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12 DE MARÇO DIA DO BIBLIOTECÁRIO: NOVOS RECURSOS TECNOLÓGICOS E VELHOS DESAFIOS PROFISSIONAIS

No último dia 12 de março de 2014, ocorreram inúmeros eventos comemorativos à profissão de bibliotecário no país. Pessoalmente, tive o prazer de participar, como palestrante, da festividade promovida pelo Conselho Regional de Biblioteconomia da 3ª Região/Ceará. Encontro marcado pela posse da nova diretoria da Associação Cearense de Bibliotecário, e da solenidade de entrega da medalha “Maria da Conceição Souza” à bibliotecária Sandra Cabral, pelo trabalho desenvolvido em prol da classe.

 

Em destaque, a história da Patronesse da medalha, marcada pela paixão e dedicação à Biblioteconomia. Uma característica encontrada na postura dos pioneiros que disseminaram a construção da profissão pelo país, em especial a partir da década de 1930 em diante. No caso da bibliotecária Maria da Conceição, formada no curso mantido pela Biblioteca Nacional, do Rio de Janeiro, em 1946. Ela foi colega de estudos do bibliotecário Edson Nery da Fonseca. Foi também a primeira bibliotecária do Estado, responsável pela difusão da profissão e a implantação do primeiro curso de Biblioteconomia, no Ceará. Ao longo da carreira, exerceu a atividade em várias instituições, incluída a chefia da biblioteca central da Universidade Federal do Ceará - UFC.

 

Pessoa persistente, mesmo após receber negativas para a instalação de um curso de Biblioteconomia, continuou a sensibilizar lideranças locais. Nos anos de 1960 promoveu eventos nos quais convidou a bibliotecária Lídia de Queiroz Sambaquy, e ambas procuraram convencer o Reitor para criação do curso na UFC. Na primeira tentativa, apesar do desinteresse ou pouco empenho demonstrado da autoridade, não houve abatimento. Na segunda, Maria da Conceição convida Lídia para novo evento em Fortaleza e, desta vez, a bibliotecária carioca se faz acompanhar do Marido – Júlio Furquim Sambaquy – então Ministro da Educação (21/10/63 a 06/04/64). Resultado, em 1964 é criado o curso de Biblioteconomia e Documentação da Universidade Federal do Ceará. Embora a história, seja aqui, muito resumida, nos dá uma lição de vida profissional. Possamos ou não concordar com muitos dos aspectos da área, porém, torna-se evidente a importância de se conhecer e respeitar a história bibliotecária brasileira, um legado significativo, e que não se pode renegar. Pois essa história é fruto dos esforços dispendidos na sua construção, tijolo a tijolo. Cimentado com o suor e dedicação das gerações que nos antecederam.

 

Se o 12 de março tem significado para cada bibliotecário, este significado ganha maior dimensão, quando enriquecido pelos exemplos de profissionais do passado e do presente. Viver uma boa vida profissional é viver uma profissão com propósito. E a Biblioteconomia tem o seu propósito.

 

A data traz a lembrança da música Oh happy day, (oh happy day) / Oh happy day, (oh happy day)... Apesar da letra religiosa, é louvação à fé inabalável que precisamos ter. Popularizada como a trilha sonora do filme "Mudança de Hábito", e na qual em determinado trecho canta-se:

 

Sing it like you mean it, oh

Oh happy day (oh happy day)

I'm talking about the happy days (oh happy day)

C'mon and talk about the happy days (oh happy day)

Oh, oh, oh happy days (oh happy day)

Ooh talking about happy day (oh happy day)

Oh yeah, I know I'm talking about happy days (oh happy day)

Oh yeah, sing it, sing it, sing it, yeah, yeah (oh happy day)

Oh, oh, oh

Oh happy day!

 

Cantem com vontade

Que dia feliz (oh dia feliz)

Estou falando sobre os dias felizes (oh dia feliz)

Vamos e falem sobre os dias felizes (oh dia feliz)

Dias felizes (oh dia feliz)

Estou falando sobre o dia feliz (oh dia feliz)

Sim, eu sei que estou falando dos dias felizes (oh dia feliz)

Sim, cantem, cantem, cantem, sim, sim (oh dia feliz)

Oh, oh, oh

Oh dia feliz

 

 

A analogia com a música está na sensação transmitida de que no dia dos bibliotecários, deve-se mais é vibrar com a data, com a profissão que se escolheu exercer, apesar dos percalços e da luta contínua pela sua valorização.

