INFORMAÇÃO E CIÊNCIA


  • A coluna “Informação e Ciência” pretende refletir e produzir textos baseados nas seguintes orientações gerais: 1) considerar que a informação não pode ser examinada eficazmente apenas por uma única ciência. As formas de conceber informação que não são objetos de pesquisas das ciências que requerem para ela este “objeto” de estudo; 2) o fenômeno da informação não pode ser aceito como tendo um só conceito privilegiado. Deve-se considerar que as noções e as coisas representadas pelo significante “informação” podem ser superadas ou ampliadas ou restringidas; 3) o reconhecimento da precariedade do conhecimento humano sobre as coisas analisadas, seja seguindo um ponto de vista que privilegia a complexidade (MORIN) ou pela afirmação do falibilismo como condição inevitável das construções teóricas (PEIRCE). Com isso, é necessário utilizar quadros interpretativos de raízes filosófica, sociológica, antropológica, culturalista, física, cognitiva, semiótica etc.

NOTAS SOBRE CONSTRUTIVISMO E COMPETÊNCIA: DA SUPERVALORIZAÇÃO DA INFORMAÇÃO E DO CONHECIMENTO EXTERIORIZADOS

O construtivismo em uma de suas vertentes mais radicais e simplistas expressa-se atualmente na pedagogia da competência profissional. Concebe-se que a competência criada no sujeito é o único modo de estimular um conhecimento socialmente útil. O sujeito deve aprender por conta própria guiado por seus interesses. Nessa perspectiva, o conhecimento repassado está em segundo plano. De Piaget, resgatam a noção de que o conhecimento é criado, principalmente em sua gênese, pela interação com o objeto, e não por fatores emanados do objeto tomado isoladamente ou da razão humana, como preconizou Kant, como a detentora das faculdades essenciais do conhecer. Possuir competência não é a questão, o essencial nessa lógica é expor a competência, levá-la ao teste em uma tarefa, em um exercício prático. Na área empresarial, esse é o tipo de conhecimento mais valorizado. A gestão do conhecimento, conforme discutida na literatura deste campo, procura mobilizar os sujeitos a transferir um conhecimento interessante ao sucesso empresarial. O extremo da competência são as afirmações, ora correntes, de que “todo conhecimento não-exteriorizado é irrelevante”. Acreditamos que o conhecimento deve favorecer a sociedade, mas é necessário reconhecer outras modalidades de conhecimento como essenciais, por exemplo, o conhecimento filosófico não está atrelado exclusivamente a uma prática que exija conhecimentos referenciais tão-somente. A competência é um conhecimento que deve ser testado para não ser chamado de irrelevante.

Pela própria história do desenvolvimento da ciência moderna a visão do conhecimento útil e materializável é confirmada. Em geral, nos manuais de metodologia científica, por exemplo, prega-se a necessidade de se materializar o objeto de pesquisa em algo concreto e que seja possível conhecer e testar. Ao contrário disso, é o saber filosófico não-positivista que sustenta o conhecer para ampliar os horizontes e obter o sentido das coisas da vida. A divisão em ciência básica e aplicada, só tem sentido pela utilidade do conhecimento básico para a ciência aplicada e desta como fornecedora de problemas de pesquisa para a ciência básica. O que quero dizer é que a divisão: ciência básica e aplicada também concebe o conhecimento através da menção da utilidade. Entretanto, também podemos falar de ciência como uma área de estudos que se baseia em pesquisa, mas não é a mesma coisa que a ciência, que infelizmente ainda é definida em sua versão moderna, por parâmetros de objetividade. Tomas Kuhn, por exemplo, não acredita que áreas de estudo como as ciências sociais são ciências, mas para nós, valer-se de métodos e teorias passa a ser científico. A ciência moderna, conforme caracterizada por Boaventura S. Santos, tem como pressuposto o conhecimento funcional e útil.

Essa discussão pode parecer isolada, mas quando passamos a analisar os documentos oficiais ou oficiosos (LDB e diretrizes para educação expostas nos documentos da Unesco) notamos a ênfase neste conhecimento exteriorizável, necessário em um mundo em constante mudança onde nos contam que é inevitável seguir por outro caminho. Dão-nos apenas a possibilidade de aprender os métodos necessários para que aprendamos por toda a vida (produtiva), que adquiramos competências diversificadas e com elas consigamos resolver problemas, criar novidades e, ao fim e ao cabo, conseguir no contexto profissional, industrial ou empresarial, inovar. Existe uma patente conexão entre aprender a aprender nos moldes das competências e a formação da capacidade inovativa, tão preciosa no capitalismo corrente.

