, os registros codificados em um formato variante do MARC  (origem) são traduzidos para o UNIMARC e deste para outro formato variante MARC (destino). A entidade responsável por este esforço de desenvolvimento, manutenção e promoção de uso do formato UNIMARC é a IFLA (International Federation of Library Associations and Institutions).

 

Como observa Deborah J. Byrne, o uso de formatos distintos tem sido valioso por permitir que bibliotecas, de diferentes países, sigam suas próprias regras de catalogação sem terem que forçosamente se adaptar em codificações desenhadas por outras regras de catalogação, políticas ou práticas, com reflexos negativos para a comunidade usuária da informação. 

 

No Brasil o formato MARC dominante é o USMARC e sua evolução, o MARC 21. O país foi pioneiro no uso de formato (a partir do MARC II da LC) que deu origem ao formato brasileiro CALCO (Catalogação Legível por Computador). Esse pioneirismo, nos anos 70, chegou a influenciar na elaboração de um formato para os países da América Latina. O fato é narrado pela bibliotecária Alice Príncipe Barbosa ao comentar a preocupação da Organização dos Estados Americanos – OEA interessada em instituir um projeto do MARC para América Latina, baseado no sucesso do CANMARC, publicado em 1972. Porém, sendo o Brasil, naquela época, o único país latino-americano a possuir um serviço nacional de catalogação cooperativa, um projeto de automação com formato estabelecido, a Comissão organizada para desenvolvimento de estudos do projeto, recomendou transformar o CALCO num formato bilíngüe (português e espanhol). Apesar dos estudos realizados a idéia não prosperou.  

 

O Brasil também teve outro formato derivado do MARC, e baseado na experiência do projeto CALCO, conhecido como o formato IBICT. Sua origem decorre do trabalho realizado pelo Instituto Brasileiro de Informação em Ciência e Tecnologia no desenvolvimento de um sistema de catalogação automatizada, denominado “Sistema de Registro Bibliográfico – SRB”, utilizado para produção de bases de dados em ciência e tecnologia, em especial contendo volumosa quantidade de artigos de periódicos especializados. A rede coordenada pelo IBICT e pela FGV (Bibliodata/CALCO), contava com significativo número de bibliotecas aderentes aos formatos das agências que apesar de semelhantes apresentavam pequenas diferenças ditadas pelas características locais. Na década de 1980, o IBICT constituiu um grupo de trabalho para definir um formato padrão para melhorar o intercâmbio de registros entre os sistemas existentes ou que viessem a ser desenvolvidos. Esse grupo composto de membros do próprio IBICT e da comunidade usuária do CALCO, passou a ser conhecido como “Escritório CALCO”, tendo produzido um manual denominado de “Formato de Intercâmbio CALCO”. Posteriormente, iniciou-se estudos para adaptação do Formato às características do UNIMARC (IFLA) e ao Common Communication Format – CCF. Embora a história seja composta de vários detalhes e significativos personagens, o Formato de Intercâmbio Bibliográfico e Catalográfico, abreviado para Formato IBICT, de certa maneira, constituiu-se em uma evolução no desenvolvimento de um formato comum de comunicação de registros bibliográfico computadorizado. Uma variante evolutiva do próprio CALCO.

 

Certamente, o legado histórico da adoção do formato MARC, a constituição da Rede Bibliodata/CALCO (atual Bibliodata), os esforços do IBICT (Formato IBICT) e a respectiva adesão de agências catalográficas das universidades públicas e privadas, bem como a participação de agências catalográficas brasileiras à OCLC, fixaram a tipologia do formato dominante. A situação não causa nenhuma dificuldade de emprego e cooperação com agências de outros países. Apenas reforça uma tradição da catalogação brasileira no tratamento e codificação da informação bibliográfica. Porém, existem profissionais que desconhecem a importância do uso de formato de intercâmbio, que não é um código de catalogação, ao contrário, necessita de um para se apoiar, em especial o AACR e o ISBD (Caso do MARC e UNIMARC).

 

Neste sentido, é recomendado aos profissionais iniciantes, interessados em conhecer melhor o formato MARC acessar algumas fontes sobre o tema:

 

Disponível em: http://www.loc.gov/marc/umbspa/, há o manual elaborado por Betty Furrie (Understanding MARC Bibliographic), traduzido para o espanhol por Agero García Barbabosa (Universidad de Tulane), 2001, sob o título “Conociendo MARC Bibliográfico: Catalogación Legible por Máquina”.

 

Disponível em: http://www.loc.gov/marc/, encontra-se informações oficiais sobre o formato MARC, mantido pela Library of Congress. No endereço há informações gerais sobre o formato, manuais, projetos em desenvolvimento ou realizados, equivalências com outros formatos, além de ferramentas de apoio a atividade de catalogação.

 

Disponível em: http://www.ifla.org/VI/3/p1996-1/sectn1.htm, há o acesso para informações sobre o formato UNIMARC, mantido pela IFLA Universal Bibliographic Control and International MARC Core Programme (UBCIM).

 

Disponível em: http://libraryworld.net/, encontra-se um serviço para automação de biblioteca (baseado no conceito da Web 2.0) totalmente online. Segundo os idealizadores do serviço, o mesmo é uma alternativa ao alto custo de software, hardware, ou dificuldades de gestão de redes. Basta registrar a biblioteca e usar o serviço por módicos $365 (dólares) ao ano. O interessante, é que os bibliotecários podem usar o serviço gratuitamente durante 30 dias para teste. Na opção Take a Test Drive!, clicar no link Click here to SignUp, preencha o formulário para ter liberado o acesso. É uma oportunidades para experimentar o uso do MARC, no módulo cataloging (catalogação) os registros são inseridos, visualizados na estrutura MARC. Se necessário, campo e subcampo são adicionados. O recurso permite exportar ou importar registros MARC. Experimente a importação de registros usando o catálogo da Library of Congress, disponível em:  http://catalog.loc.gov/.

 

Apesar das inovações tecnológicas e da evolução dinâmica das redes eletrônicas, o “quarentão” MARC tem mantido seu sucesso entre as bibliotecas, acompanhando sua modernização e mesmo ampliando seu universo de conquistas para a ambiência digital. Neste aspecto a própria catalogação vai perdendo algumas de suas características já envelhecidas e obsoletas, notadamente dominante na “idade da ficha lascada”. Há, entretanto, muito a se combater, em especial a redundância em repetir a catalogação de um material já catalogado em outra biblioteca, e a resistência em compartilhar o trabalho técnico, envolvendo a biblioteca em redes sociais de informação e cooperação. É isso.

 

 

Indicação de leitura:

 

BARBOSA, Alice Príncipe. Novos rumos da catalogação. Organização e atualização de Elza Lima e Silva Maia. Rio de Janeiro:  BNG/Brasilart, 1978.

 

BYRNE, Deborah J. Manual de MARC: cómo interpreter y usar registros MARC. Trad. Nicolas Rucks. Buenos Aires: GREBYD, 2001.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.