INFORMAÇÃO E CIÊNCIA


  • A coluna “Informação e Ciência” pretende refletir e produzir textos baseados nas seguintes orientações gerais: 1) considerar que a informação não pode ser examinada eficazmente apenas por uma única ciência. As formas de conceber informação que não são objetos de pesquisas das ciências que requerem para ela este “objeto” de estudo; 2) o fenômeno da informação não pode ser aceito como tendo um só conceito privilegiado. Deve-se considerar que as noções e as coisas representadas pelo significante “informação” podem ser superadas ou ampliadas ou restringidas; 3) o reconhecimento da precariedade do conhecimento humano sobre as coisas analisadas, seja seguindo um ponto de vista que privilegia a complexidade (MORIN) ou pela afirmação do falibilismo como condição inevitável das construções teóricas (PEIRCE). Com isso, é necessário utilizar quadros interpretativos de raízes filosófica, sociológica, antropológica, culturalista, física, cognitiva, semiótica etc.

FALIBILISMO I: O IMPREVISTO NA FORMAÇÃO DOS CONCEITOS

Os conceitos como as teoria são organizações mentais com a finalidade de conhecer o real ou o que poderia ser uma realidade para o senso comum e o discurso científico. Na ciência, o papel dos conceitos são supervalorizados e não se discutem quais são seus limites. Talvez, mediante um questionamento sobre o que consegue ou não fazer um conceito, conseguiríamos atingir um conhecimento mais próximo do que ele deve ser. Obviamente, uma discussão dessa natureza contribuiria à Ciência da Informação que, além de utilizar vários conceitos, realiza operações sobre os conceitos de outros campos do conhecimento.

 

Para a maioria dos especialistas, um conceito bem estruturado é a segurança de uma teoria científica. Um arranjo conceitual delimitado garante o sucesso da teoria. Nos manuais de metodologia científica a noção de conceito recebe influência da Lógica formal. O conceito procuraria representar fenômenos, fatos ou coisas. Com a ajuda dos conceitos podemos falar dos fenômenos sem recorrer a eles para comunicar nossas idéias. Também cumprem a função de expressar as relações empíricas entre fatos que ocorrem, ora ao mesmo tempo, ora em um espaço de tempo que nos autoriza a indicar que alguns fatos são procedentes de outros anteriores. Em razão dos conceitos determinamos o que é essencial em uma dada observação da realidade, além disso, atribuímos a eles a expectativa de que algumas coisas são regulares e podem assim ser representadas. Desse modo, dadas certas regularidades delimitáveis, podemos crer na eficácia de um conceito.

 

A imprevisibilidade é algo que sempre retorna à cena da compreensão dos conceitos. Delimitar um conceito não é fácil, seria como polir uma pedra. É um trabalho que se depara, inevitavelmente, com desvios que alargam ou restringem a abrangência do conceito. Supomos que um conceito deve ser unívoco, isto é, dizer respeito a um conjunto restrito de objetos e perfazer esta meta com um único termo. Tal parece ser a premissa da Terminologia.

 

Um conceito não é uma unidade ou uma quantidade definida de conhecimento, pois não conseguimos chegar a tal proeza intelectual, comparável às das máquinas computacionais. Um conceito é, mais propriamente, produto de uma relação habitual que temos com a realidade e com a comunicação intersubjetiva. Se fosse possível alcançar o significado último de um conceito, teríamos um engessamento da capacidade de produzir conhecimentos novos.

 

Caso não estivéssemos abertos ao imprevisto, os conhecimentos não precisariam de reformulações. O rumo do aprofundamento de um conceito não é apenas vertical, isto é, um contínuo apuramento. Recolhemos contribuições para um conceito no horizonte das possibilidades. Esse processo não é totalmente aleatório, pois é conduzido pela tentativa de se chegar a algumas verdades. Contudo, depara-se em algumas situações com o acaso.

 

Para a discussão da noção de conceitos duas disciplinas são fundamentais: a Lingüística e a Lógica. A Lingüística de Saussure funda uma explicação para o conceito das palavras e sugere uma correspondência fidedigna entre uma expressão e um conteúdo. Isto é, para cada unidade expressiva teríamos uma idéia correspondente, constituindo uma díada. A variação ficaria a cargo de processos diversos no eixo diacrônico (histórico), entre estes, a analogia aplicada à formação de novas palavras e sentidos. De qualquer modo, tomado dentro do sistema (língua), o conceito deve corresponder perfeitamente a uma expressão, porém sem um atributo da realidade que fornece sentido de verídico.