Na esteira do aprender por conta própria está a noção ligada especificamente às tecnologias de informação e comunicação, a interatividade. Um sistema interativo permite conhecer ou navegar a partir de relações construídas autonomamente pelo indivíduo, sem intervenção de outros sujeitos na condução do processo. Dá-nos a falsa impressão de autonomia e de comprometimento participativo. A falsa noção de interatividade consiste no oferecimento de opções de caminhos que não são definidos pelo sujeito isoladamente, mas passam pela mediação de atores com um poder de mando e de execução superiores (grandes portais horizontais na internet e grupos desenvolvedores de softwares educativos e de uso corrente). O fenômeno da interatividade, quando argumenta sobre as temáticas da autonomia, da participação efetiva, da capacidade criadora do sujeito, das relações inéditas que ele estabelece etc., geralmente não pontua o papel das estruturas que oferecem as possibilidades. A crença na autonomia e na participação também é uma expressão deste construtivismo que estamos examinando, não como proposta em suas bases, mas como ele se configura no discurso comum, tomado para promover um tipo de elogio às competências.

De maneira específica ao contexto escolar, a vertente construtivista vulgarizada e propagada enquanto solução de problemas práticos em sala de aula e como ideologia renovadora de comportamentos de professores e alunos, é sim baseada na utilidade e na valorização da ação. Essa vertente, que não é a teoria construtivista como forma de explicação da construção do conhecimento, mas sua materialização em políticas educacionais (LDB, 1996) e orientações metodológicas na prática, volta-se à ação para resolução de problemas. Pode-se citar a concepção de Perrenoud como bem incisiva e que foca a criação de competências nas crianças para terem um comportamento futuro para agir numa sociedade mutante e adquirir competências testáveis em seu vindouro trabalho. Assim, as empresas atuais teriam seu suporte educacional que padroniza o sentido da aprendizagem na vida e na organização, isto é, conhecer algo útil e inovador (pois esse é o parâmetro do capitalismo atual) e que possa ser transferível. Acredito que toda essa discussão começa pela linha radical do construtivismo. Nesse sentido, é esclarecedor seu exemplo e experiência quando reconhece que, em termos de alfabetização, tanto crianças quanto jovens indicam deficiências relacionadas, em grande medida, pelos procedimentos de orientação construtivista seguidos na escola. Penso que essas crianças aceitam mais a aprendizagem a partir da ação; e supervalorizando a ação não reconheceriam na reflexão e no trabalho intenso de leitura de textos, de imagens e do mundo uma via de construção do conhecimento especulativo, científico e prático.

Essas são indagações que invadem, necessariamente, nossas tentativas de caracterizar as novas modalidades de aprendizagem e as correntes de pensamento que as sustentam. É preciso ampliar essa discussão e rever os discursos explicativos e notar até que ponto eles deixam de explicar e passam a tornar-se apologéticos a algo que ainda não conhecemos adequadamente, entretanto, por isso mesmo, é utilizado para avalizar uma tendência e colocá-la na condição de uma lei universal que explica pouco a realidade social.

 

REFERÊNCIAS

 

DUARTE, N. Sociedade do conhecimento ou sociedade das ilusões?: quatro ensaios crítico-dialéticos em filosofia da educação. Campinas: Autores Associados, 2003. (Coleção Polêmicas do Nosso Tempo; 86).

 

KUHN, T. S. A estrutura das revoluções científicas. 6. ed. São Paulo: Perspectiva, 2001. (Coleção Debates; 115).

 

MORAES, M. C. M. O recuo da teoria: dilemas na pesquisa em educação. Seção Educação, [S. l.], 24 fev. 2002. Disponível em:<http://www.educacaoonline.pro.br/recuo_da_teoria.asp>.

Acesso em: 4 set. 2003.

 

SANTOS, B. S. Introdução a uma ciência pós-moderna.  3. ed. Rio de Janeiro: Graal, 2000.

 


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CARLOS CÂNDIDO DE ALMEIDA

Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília).