OBRAS RARAS


MISTÉRIOS (QUASE DESVENDADOS) MEDIEVAIS

Antes do advento do papel – e mesmo depois –, durante a Idade Média e a Renascença, livros e documentos fizeram uso do pergaminho como suporte para o registro da informação. O papel acabou se mostrando de menor custo e se estabilizou até os dias atuais, passados vários séculos. Muitos livros foram impressos de forma artesanal até o início do século XIX; posteriormente, de forma industrial, até que o uso da eletrônica se firmou na confecção de livros. Principalmente aqueles do período artesanal são hoje os livros raros que se encontram em muitas de nossas bibliotecas. Da mesma forma, os manuscritos também se utilizaram de diferentes suportes, até que o papel prevaleceu, assim como vem ocorrendo com o documento (antes manuscrito) eletrônico.

 

O que se conhece por tecnologias de informação e comunicação (TICs) surgiu na segunda metade do século XX e tem estado presente na vida dos livros, manuscritos, material fotográfico, iconográfico etc. desde, pelo menos, o final da década de 1970, quando do iniciozinho das discussões sobre a automação dos catálogos de biblioteca e outros serviços. Nas colunas de dezembro de 2005 e janeiro de 2006, neste site, abordamos como esse acervo especial foi contemplado quando do estabelecimento de padrões que permitiriam acesso mais rápido e comunicação entre bibliotecas. Hoje, vemos resultados bastante positivos nesse campo.

 

Após a catalogação automatizada dos anos 1980, vimos surgir a digitalização na década de 1990, evidenciando acervos pouco ou nada conhecidos, tornando o conteúdo dos livros raros e dos documentos históricos mais fácil e rápido. O uso de palm pilots e de outros dispositivos eletrônicos, igualmente, se mostrou útil para coleta, diagnóstico e armazenamento de dados sobre, por exemplo, a conservação do acervo da coleção Rosenwald, da Library of Congress (coluna de setembro de 2004).

 

Nesses primeiros anos do terceiro milênio, as bibliotecas digitais com acervo especial são amplamente utilizadas e a pesquisa, cada vez mais aprofundada, é acompanhada por avanços tecnológicos e destes faz uso para desvendar determinadas informações que, de outra forma, não teriam como se tornar públicas. Há muita informação anterior ao advento da imprensa ainda por ser revelada.

 

Na presente coluna, vamos falar da análise de DNA em pergaminhos para o estabelecimento de procedência dos animais utilizados na confecção de documentos e o registro dessas informações em base de dados.

 

Tim Stinson é pesquisador da North Caroline State University, estudioso de textos medievais e suas diferentes versões e modificações ao longo da Idade Média. Como diz o professor, tanto o local de origem quanto a data de muitos manuscritos não são conhecidos, o que torna impossível situá-los em um contexto histórico. O dialeto e a caligrafia contribuem para a atribuição de procedência, mas não são elementos conclusivos, por serem considerados inexatos. No geral, os escritos da Igreja e a documentação legal eram datados, mas o mesmo não ocorria com os textos literários. Stinson percebeu que um bom caminho a seguir seria verificar não as palavras, o texto, mas as páginas. Se o DNA podia ser extraído de ossos e outras fontes, por que não de couro?

 

A ideia, apresentada no encontro anual da Bibliographical Society of America em 2009, consistia na retirada de pequenas amostras de manuscritos datados e estabelecê-las como referência para comparação com outras de data desconhecida.

 

De acordo com o pesquisador havia, basicamente, três tipos de animais dos quais eram extraídos os couros: bezerro, carneiro e bode. A escolha do animal variava de acordo com a região. Por exemplo: na Inglaterra, havia preferência pelo carneiro; na França, tanto o bezerro quanto o carneiro eram utilizados. Não à toa muitos desses animais domesticados – a predileção pelos mais jovens imperava, pela maciez do couro – participaram de uma etapa da cadeia da produção editorial e da confecção de inúmeros manuscritos por muito tempo.

 

O pesquisador comprou e retirou amostras de seis folhas de pergaminho que pareciam ter pertencido a um Livro de Horas francês do século XV (sem prejuízo para o texto). Após testar uma amostra e ver que era possível extrair seu DNA, cinco outras folhas foram testadas para verificação da relação entre essas e a primeira.

 

Os resultados evidenciaram dois grupos distintos: um grupo de dois e outro de três. Todos procediam da mesma linhagem materna em cada grupo embora, aparentemente, os couros não fossem de “irmãos”, primeiro porque dificilmente as vacas têm gêmeos; segundo, porque não se esperaria um ano para o nascimento de outro bezerro para terminar um livro. Para o pesquisador, isso significou que haveria, pelo menos, dois “indivíduos” em cada grupo que podiam ser primos em primeiro grau mas, para comprovar essa hipótese, o núcleo celular precisaria ser analisado – o passo seguinte do pesquisador, igualmente preocupado em descobrir técnicas menos invasivas e interessado em ampliar o escopo da pesquisa com alguns livros-base.

 

Nas ciências, a tecnologia a serviço da análise de DNA já era conhecida, mas talvez seja essa uma das primeiras tentativas sistemáticas de desvendar origem e data de livros antigos e manuscritos.

 

O pesquisador continua recebendo incentivo para a sua pesquisa, considerando as verbas utilizadas desde então, disponíveis no site da universidade: http://english.chass.ncsu.edu/faculty_staff/tlstinso

 

Até a próxima!

 

Traduzido e adaptado de:

Thompson, Andrea. DNA May Reveal Origin of Medieval Manuscripts. Livescience. Disponível em: <http://www.livescience.com/3300-dna-reveal-origins-medieval-manuscripts.html>. Acesso em 10 mar. 2015.

 


Créditos da imagem: C. Michael Stinson, Livescience.


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.