BIBLIOTECA ESCOLAR - NOVA FASE


  • Discussões, debates e reflexões sobre aspectos gerais e específicos da Biblioteca Escolar. Continuação da coluna anterior, agora apenas com autoria de Marilucia Bernardi

A “SEXUALIDADE” NA BIBLIOTECA ESCOLAR

Começarei esse texto assim, como Antonio Prata iniciou o seu, na Folha de São Paulo, do último 07 de setembro, contando que, após ter terminado de escrever sua crônica, cujo assunto era seríssimo, fora dar uma espiadela na Internet e se deparou com a página da UOL trazendo uma notícia deveras hilariante e surpreendente (que não mencionarei aqui para não estragar a brincadeira e dar a oportunidade para quem quiser e digo-lhes, vale a pena, pesquisar pelo jornal ou na internet) provocando-lhe a alterar o assunto a escrever.

 

Eu também já tinha pronto uma parte do que seria o texto do mês, porém, hoje pela manhã, praticando minha corrida, me veio à mente uma situação muito comum e engraçada que acontece em nossa biblioteca e pensando bem, achei que seria bom e oportuno narrar nesse espaço. Acredito que ocorra em outras bibliotecas situações semelhantes.

 

Tenho certeza de que muita gente, mesmo os que não costumam ler essa coluna, vai acessá-la para tirar a teima sobre o que falaremos da sexualidade numa biblioteca escolar.

 

Embora o colégio onde trabalho seja de religiosas e católicas, até hoje, passados 15 anos, nunca me proibiram de colocar qualquer assunto no acervo. É claro que confiam no meu discernimento no momento da escolha do que é melhor e mais adequado para todas as faixas etárias que atendemos. Seria muito leviano e irresponsável de minha parte se agisse de outra maneira.

 

Como já tivemos oportunidade de mencionar, em outros momentos, a formação do acervo é tão ou até mais importante que qualquer outro serviço prestado pela biblioteca escolar.

 

E nesse item, é necessário que saibamos compor o acervo com qualquer assunto que diz respeito ao desenvolvimento dos alunos, principalmente dos menores. E isso engloba o desenvolvimento pessoal, social e por que não o sexual?

 

Conheço muitas bibliotecas que não podem ter em seu acervo determinados temas, tais como: bruxaria, terror, sexo, religião etc. Não vamos discutir isso aqui, mesmo porque a política de compra da biblioteca deve seguir a política adotada na instituição, e deve ser respeitada. Normas não se discutem, se cumprem. Embora ache um desperdício e até um certo atraso, que um local onde se busca informação e aprendizado, como uma biblioteca, seja impedida de democratizar e abrir o leque do conhecimento para que se torne amplo, geral e irrestrito.

 

E, se pensarmos que a grande maioria dos alunos, mesmo os de escola pública, já possui celulares com “n” opções de lazer, entretenimento, etc, estando, assim, já conectada no universo das redes sociais tendo acesso a mais sexualidade do que devia e nem sempre da melhor forma, é até uma ingenuidade não tratarmos disso em uma biblioteca escolar.

 

Portanto onde mais, depois do lar, com os pais, seria o melhor local para a criança se informar sobre sexo? Na escola e na biblioteca.

 

Pois bem, partindo desse pressuposto, me ocorreu escrever sobre o tema sexualidade na biblioteca, porque percebi que esse pode ser mais um ponto a nosso favor para cativar as crianças a virem na biblioteca – “cantinho da sexualidade”.

 

Não, não é um local para encontros amorosos. São prateleiras com livros a respeito desse assunto, para diferentes faixas etárias, que contenham figuras ou desenhos adequados, pois é exatamente isso que mais chama a atenção da petizada. É importante que esse acervo esteja tão disponível quanto os de literatura infantojuvenil.

 

Obviamente que o acesso deve ser mediado pelos funcionários da biblioteca, para que eles peguem os livros de acordo com sua idade. Nem seria necessário salientar que numa biblioteca escolar não deve conter livros pornográficos e sim de educação sexual. Sendo assim, se torna menos difícil mediar quais livros servem para quais alunos.  

 

Para alunos maiores, como no caso os do Ensino Médio, existem muitos mangás eróticos, que valem a pena serem trabalhados pelos professores de Língua Portuguesa e de Artes.

 

E o ponto G (copiando Antonio Prata- com trocadilho) ao qual eu queria chegar é sobre a festa que os alunos pequenos fazem, principalmente no 1° semestre quando chegam à biblioteca e descobrem o universo de diferentes assuntos e entre eles, no meio das estantes, a plaquinha intitulada – SEXUALIDADE. A correria e o riso começam...

 

Já sabemos: é lá no 612.6. Vamos ver o que ocorre e ai vemos as coisas mais engraçadas se desenrolarem, pois ao perceberem nossa aproximação, cada um corre para um lado, outros se escondem pelas demais estantes, os livros são jogados ou colocados de cabeça para baixo, “enfiados” em qualquer outro lugar, enfim, a bagunça é total.  Isso tudo porque o tema ainda é tão tabu, ainda é visto como assunto proibido para menores. Porém, aos poucos, vamos conseguindo quebrar esse paradigma e à medida que o tempo passa, percebemos que eles continuam a procurar, mas com mais moderação e já nos ouvem mais.

 

Temos cerca de 32.000 volumes, sendo que literatura infantojuvenil, terror, suspense e os Guiness Books da vida, são os temas mais procurados, porém as prateleiras que trazem sobre sexo, precisam ser refeitas e arrumadas todos os dias, algumas vezes, na parte da manhã e depois do recreio da tarde.

