NINGUÉM É DE FERRO
Por que será que, invariavelmente, reina incômodo silêncio em volta das greves das instituições federais de ensino, as ditas IFES? Por que nenhuma repercussão? Por que a sociedade não se posiciona? Por que a imprensa pouco noticia? Por que será?
Nada mais desalentador do que qualquer sentimento de saudosismo. Cheira a mofo, bolor e ranço. Cheira a coisas vencidas pelo tempo, inexorável por si mesmo. Detesto quem diz com frequência: “no meu tempo”. Repito, com vigor e com veemência, “meu tempo é este. Estou aqui e agora”. Estou viva e consciente do que passa ao meu redor, portanto, meu tempo é este.
No entanto, ao lembrar meu ingresso numa universidade pública, aos 17 anos, e minha permanência ao longo de toda uma vida, é impossível não discorrer sobre as mudanças que afetaram e afetam essas entidades. Assisti à sua fase áurea como instituição social. O orgulho de ser aluno e / ou professor universitário se nutria da esperança de concorrer para a melhoria das coletividades. Era o tempo do idealismo, da dedicação irrestrita, do amor incondicional. Mais adiante, assisti à sua decadência. Antes, professores de 40 horas viviam na universidade e, sobretudo, viviam a universidade. Hoje, docentes de 40 horas e, mais grave, alguns com dedicação exclusiva (obviamente, há exceções) “passeiam” na universidade, ministram aulas via seminários constantemente a cargo dos próprios alunos. Entram em sala de aula. Brincam de projetos de pesquisa. Investem em produção intelectual com vistas aos seus interesses pessoais e quiçá, à aposentadoria que chegará um dia.
Afinal, produção é sinônimo de ascensão profissional. Ascensão é sinônimo de maior ganho, prestígio assegurado, status, troca de favores com os pares e assim vai... Há casos e mais casos de professores que mantêm muito mais atividades extrauniversidade do que nos muros das instituições que pagam seus salários, leia-se, a população. As atividades paralelas não concorrem com a atuação efetiva do docente. Estão bem além. Reinam soberanas.
Diante dessa realidade e da politicagem (não conscientização política) que impera nas IFE – os cargos de chefia, quase sempre, são ocupados por indicação, deixando para trás mérito e qualificação via papéis –, as associações de classe se perdem nos caminhos ostensivos de agressões pessoais e do partidarismo político. Eleições parecem um campo declarado de batalhas e, ao contrário do que se pensa, não acontece somente no Piauí, e, sim, Brasil afora. Repito. Com raras exceções, a universidade pública brasileira é, nos dias de hoje, um verdadeiro faz de conta. Governos ou governo, ministério da educação (assim mesmo em minúsculo) e as administrações universitárias ostentam números. O quantitativo está em alta. O qualitativo, em baixa. Diz-se que a seleção do profissional é imposta pelo mercado, de modo que inexiste necessidade de rigor. Alunos de qualquer nível não devem ser reprovados. Devem seguir adiante para guardar a proporção ingresso versus saída, engrossar estatísticas e “engrandecer” o país.
Como decorrência, o número de fraudes e embustes, por exemplo, em termos de produção científica, somente cresce. São universitários ou formandos que copiam, na íntegra ou parcialmente, textos de autores e de fontes distintas, incorporando-os aos trabalhos apresentados em disciplinas e / ou às monografias finais de curso. Tudo reflete a decadência do ensino brasileiro, em diferentes instâncias, incluindo o ensino fundamental e médio, e não obstante os dados oficiais que enaltecem as condições educacionais: menor número de analfabetos (não importam os analfabetos funcionais), menor número de evasão e de repetência (qualquer que seja o perfil da formação “adquirida”), maior número de cursos universitários de graduação e pós-graduação (não importa a qualidade). Reitero: é a quantidade em detrimento da qualidade.
Por tudo isso, eu que odeio respostas fechadas, hoje, abro exceção: declínio,
descrédito e comportamento aético prevalecentes nas universidades respondem aos questionamentos iniciais sobre o silêncio que cerca a greve dessas instituições. Desde o dia 17 de maio de 2012, 48 IFE de diferentes Estados estão paradas. O início da paralisação varia de uma para outra. O final, a quem interessa? Talvez, a uns poucos a quem essas questões aumentam a descrença em torno da educação, mas que a despeito disso continuam a batalha na vã esperança de que algo provoque mudança...
Os motivos para a greve são recorrentes. Os representantes da classe docente falam de reajuste salarial, condições melhores de trabalho e reestruturação do quadro funcional. Sobre o primeiro e terceiro itens, nenhuma dúvida. Mas, o que seria melhoria da condição de trabalho? Bibliotecas bem equipadas em termos tecnológicos e de coleções atualizadas, com serviços de informação de alcance mundial? Acesso fácil à internet? Laboratórios de última geração? Restaurantes bem administrados? Ninguém sabe responder, porque greve nas universidades significa esvaziamento dos campi. Vamos todos descansar! Afinal, ninguém é de ferro!