BIBLIOTECA ESCOLAR - NOVA FASE


  • Discussões, debates e reflexões sobre aspectos gerais e específicos da Biblioteca Escolar. Continuação da coluna anterior, agora apenas com autoria de Marilucia Bernardi

A SATISFAÇÃO NO TRABALHO E A BIBLIOTECA ESCOLAR

“A satisfação está no esforço e não apenas na realização final.”   Mahatma Gandhi

 

Há uns dias atrás, recebemos uns títulos de periódicos em doação e antes de descartá-los, promovi uma leitura rápida para sentir se poderíamos utilizar algum artigo e me deparei com um sobre satisfação no trabalho, que muito me interessou, principalmente por se tratar de um artigo de 1988.

 

Encontrei na renomada revista Ciência e Cultura da SBPC, v.40, n.3, março de 1988 onde a autora Maria de Salete Corrêa Marinho procura discutir o conceito de satisfação no trabalho, tentando identificar o seu significado teórico na literatura sociológica. E num dos trechos, que me chamou a atenção diz assim: “um debate antigo, mas ainda atual, está quase sempre presente nos estudos e pesquisas sobre a satisfação humana no trabalho”...

 

Estamos em março de 2011, podendo ler e ouvir muita coisa sobre o referido tema e no citado artigo já era um assunto antigo, imagine só!!!!

 

A autora cita que alguns teóricos colocam que satisfação e insatisfação são dois conceitos distintos e separados, de tal maneira, que aqueles fatores que, na situação de trabalho, conduzem à satisfação (promoção, responsabilidade, reconhecimento, etc.) não são os mesmos que conduzem à insatisfação (condições de trabalho, salário, práticas da organização, etc.). Eles resultam de diferentes causas. E há outros, mais tradicionalistas, que alegam que os mesmos fatores que afetam a satisfação, também podem afetar a insatisfação.

 

Porém, de acordo com ela, os estudos feitos com base nos conceitos, trouxeram um  consenso entre os pesquisadores, no sentido de conceber a satisfação no trabalho como um sentimento que reflete nas relações afetivas que os indivíduos expressam quando indagados sobre seu trabalho. É sabido que alguns indivíduos, mais que outros, expressam satisfação com seu trabalho.

 

O artigo é extenso e não tenho a pretensão nem a intenção de discuti-lo aqui. Me prendi apenas em alguns pontos que considerei serem mais pontuais para o que, de fato, gostaria de escrever.

 

Trazendo-o para nosso meio - a biblioteca escolar - gostaria de chamar a atenção para o fato que dificilmente paramos para refletir e fazer tais perguntas: até que ponto estamos satisfeitos com o progresso que estamos imprimindo em nosso trabalho? Até que ponto estamos satisfeitos com as oportunidades que temos com ele? Até que ponto estamos satisfeitos com o reconhecimento que nossos colegas dão ao nosso trabalho? Até que ponto estamos satisfeitos com os resultados de nossos projetos? E poderíamos ter outras inúmeras e diferentes questões a colocar.

 

Em um artigo de outubro de 2009, escrevi sobre a avaliação da biblioteca escolar ser necessária até mesmo para poder, com certeza, creio eu,  responder algumas das questões pontuadas acima acerca da satisfação ou insatisfação pessoal no trabalho.   

 

Quantos de nós já não parou e pensou em desistir de tentar incutir na mente de professores, diretores e mesmo de alunos, um pouco mais de conhecimento; convencê-los sobre a necessidade de leitura; a necessidade de se reciclar; etc. Quantos de nós já não se perguntou: para onde vai a educação, tanto a básica, que pressupõe valores essenciais, adquiridos na família, na tenra infância, quanto aquela,  dita pedagógica, que vemos e presenciamos diariamente em nossas escolas?

 

Quantos de nós já não se aborreceu, e muito, por termos, ainda e com frequência, de uma maneira ou de outra, de provar a necessidade de ser da biblioteca escolar?