 

A Biblioteconomia é tudo de bom, uma profissão de fé. Um área de oportunidades, oportunidades visualizadas, por exemplo, no estado do Ceará, em termos de um mercado com potencial espaço de crescimento.

 

Dados estatísticos estimam a população do Estado em 8.448.055 pessoas (2010), já a comunidade bibliotecária totaliza: 591 profissionais, divididos em 52 bibliotecários, e 539 bibliotecárias. O total de bibliotecários cearenses representa apenas 0,00006% da população. Há uma evidente invisibilidade social quantitativa, porém ela será cada vez menor se mais pessoas forem atraídas para a profissão, e a sociedade cearense for estimulada a demandar por serviços de informação. Como desenvolver uma ação bibliotecária que favoreça o crescimento numérico de bibliotecários e, que também, estimule a sociedade local a demandar por seus serviços, é uma discussão que aos profissionais cearenses cabe promover.

 

Ao mencionar "crescimento numérico" há de se ter consciência de que o desempenho da atividade deve refletir as transformações da sociedade. Impõe a necessidade de manter uma contínua sintonia e compreensão do sentido destas transformações e os seus efeitos sobre a área.

 

Um aspecto de influência nas transformações em curso é a tecnologia. Em geral impregna a atividade bibliotecária atual, e apesar disto é pouco debatida quanto a exploração e as possibilidades do seu ferramental. A tecnologia não é um fim para alcançar o sucesso e reconhecimento social da atividade, mas um meio que contribui para tal, e que precisa ser pensada e aplicada com planejamento.

 

Na atualidade, percebe-se a sociedade em geral sobrecarregada de opções, e variedades de recursos que geram uma produção volumosa de dados. Isto já acarreta um certo sobrepeso informacional, pelo excesso no consumo ou consumo errático da informação, e na quantidade de dispositivos transportados, agora também vestíveis. Em ambos os casos há necessidade de uma reeducação, no acesso e uso da informação, bem como, no uso consciente de dispositivos mediadores tanto na produção, quanto no consumo desta informação.

 

Por outro lado, o ambiente digital, simbolizado pela Web, não pode ser visto como concorrente da biblioteca, mas um território que pode alavancar o trabalho bibliotecário, abrindo novas e desafiadoras oportunidades.

 

O ambiente contempla recursos que ofertam aos serviços bibliotecários a possibilidade de desenvolver ações de marketing; captar novos ou potenciais usuários; fidelizar os existentes; ampliar os canais de comunicação interativa com o público; desenvolver parcerias e atividades cooperativas com outras agências no âmbito local, regional ou mundial; projetar uma imagem social contemporânea.

 

Para tanto, o bibliotecário precisa ter clareza sobre esse ambiente na sua atividade profissional. Não basta colocar a biblioteca ou o seu serviço presente nas mídias sociais. O meio é uma vitrine dinâmica; um espaço de negócio, de empreendimento, de comércio, de expressão social e cultural, e de informação.

 

Para muitos dos serviços comerciais populares na Web, e na qual a publicidade é um negócio comercial, o usuário (internauta) é um produto. Dele se consome até a medula, além do pensamento. Já, para a biblioteca o usuário torna-se o principal insumo de trabalho. É ele que irá fornecer as diretrizes para a atividade eficaz do bibliotecário, e não apenas eficiente. Portanto, não basta o contentamento de ser seguido pelo usuário, mas ao contrário, ter a felicidade de saber como segui-lo de forma proveitosa ao desempenho das suas funções.

 

Ademais, com os vários dos recursos disponíveis "gratuitamente" na rede, o bibliotecário pode implementar diversificadas propostas como: promover cursos à distância para o seu público; servir como uma editora social de livros eletrônicos, apoiando as expressões dos membros da sociedade local de seu entorno, entre outros.

