ALÉM DAS BIBLIOTECAS


UNIVERSIDADES EM PORÇÕES MÁGICAS

Depois de anos e anos de controvérsias e embates, vence, mais uma vez, a insensatez. Desta vez, refere-se à aprovação no Senado, na terça-feira passada (7 de agosto) do Projeto de Lei n.º 73, de 1999, da deputada federal Nice Lobão. Este assegura 50% das vagas do vestibular nas 59 universidades federais e nos 40 institutos federais de ensino superior, além dos institutos federais de nível médio a alunos provenientes do ensino público. Dizendo de outra forma, o sistema se aplica à seleção de alunos para as vagas nos cursos de ensino superior das universidades federais e institutos federais, além das vagas do ensino médio disponíveis em institutos federais. Para o ensino superior, os lugares reservados vão para quem cursou todos os anos do ensino médio em escola pública. Para os cursos de ensino médio, para quem cursou todos os anos do ensino fundamental.

 

A pretensão da deputada (PSD-MA) é unificar a divisão das vagas por cotas sociais e raciais. O Projeto aguarda tão somente a sanção de Dilma Rousseff. A Presidenta, adepta fervorosa da proposição, tem o prazo de até 15 dias úteis para a devida sanção, embora, em teoria, possa suspendê-lo, na íntegra ou parcialmente. Caso a aprovação se dê sem vetos, as instituições federais de ensino superior (IFES) vão ter o prazo de quatro anos para os devidos ajustes. No entanto, até a data-limite, ou seja, segundo semestre de 2016, devem destinar, no mínimo, 25% da reserva de vagas prescrita por lei, a cada ano.

 

Há tantos e tantos pontos discutíveis e obscuros no tal Projeto. Difícil enumerá-los. Difícil mencioná-los em ordem sequencial lógica. Primeiro, punem-se os muitos e muitos pais “remediados” que, abrindo mão de itens essenciais à qualidade de vida de sua família, privilegiaram a educação formal dos filhos e os enviaram a uma escola particular, reconhecida pelos próprios governantes federais, estaduais e municipais como de melhor ensino do que a escola pública. Prova maior: alguém conhece algum presidente, governador, senador ou deputado que tenha enviado filhos crianças ou adolescentes ao setor público de ensino?   

 

Além do primeiro critério para os “agraciados” pelo regime de cotas – rede de ensino – há mais dois outros: renda familiar e cor / raça. Em se tratando da renda familiar, segundo a lei em andamento, 25% do total das cotas vão para quem provém de famílias com renda igual ou inferior a 1,5 salário mínimo per capita. Indo além, num país comprovadamente multirracial como o Brasil, se os indígenas são de fácil identificação, como distinguir negros, pardos e brancos? Nesse caso, o percentual varia de Estado para Estado, de acordo com os dados do último censo do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE) referente à Unidade da Federação onde a universidade se situa. Mas a dúvida continua. O texto aprovado afirma que a distinção vai obedecer à autodeclaração de cada candidato. Daqui por diante, haja brancos-escurinhos brigando para serem pardos! Ou melhor, negros! E há sempre a chance remota de se imporem como índios...

 

A tudo isso, soma-se o desrespeito à autonomia das universidades públicas, prescrita na Constituição Federal, no que diz respeito à sua capacidade de selecionar o alunado. E mais, é espantoso o Governo Federal impor um modelo único para todas as instituições, desrespeitando suas singularidades e o que é mais grave, a idiossincrasia das regiões e dos Estados brasileiros, apesar dos contrastes entre os vários brasis serem sempre decantados com frequência, inclusive por administradores públicos. Além disso, o Congresso Nacional desconsiderou a experiência de universidades que já adotam processos análogos. É o que se dá, por exemplo, na Universidade Federal da Bahia que, por decisão interna e soberana, já mantém política de cotas similar à aprovada pela Câmara, considerando a incidência de negros no Estado. Há outros casos. Porém, em todos eles, não se afronta a autonomia institucional.

 

Afinal, a quem argumenta ser este o momento de resgatar a dívida da nação em relação aos desfavorecidos economicamente e / ou aos injustiçados socialmente, um único questionamento: desde quando a inserção de indivíduos despreparados em IFES, qualquer que seja sua renda familiar, sua cor ou sua raça, é capaz de amenizar a estratificação social que paira em nosso Brasil? Desde quando esta é a solução para a manutenção da excelência (embora há muito tempo contestável) da educação superior? Por que não investir maciçamente – de fato, sem desvio de verbas, com respeito ao trabalho do professor dos municípios espalhados pelo Brasil – no ensino fundamental e médio? Por que não corrigir as deformações que advêm desde cedo?

 

Há muitas e muitas outras políticas / ações afirmativas que não castigam os estudantes de escolas particulares, não desagregam a sociedade, não punem a classe média e, sobretudo, não põem em risco a denominada excelência acadêmica, meta de qualquer país desenvolvido ou em desenvolvimento. É a vez de se impor uma sociedade mais justa mediante investimentos tanto em políticas voltadas para o crescimento econômico quanto em políticas sociais para a redução da pobreza e da desigualdade social, sem fragmentar a universidade em frangalhos ou porções que nada têm de magia. O país e o povo brasileiro carecem de políticas sociais verdadeiras. Isto porque, há um alto preço a ser pago por esse gesto de pura insensatez, com cheiro de demagogia flagrante e cara. Mas tudo isto para um último questionamento: onde está a grande mídia que se omite ou se posiciona em falas de cor cinza, que nada dizem? Ao contrário...


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MARIA DAS GRAÇAS TARGINO

Vivo em Teresina, mas nasci em João Pessoa num dia que se faz longínquo: 20 de abril de 1948. Bibliotecária, docente, pesquisadora, jornalista, tenho muitas e muitas paixões: ler, escrever, ministrar aulas, fazer tapeçaria, caminhar e viajar. Caminhar e viajar me dão a dimensão de que não se pode parar enquanto ainda há vida! Mas há outras paixões: meus filhos, meus netos, meus poucos mas verdadeiros amigos. Ao longo da vida, fui feliz e infeliz. Sorri e chorei. Mas, sobretudo, vivi. Afinal, estou sempre lendo ou escrevendo alguma coisa. São nas palavras que escrevo que encontro a coragem para enfrentar as minhas inquietudes e os meus sonhos...Meus dois últimos livros de crônica: “Palavra de honra: palavra de graça”; “Ideias em retalhos: sem rodeios nem atalhos.”