 

Essa aproximação com o aluno é muito salutar, pois nós temos que adquirir a confiança deles, nos permitindo, dessa forma, oferecer outras leituras, outros horizontes. Além de, é claro, ficar conhecendo melhor o perfil de nossos usuários.

 

Todos os anos isso acontece, ou seja, essa busca desenfreada pelas prateleiras da sexualidade e tivemos que aprender a lidar com isso, nos comunicando com a orientação de cada série, assim como com os professores daqueles alunos que mais procuram por esse assunto. É sabido, que em muitos casos, há um certo desvio de conduta que precisa ser tratado. Muitas crianças apresentam uma sexualidade muito aflorada para a idade, então aí também entra a parceria sala de aula e biblioteca, para cuidarmos de cada caso. Muitas vezes, até a família é chamada para uma conversa e verificar quais livros que a biblioteca possui e que seu filho quer emprestar, pois uma coisa que estabelecemos é que o empréstimo dos livros sobre sexo só será feito mediante autorização dos pais, pois não sabemos como as famílias abordam isso com seus filhos, em casa.

 

Quando existe essa sintonia, isto é, todos os envolvidos falam a mesma língua, os problemas ficam bem menores e menos difíceis de resolver. Já recebemos mães muitíssimo preocupadas porque sua filha chegou em casa falando que “na biblioteca tem livros de gente pelada e mostra como a gente nasce”. Ótima oportunidade de conhecermos a mãe, acalmá-la e levá-la até as prateleiras para mostrar os mesmos títulos que seus filhos gostam tanto. Percebemos, em muitos casos, que a mãe é que tem dificuldade em falar sobre o assunto, por vários motivos, até mesmo religiosos e achar que ainda é cedo para falar a respeito de sexo, ou ainda por não saber a melhor forma de fazê-lo.

 

Eu mesma já tive oportunidade de conversar com algumas mães e mostrar-lhes que não adianta ela não falar sobre isso, mas que se os(as) amigos(as) de seu(sua) filho(a) conhecem mais a respeito e se tiverem acesso, quer num computador, ou mesmo em celular, seus filhos também vão ter a curiosidade aguçada e vão buscar essa informação em qualquer local que puder lhes responder. Então que seja em livros instrutivos. E nesse momento fazemos com que a mãe leve um para casa e leia junto com a criança.

 

No final das contas, percebemos que temos conseguido conhecer mais nossos alunos, que alguns ficaram bem mais a vontade, não precisando mais fingir que estavam lendo um volume de uma enciclopédia, mas que dentro, na realidade, tinha um livro sobre sexo e até nos procuram para responder algumas questões a respeito. É muito hilário.

 

Esse é mais um dos casos que gostaria de relatar, de como precisamos estar atentos para perceber as nuances existentes numa escola, mais precisamente numa biblioteca escolar e tirar proveito e ensinamento de cada situação, por pior que esta seja.

 

Nesse caso específico, oferecer LIVROS sobre sexualidade é antes de tudo um serviço de “utilidade pública”, uma vez que nossas crianças, muitas delas, só têm olhos para o computador e este, nem sempre é ofertado no momento adequado e oportuno na vida do aluno, pois assim como o desenvolvimento intelectual varia em cada indivíduo, a maturidade sexual também. Sabemos que nem toda criança de 10 anos tem igual desenvolvimento e para tanto, é necessária a orientação certa tanto em sala de aula, quanto na biblioteca.

 

Quando o aluno vai até a biblioteca, só ou em grupo para “olhar” os livros sobre sexo e sai de lá com sua vontade satisfeita, pelo menos parte dela, pois nada lhe foi proibido, temos a garantia que voltará mais vezes, quem sabe até conseguimos mais um “leitor”, ainda que seja de textos mais densos.

 

E, sabendo que um dos efeitos da leitura é o seu caráter libertário e transformador, permitamos, então, que as crianças se libertem de tantos tabus, tendo acesso a literatura apropriada sobre sexo e possam conhecer, melhor, a si mesmos.

 

 “Esse amor pela leitura, essa vontade de aprender e de explorar novos mundos se destacam de tal forma em minha memória afetiva, que simplesmente não consigo imaginar uma infância sem livros”.  (John Wood)

 

Que maravilha será, se algum desses alunos, um dia já adultos, se lembrarem e disserem: ”a biblioteca do colégio onde estudei era tão legal, aprendi tanta coisa lá que até os livros sobre sexo podíamos pegar...”


   502 Leituras


Saiba Mais





Sem Próximos Ítens

Sem Ítens Anteriores



author image
MARILUCIA BERNARDI

Formada pela PUCCampinas. Atualmente elabora projetos para formação de Biblioteca Particular (Pessoal), oferece apoio a Bibliotecas Escolares e é aluna da Faculdade da Terceira Idade, da UNIVAP, em Campos do Jordão. Ministrou aulas de Literatura e Comunicação, por dois anos, na Faculdade da Terceira Idade. Atuou na Escola Estadual Prof. Theodoro Corrêa Cintra, em Campos do Jordão, pela ONG AMECampos do Jordão. Trabalhou na Fundação Getúlio Vargas de São Paulo; na Metal Leve; chefiou a Biblioteca da Faculdade Anhembi-Morumbi e foi encarregada da biblioteca do Colégio Santa Maria. Possui textos publicados e ministrou diversas palestras sobre Biblioteca Escolar.?