OBRAS RARAS


RBMS E A PARTE ARQUIVÍSTICA DESSE GRUPO

Arquivo não é a minha área de especialização, mas nesse caso acho que posso me atrever um pouco.

 

Como parte da associação nacional dos bibliotecários norte-americanos (American Library Association, ALA), existe a associação das bibliotecas de pesquisa (Association of College and Research Libraries, ACRL) e, pertencente a esta, uma seção que trata somente de livros raros e manuscritos, a Rare Books and Manuscript Section (RBMS, http://www.rbms.info/about/index.shtml). De acordo com o seu web site, esse grupo tem por finalidade “representar e promover o interesse de bibliotecários que trabalham com livros raros, manuscritos e outros tipos de coleções especiais”.

 

Esses bibliotecários desempenham papel importante desde o nível local, em suas cidades, até o internacional, graças às discussões de temas que afetam as bibliotecas, seus catalogadores, conservadores, a administração, segurança, usuários, enfim, todos os segmentos e pessoas que lidam com esse tipo de acervo.

 

A RBMS define e desenvolve normas, incentiva programas educacionais, promove pesquisa e publicações relevantes na área e oferece à sua comunidade um meio de comunicação eficaz, seja através de conferências, publicações ou programas. Com início em 1948, desde esta data teve por objetivo promover um entendimento maior do valor dos livros raros para a pesquisa acadêmica, além do reconhecimento dos livros raros em bibliotecas.

 

O grupo é formado por um comitê executivo e vários outros temáticos (como os que cuidam do tema Segurança para Acervos Raros ou Padrões Bibliográficos), para citar alguns. Possui, igualmente, cinco Grupos de Discussão: Curadores e Conservadores (notem a proximidade das áreas); Desenvolvimento de Coleção; MARC para Coleções Especiais (daqui saíram e saem muitas recomendações e reformulações das regras de catalogação utilizadas inclusive por nós, no Brasil); Manuscritos e Outros Formatos e Serviços para o Público. Publica uma revista e uma newsletter, além de possuir web site e uma lista de discussão eletrônica (Ex-libris), esta com mais de 900 assinantes.

 

Para que se tenha uma idéia do compromisso profissional que lá impera: em 2003, a ACRL lançou um desafio às coleções de livros raros e manuscritos (ou  coleções especiais) de todo o país a fim de que o material não processado fosse disponibilizado para o público. Afinal, já desde 1998 havia sido detectado que aproximadamente 1/3 dessas coleções se encontrava sem tratamento técnico (e catalogação, como se sabe, é um processo lento e custoso, sem falar que é cada vez mais difícil encontrar pessoal qualificado para tal, ainda mais quando envolve questões linguísticas). O que se segue é um resumidíssimo relato dos resultados.

 

A comunidade arquivística respondeu ao desafio com um trabalho que pode ser lido em http://ahc.uwyo.edu/documents/faculty/greene/papers/Greene-Meissner.pdf. Neste, os autores Mark Greene e Dennis Meissner reafirmam muitas das recomendações da força-tarefa e sugerem que as instituições desenvolvam critérios formais para descrição dos arquivos, considerando o impacto dessas decisões nos recursos institucionais; recomendam que os repositórios possam aderir tanto quanto possível aos padrões nacionais de descrição bibliográfica e que o fluxo de trabalho seja alterado a fim de acomodar as coleções em seus vários estágios de processamento. Também concordaram com o grupo-tarefa que o uso desse material e seus usuários deveriam orientar a descrição. Assim, dada a grande diferença entre o material arquivístico existente (tanto sua identidade quanto seu uso), foi estipulado que seria preferível que essas tivessem uma descrição uniforme básica, em vez de uma descrição completa para algumas e nenhuma descrição para muitas coleções.

 

Três estudos foram realizados: o primeiro observou o impacto da técnica utilizada nos serviços de atendimento ao público; o segundo objetivou compreender as observações e percepções dos usuários; e o terceiro ouviu as opiniões dos profissionais que atendiam público na Society of American Archivists sobre a técnica utilizada e seu impacto nos serviços públicos.

 

Aqueles com interesse em material arquivístico podem ler o estudo com mais detalhes através do link acima. Porém, o que gostaria de ressaltar nessa coluna, é a existência, naquele país, de um interesse pessoal na formação de grupos profissionais, na área de coleções especiais, que atuam de forma efetiva fora de suas mesas  (e horários) de trabalho, cujos resultados são sempre benéficos para as coleções e, consequentemente, para as instituições e para a memória do país (sem falar no crescimento pessoal).

 

Bem sei que nossa realidade e cultura são muito diferentes e melhor ainda sei que muitos profissionais, principalmente os ligados à vida acadêmica no nosso país, trabalham mais fora de uma sala de aula do que dentro dela. Sei o quanto alguns bibliotecários e arquivistas fazem bons, ótimos trabalhos. Pena que algumas dessas ações sejam, ainda, isoladas e não representativas em termos nacionais, no que diz respeito aos livros raros e manuscritos. [Em um nível mais amplo: o web site que veicula esta coluna é um exemplo de iniciativa a ser seguido, a propósito.] Mas me pergunto se já não seria “mais do que hora” de haver uma ação profissional associativa que congregasse os profissionais que trabalham com coleções especiais no Brasil. Há pessoas e há acervos.

 

Isso se constrói com pessoas, primeiramente; depois, com instituições. Esperar que um movimento aconteça apenas em nível institucional talvez não traga resultados, principalmente considerando as dificuldades econômicas existentes. O que talvez possamos construir, penso, é uma estrutura sólida – o que somente se constrói a partir da vontade de interessados, no famoso “de baixo para cima”.

 

Nunca é demais pensar na internet como meio de comunicação capaz de unir pessoas em torno de um mesmo ideal.

 

Até a próxima!


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.