 

Ferramentas de uso livre para a construção de produtos bibliográficos como: catálogos online, repositórios científicos e sociais, revistas eletrônicas, portais ou blogs, e editoração eletrônica estão à disposição dos bibliotecários para proverem conteúdo digital, e estabelecerem posição na rede, com baixo custo. Abre-se oportunidades de negócio, aos bibliotecários que desejam atuar como consultores ou fornecedores de serviços, explorando os diversos softwares livres na geração de produto e capacitação e treinamento de equipes em bibliotecas. Na figura 1 apresenta-se uma ilustração dos possíveis recursos gratuitos e programas livres para uso em bibliotecas, justificando possibilidades mencionadas.

Figura 1 – Ferramental para uso em Bibliotecas

 


 

Em realidade, com advento da internet, a biblioteca é pressionada a sair da sua zona de conforto, como centro de armazenamento e difusão da informação registrada. As pessoas passam a dispor de novos canais de obtenção e disponibilização de informação. Não se entra no mérito da qualidade da informação, mas como mencionado acima, geradora de volumosa massa.

 

O fato é a oportunidade para o bibliotecário reconfigurar sua atividade, de forma a torna-la mais ao agrado de seu público. Entretanto, não deve renegar os métodos biblioteconômicos e a coerência de seu trabalho. Trabalho baseado em padrões internacionais, e norteado pelo princípio do controle bibliográfico. É sabido que a informação sem organização, não tem recuperação. Nem há santo Google que dê jeito. Ademais, a própria internet, em todas as suas camadas é construída sobre padrões. A própria rede já é um padrão – IP. Assim, a característica do trabalho bibliotecário, seus métodos e normas reguladoras se ajustam às necessidades de estrutura de dados proposta na rede – Web semântica, dados ligados, metadados.

 

Neste cenário de transformações sociais e tecnológicas, o bibliotecário organiza as informações produzidas por pessoas para consulta e uso de pessoas. Na essência do seu trabalho está o desenvolvimento humano. Portanto, a questão não é em si a rede ou a tecnologia, mas a sua capacidade de promover maior interação com o público, mediado ou não por aparatos tecnológicos. Facilitar às pessoas o livre e democrático exercício da expressão, e o de fundamentá-lo pela liberdade de acesso e uso da informação registrada.

 

A perspectiva de oportunidades ao bibliotecário não está limitado às paredes de uma biblioteca, elas se descortinam na medida em que amplia-se a conexão entre as pessoas, e novos segmentos de produção e de serviços surgem demandando processos de gestão da informação nas conexões estabelecidas.

 

O velho desafio é acompanhar e refletir a diversidade de atuação emergida na área, os ajustes de competências e habilidades necessários aos segmentos surgidos e, em especial, ao de aprender a estabelecer relações de trabalho, cooperação e diálogo com as demais profissões que têm como insumo também a informação.

 

Nesse mundo novo que renasce, em cada novo amanhecer, a orientação que o bibliotecário pode adotar é a reflexão proposta pela professora Cordélia Robalinho de Oliveira Cavalcanti, ao recomendar um perfil bibliotecário semelhante ao deus romano Janus, que possuía duas faces, uma voltada para o passado e outra para o futuro. Segundo a Professora, “O bibliotecário deste século, assim como Janus, deverá ter um olhar voltado para o passado, contemplando Alexandria e seu esplendor, e outro para o futuro, contemplando o Vale do Silício, buscando conhecer os avanços tecnológicos, pesquisas e inovações ligadas à tecnologia da informação” (em: Tonini, R. S. S. Doze de março, Dia do Bibliotecário. Jornal A Tarde, Salvador, 11/03/2011. p. a3).

 

Finalizo o texto, externando meus agradecimentos os colegas cearenses pelo convite e participação na nossa efeméride; de poder tomar contato com vários profissionais locais, além de conhecer e aprender um pouco mais sobre a profissão bibliotecária. Pessoas, experiências e histórias profissionais que nos fazem sentir um maior orgulho da Biblioteconomia, e estimulados a exercê-la e, mais além, a desenvolver uma militância por sua promoção, reconhecimento e valorização social, tendo à mão, como espada de luta, o próprio coração. Para cada colega bibliotecário deste Brasil um sincero e marcante 12 de março.


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FERNANDO MODESTO

Bibliotecário e Mestre pela PUC-Campinas, Doutor em Comunicações pela ECA/USP e Professor do departamento de Biblioteconomia e Documentação da ECA/USP.