 

Quantos de nós não passamos uma parte do dia, “educando” nossos alunos e até mesmo os adultos a usarem as tais palavrinhas mágicas:  “bom-dia”, “por favor”, “com  licença”, etc?

 

Quantos que trabalham em bibliotecas escolares já não interviram em brigas ou outras ocorrências com alunos, dentro e fora do espaço da biblioteca, uma vez que entendemos que todos que trabalham com educação, que estão em escolas, são educadores, tendo portanto responsabilidade no desenvolvimento e aprendizado de todos os alunos?

 

Isso tudo interfere diretamente no nosso julgamento quanto a satisfação ou insatisfação com e no trabalho que exercemos. Cada dia mais torna-se um desafio enorme conseguir desenvolver os serviços inerentes à uma biblioteca escolar.

 

O que dizer então da atual violência que ronda a maioria das escolas. E olha que não é somente nas escolas públicas não, mesmo porque existem muitos tipos de violência. Podemos dizer que a falta de educação e a falta de respeito também caracterizam uma violência.

 

Infelizmente é com frequência que ouvimos e assistimos na mídia, a questão da violência em salas de aula e também no entorno de escolas, entre os alunos e até mesmos com os professores. Me pego a pensar se houvesse bibliotecas nas escolas, em que tais fatos ocorrem, como elas poderiam participar de modo a intervir ou até mesmo canalizar a rebeldia dos alunos mais problemáticos?

 

Obviamente que não deve ser um projeto isolado da biblioteca escolar, mas com certeza, muito poderia auxiliar nessas situações. Aí entra a política da escola; o perfil e a experiência do profissional à frente da biblioteca; a estrutura ofertada pela biblioteca em termos de serviços que possibilite trazer esses alunos mais perto, e, poderíamos até citar, a “satisfação” ou  “insatisfação” que os resultados poderiam causar. Mas não deixa de ser um aprendizado e tanto!

 

Pela legislação, são muitos e importantes os objetivos de uma biblioteca escolar, porém acho que devemos colocar mais alguns e que se referem às relações humanas. Atualmente, como já sabido e debatido, a biblioteca escolar precisa caminhar na velocidade que caminha a tecnologia, isto é, tentar caminhar juntos, sem porém perder a capacidade de se relacionar. E nesse ítem entram, sem dúvida alguma, os fatos narrados acima, assim como os sentimentos de satisfação e insatisfação no trabalho.

 

Que mais pode nos causar imensa satisfação, numa biblioteca, do que conseguir atender às solicitações de quem procura por informação; por ajuda; por atenção; de atingir os objetivos propostos para uma biblioteca escolar?

 

Quanto aos alunos mais indisciplinados, desobedientes e teimosos, tenho usado em minhas aulas de biblioteca, um artificio que tem dado certo (sem querer dizer com isso que seja fácil e tranquilo) que é dar-lhes serviços e torná-los meus monitores. Tento me lembrar sempre daquele velho ditado: se não posso com eles, me uno a eles. Pelo menos retenho um pouco da atenção desses e dos demais para prosseguir e terminar a aula, pois acredito que sempre existe uma opção sobre a forma como fazemos nosso trabalho, mesmo que não exista uma escolha sobre o trabalho em si.

 

A escolha do tema desse artigo veio também após a leitura de uma entrevista do primeiro homem a ocupar o cargo de bibliotecário na Biblioteca Municipal de Mogi das Cruzes, que recebi de uma amiga e muito me impressionou, pois o título da entrevista já chamou a atenção e dizia que além de escritor o bibliotecário é também um apaixonado pelo ser humano.

