OBRAS RARAS


UMA QUESTÃO DE GOSTO

Publicado nesse 2008, chegou-me às mãos um belo catálogo de exposição realizada recentemente na John Carter Brown Library, aquela biblioteca de livros raros nos Estados Unidos que possui um grande acervo de livros sobre o Brasil colonial.

 

A Matter of Taste, ou Uma Questão de Gosto, é sobre o colecionador de livro raro que dá nome à biblioteca e seu filho, John Nicholas Brown, continuador da tarefa após a morte de seu pai. É, também, um dos muitos exemplos de divulgação de um acervo possivelmente desconhecido do grande público. A reunião inteligente de itens, aparentemente sem relação uns com os outros, mostra facetas diferentes de uma coleção e desperta interesse.

 

A ênfase da exposição (e do catálogo) foi no colecionador e na arte de colecionar durante o século 19. Marcas de propriedade, encadernação, restauração, facsímiles, etc. formaram os assuntos principais e contaram histórias de aquisição, correspondência entre colecionador e livreiro, também tecendo comentários sobre o estado físico do livro (era prática corrente então encadernar ou restaurar livros após a compra – o que muitas vezes descaracterizava o exemplar).

 

Para enfeitar a contra-capa de um livro, os colecionadores normalmente não mediam esforços ao elaborar um ex libris, que funciona tanto como marca de propriedade enfeitada como uma segurança do retorno de eventuais livros emprestados (pelo menos em tempos antigos). Através desses selos, pode-se traçar a história de antigos donos de determinado exemplar e esse registro constitui parte integral de um livro. Muitas vezes o ex libris é uma garantia que o livro não é falsificado, por exemplo. Colecionadores idôneos também asseguram a história de um livro quando este é vendido.

 

Assim como os ex libris (selos colados na contra-capa de livros atestando marca de propriedade) ou como ilustrações ou iniciais de nomes de proprietários (pessoais ou institucionais) nos cortes das folhas de um livro, o uso de carimbos também teve sua evolução ao longo dos anos. Na época, o próprio John Carter Brown pensava, nos primeiros anos de formação de sua biblioteca, que carimbar os livros de sua biblioteca com o seu nome poderia diminuir seu valor. Dessa forma, somente os livros de menor valor foram carimbados, inicialmente. Mais tarde, ele próprio viria a marcar todos os seus livros com diferentes estilos de carimbo com seu nome  (fato que acontece também com os ex libris; não raramente um colecionador confecciona, ou manda confeccionar, diferentes ex libris para cada assunto de sua biblioteca). Apesar da dúvida de marcar ou não livros raros e valiosos, o tempo mostra que a marcação é um mal menor do que a perda ou o roubo. No caso de J. C. Brown, como dito no catálogo, seu nome estampado em um livro dificilmente diminuiria seu valor.

 

Para as encadernações, esse colecionador também possuía pelo menos três modelos diferentes de desenhos utilizados para marcar seus livros. As marcas de propriedade em encadernações são chamadas de super libris. Em sua época, a encadernação e a restauração eram práticas mais incisivas em vários países, como já dito. Não havia, ainda, a idéia de preservação do exemplar de um livro em suas condições originais. Conta o texto do catálogo que um dos livros mais raros dessa biblioteca escapou da reencadernação porque o encadernador inglês (esse serviço para colecionadores norte-americanos era realizado na Inglaterra) adoeceu e John Carter achou por bem não deixar o livro em Londres, por questões de segurança. Reavaliado por um livreiro mais tarde, optou por preservar as condições originais do volume.

 

A John Carter Brown Library possui, igualmente, muitos ex donos (hoje, mais de 15 tipos). Estes são os ex libris com o nome do doador impresso, confeccionados por ocasião da doação de uma coleção à biblioteca.

 

O colecionismo norte-americano (e de outros países) de raridades no século 19 também registra que o controle bibliográfico das coleções em bibliotecas era muito precário e dependia do interesse e do conhecimento do livreiro e do colecionador. Pode-se daí pensar que a Biblioteconomia de Livros Raros muito deve a esses antigos bandeirantes.

 

Até a próxima!

 

A Matter of Taste: discrimination in nineteenth-century book collecting. Catalogue of an exhibition of rare books from the John Carter Brown Library. By Susan Danforth with photographs by Richard Hurley. Providence, RI: John Carter Brown Library, MMVIII.


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.