 

O conceito no sentido lógico, mais próximo do entendimento da ciência, toma a realidade como medida da origem do significado. O real é submetido à delimitação dos conceitos via um tipo de representação, que pode ser um termo científico. Longe da matriz diádica da Lingüística entramos em uma explicação supostamente triádica. Sem nos aprofundar nas linhas da Semântica lingüística e lógica, podemos ressaltar que o conceito científico está atrelado, ora a objetos que o determinam, ora a arbitrariedade que o conserva.

 

No entanto, ambas as linhas não questionam o que antecede o conceito, especificamente o científico, como esta entidade origina-se e desenvolve-se. Fora às especulações empirista e racionalista, que polarizam a explicação do processo de geração de qualquer conceito, uma fornecendo vantagens ao objeto, enquanto a outra valorizando a mente do sujeito como a coordenadora da ação, o pragmatismo parece ser o método que procura mediar as explicações desde um processo. O pragmatismo recomenda que procuremos na ação a origem de qualquer conceito intelectual, pois o significado de um conhecimento está no resultado da ação que é engendrado pelo contato com os objetos.

 

No interior das propostas pragmatistas encontramos as contribuições da Lógica de Peirce (1839-1914), a qual discute a vida dos conceitos. Além do atributo convencional de um símbolo, aceitável pela maioria dos especialistas no assunto, tal como considerado pela Semântica lógica clássica e Semântica lingüística, Peirce avança por refletir sobre as origens dos conceitos. Para tanto, o pensador relaciona os signos produzidos pela mente, mesmo os que antecedem a simbolização. Isto é, antes do conceito representar por convenção um conhecimento sobre a realidade, percorre um caminho que se origina no acaso.

 

A doutrina do acaso é uma das teses de Peirce, que consiste em afirmar categoricamente que o acaso é uma força presente no universo. Assumindo o acaso como esta força,  explicamos a contínua evolução do conhecimento humano e a diversidade de elementos encontrados na natureza para que possam ser estudado. Outra doutrina é a da continuidade, que corresponde a uma explicação metafísica da evolução do universo e da mente. Estamos em constante movimento e em um fluxo de eventos que se dirige para o futuro indeterminado e que teve como origem uma serie indefinida de fenômenos. O acaso e o contínuo são pensáveis metafisicamente, mas podemos comparar suas ocorrências mesmo na vida diária quando reformamos qualquer um de nossos conhecimentos sempre que nos deparamos com uma realidade não prevista antecipadamente. Isto é, quando a força do acaso mostra-se no contínuo da vida.

 

Nesse sentido, as idéias que ainda não representam nenhum objeto concreto, são potenciais – não existem ainda de fato –, mas passam a se misturar com idéias semelhantes, cruzamentos de fenômenos até se tornarem uma regra mental, resgatando um conhecimento sobre o objeto associado. Neste processo, a continuidade é a única lei insubstituível. Sempre que os conceitos científicos são alterados em função de novas informações, eles não são aceitos imediatamente, pois isto contraria o hábito mental sedimentado. É difícil concluir algo diferente do que atribuir ao acaso a origem de todo pensamento, antes mesmo de se criar o costume de interpretar um objeto segundo algum parâmetro determinado.

 

Peirce reconheceu o imprevisto, a abertura para o falível, já no final do século XIX, como algo essencial que acompanha o conceito. Assim, devemos assumir que mesmo o conceito científico tem algo de imprevisto, de incontrolável. Somente esta explicação justifica a crença no surgimento de novos conceitos e de teorias subseqüentes. Negar o falibilismo presente nos conceitos é afirmar que o avanço do conhecimento científico já alcançou seu ápice. É, sobretudo, interromper a necessidade de investigação.


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CARLOS CÂNDIDO DE ALMEIDA

Graduado em Biblioteconomia pela Universidade Estadual de Londrina. Mestre em Ciência da Informação pela Universidade Federal de Santa Catarina. Doutorando em Ciência da Informação da Universidade Estadual Paulista (UNESP/Marília).