 

Nos dias de hoje, ouvir ou ler uma declaração dessas é sem dúvida alguma para acreditar que ainda pode ser feito muita coisa pela educação; muita gente pode ser recuperada; é acreditar que mudanças podem, realmente, ocorrer. O bibliotecário Auro Malaquias dos Santos, além da parte técnica, conversa com seu público como se a biblioteca onde atua fosse um consultório: “Quando você trabalha com um público muito diverso, precisa intermediar a chegada do usuário até a informação que ele precisa. Mas muitos deles vêm procurando uma orientação para situações que estão passando. Teve uma senhora uma vez, que vinha aqui sempre procurando livros que falassem sobre o uso de drogas. Dias depois descobri que ela queria orientação de como lidar e ajudar um usuário a deixar o vício. No caso, o filho dela. Então não dá para ser frio e apenas indicar o livro. Acabo me envolvendo, conversando com as pessoas. Costumo brincar que a biblioteca não é mais um lugar onde o silêncio é obrigatório. Tem as salas específicas para isso, mas hoje é um lugar de convivência social.” Auro Malaquias dos Santos – 13/03/2011.

 

Isso que eu chamo de ter satisfação naquilo que faz! O Auro nos engrandece com esse exemplo de dedicação ao próximo e com essa clareza quando menciona que não é somente fornecer a informação ou emprestar um livro. O X da questão é a atenção, o atendimento, o acolhimento, que é necessário prestar a todo aquele que entra numa biblioteca, quer seja ela escolar, pública, universitária, etc. E esse movimento só é conseguido pelas pessoas que têm real entendimento da importância de seu trabalho e satisfação com o que faz, não importando, pelo menos naquele momento, se o salário está de acordo com seus anseios ou não; se a estrutura da biblioteca está compatível ou não; enfim, na hora do atendimento o que deveria prevalecer é a relação humana, com todos seus percalços.

 

A biblioteca escolar, como uma prestadora de serviços, atendendo a todos, indiscriminadamente, é um ótimo local para treinarmos e aprofundarmos as relações humanas, pois estamos lidando com crianças, jovens e adultos, com os mais diferentes tipos de personalidades, manias, vícios, necessidades, sendo assim um mar de aprendizado em relacionamento humano.

 

 “Independentemente do modelo e da filosofia de mudança adotado, sentimentos e emoções estarão permeando as relações de trabalho. Administrar de forma efetiva o medo e a raiva é o primeiro passo para a melhoria da qualidade de vida. Viver com qualidade, em seu significado pleno, requer mais do que superar a hostilidade e a intimidação: requer parceria, cooperação, polidez e respeito, virtudes derivadas do amor.” Edina de Paula Bom Sucesso – Trabalho e qualidade de vida.

 

Ainda resta um bom tempo para reflexão e treinamento até ser viável atender às exigências da Lei n.1.244/2010, que obriga a toda e qualquer escola pública ou privada ter biblioteca com bibliotecário, pois será mister que além das especificações técnicas, o profissional também se qualifique em relações interpessoais e que esse profissional tenha capacidade, coragem  e condições de saber o que lhe dá mais ou menos satisfação num trabalho e qual seria esse trabalho. Um funcionário satisfeito, com certeza, desempenhará muito melhor suas funções. 

 

...Cada vida é uma enciclopédia, uma biblioteca, um inventário de objetos, uma amostragem de estilos, onde tudo pode ser continuamente remexido e reordenado de todas as maneiras possíveis.   - Ítalo Calvino


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MARILUCIA BERNARDI

Formada pela PUCCampinas. Atualmente elabora projetos para formação de Biblioteca Particular (Pessoal), oferece apoio a Bibliotecas Escolares e é aluna da Faculdade da Terceira Idade, da UNIVAP, em Campos do Jordão. Ministrou aulas de Literatura e Comunicação, por dois anos, na Faculdade da Terceira Idade. Atuou na Escola Estadual Prof. Theodoro Corrêa Cintra, em Campos do Jordão, pela ONG AMECampos do Jordão. Trabalhou na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; na Metal Leve; chefiou a Biblioteca da Faculdade Anhembi-Morumbi e foi encarregada da biblioteca do Colégio Santa Maria. Possui textos publicados e ministrou diversas palestras sobre Biblioteca Escolar.?