OBRAS RARAS


DOCUMENTOS (RAROS) ELETRÔNICOS - PARTE II

Na coluna anterior começamos a falar dos novos meios em que a produção documental é hoje produzida, e em como arquivos eletrônicos (que eventualmente podem ser raros) têm a possibilidade de se perder facilmente.

 

Viajando rapidamente na história, sabemos que o impulso de se registrar idéias e criações existe desde que o mundo é mundo, ou melhor, desde as pinturas das cavernas, provavelmente. Apesar de a linguagem falada ser o meio de expressão que se seguiu à pictografia (linguagem essa utilizada até hoje como único meio de expressão por alguns povos), foi com a escrita que o homem captou as idéias mais permanentemente. Talvez tão importante quanto fixar suas idéias em meios duráveis, a humanidade continuou a evoluir quando criou condições de reproduzir essas idéias – o que permitiu que compartilhasse com outras pessoas os conhecimentos desenvolvidos localmente, contribuindo de forma decisiva para  avanços em todo o mundo.

 

A utilização de blocos de madeira para a produção de livros na China do século 7 da era cristã pode ser considerado “o” marco revolucionário na tecnologia da impressão. Mais tarde aperfeiçoada por Gutenberg na Alemanha, essa tecnologia existe há 6 séculos e deve continuar por mais vários, acredito. Entretanto, meios eletrônicos já se encontram em nossas bibliotecas, e hoje vemos não apenas filmes que evoluíram para os videocassetes, mas discos laser, CDs, DVDs, etc., para não falar da questão da catalogação de material on-line.

 

Há muito o que se discutir ainda com relação a direitos autorais e controle bibliográfico de material eletrônico, numa época em que qualquer um poder ser seu próprio editor. Como podemos, para fins de armazenamento e tratamento técnico, considerar essa ou aquela versão de um trabalho a definitiva, já que existem apenas on-line, por exemplo? As mudanças ocorrem tão rapidamente que só Deus sabe o próximo passo. Bem, Deus pode saber, mas temos nossa parte para fazer aqui.

 

Se até agora o profissional da informação (mesmo o de livros raros) vem tendo um posicionamento mais passivo com relação ao material que chega à sua biblioteca, talvez a partir de agora precise ter uma postura mais ativa, e não apenas esperar que as coleções digitais cheguem até nós (e então, como o exemplo da biblioteca inglesa no artigo do mês passado, termos um grande trabalho para mais tarde tratar os meios como chegaram). Será que existiria uma forma de mostrar, ou até mesmo instruir, escritores de nossas cidades, por exemplo, que sejam doadores potenciais de seus acervos, no sentido de pensarem em preservar seus dados e meta-dados?  Não deve ser de todo impossível. Poderia a biblioteca criar um modelo e ser distribuído a doadores para garantir a compatibilidade dos materiais que chegam? Um guia, educando esses possíveis escritores e todos que quisessem doar seu material em formato eletrônico? Computadores e programas se tornam obsoletos rapidamente, e não podemos guardar um de cada tipo para garantir que um dia, quem sabe, vamos precisar deles para ler algo. Assim, precisamos pensar numa maneira de migrar a informação e padronizar o armazenamento para reduzir o problema, ou fazer com que ela chegue a nós mais ou menos padronizada. A sugestão se aplica igualmente à própria memória de  qualquer instituição, que provavelmente já possui meios de armazenamento diferentes e não compatíveis.

 

O que tem a ver o profissional de livro raro com isso? Tudo. Afinal, versões diferentes de um mesmo manuscrito também podem ser raras, mesmo estando  em outro meio. Livros inteiros, originais que nunca foram publicados, são outro exemplo. No caso de imagens, como podemos colecionar fotografias digitais antes que sejam perdidas? Há memórias de cidades, bairros, ruas, pessoas, somente em formato digital (ou virtual). Encorajar o depósito em nossas bibliotecas é uma forma de preservar esse valioso acervo que se perde a cada dia, mas... estaremos preparados?

 

O tema não é novidade. Assunto similar já foi abordado na coluna do colega Fernando Modesto de maio de 2004, neste mesmo website. O que importa é estarmos atentos para a aplicabilidade de padrões também para o material virtual raro (ou ainda não raro), e nunca deixá-lo à margem de nenhum processo da biblioteca. Relembrando: o que é considerado comum hoje pode ser considerado raro amanhã.

 

Até a próxima!

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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.