ARTIGOS E TEXTOS


BIBLIOTECA PÚBLICA E COMUNIDADE: UM VÍNCULO AINDA INEXISTENTE

(As normas e a grafia são as da época da publicação original)

Inicialmente, eu gostaria de agradecer o convite que me foi feito. Gostaria também que este, assim como outros eventos, represente, realmente, uma mudança dos conceitos existentes sobre a Biblioteca, o Bibliotecário e a própria Biblioteconomia. Nós somos excluídos, ou nem ao menos lembrados, em todos os debates, inclusive aqueles cujo temário possui ligações diretas com nosso campo de ação e de estudos. Debates sobre Educação, Cultura, Informação, Mercado Livreiro, Censura, por exemplo, não contam nunca com a participação de um profissional de nossa área. Dessa forma, a Biblioteconomia não apresenta, não oferece opiniões, embora as tenha. Uma área, qualquer que seja ela, somente se desenvolve quando, afora suas discussões internas, abre suas portas para debates com outras áreas e, principalmente, aceita e recebe contribuições externas. A Biblioteconomia tem contribuído muito pouco. Culpa, é verdade, de seus profissionais que não procuram, de maneira mais eficaz, contatos com outras áreas. Mas, culpa também de conceitos e discriminações antigas e que, apesar de em grande parte falsas, perduram até hoje. Eu espero que, a exemplo do que, de uma época para cá, já vem ocorrendo, esses conceitos ou preconceitos se modifiquem e a Biblioteconomia venha a participar do intercâmbio de estudos e experiências de todas as áreas do conhecimento humano.

Eu gostaria de dizer que fui convidado para este debate não como um especialista em Bibliotecas Públicas, mas como alguém interessado no vínculo cada vez mais estreito, eficaz e eficiente, entre a Biblioteca e a comunidade a qual ela serve. Dessa forma, a intenção primeira e primordial desta explanação, não é me ater a teorias biblioteconômicas, exaustivamente discutidas pelas bibliotecárias (ou, se pensarmos em termos de Brasil, nem tão exaustivamente assim, muito pelo contrário). A idéia básica é apresentar itens, alguns gerais, outros concretos, de forma a que pudéssemos ampliar a discussão do ponto que é o objetivo principal e a própria razão de ser da Biblioteca Pública: o atendimento ao usuário e a recuperação da informação. A partir disso, pensarmos na integração real da Biblioteca à Comunidade na qual ela está inserida. Pensarmos também em como a Biblioteca Pública pode, e deve, atingir a população mais carente e, até mesmo, os analfabetos.

Em áreas metropolitanas, principalmente com o porte da de São Paulo, possuímos vários tipos de Bibliotecas que estão presentes (ou deveriam estar) na vida da população: as Bibliotecas de Entidades (que seriam as Empresas, Fundações, Secretarias de Estado, Comunidades, etc.). Nessas entidades teríamos Bibliotecas de “Lazer”, Bibliotecas Especializadas, Bibliotecas Técnicas, Centros de Informação, Centros de Documentação, etc. Todas essas Bibliotecas, embora algumas com acervo geral, são de acesso restrito. Normalmente, apenas um número determinado de pessoas pode utilizá-las.

Outro tipo englobaria as Bibliotecas Universitárias, mas que possuem, geralmente, acervos específicos e que possibilitam o acesso apenas a um número reduzido de pessoas. Não é preciso lembrar o nível sócio-econômico da grande maioria desses usuários. Teríamos agora as Bibliotecas Públicas que é objeto desta reflexão.

E teríamos ainda, as malfadadas e raríssimas Bibliotecas Escolares. Em São Paulo, são pouquíssimas as Bibliotecas Escolares existentes. Aquelas que existem, que possuem, sem ir muito longe, pequenos acervos, que contam com um profissional bibliotecário, que estão mais ou menos atualizados e que participam um pouco do processo educativo, essas então são “avis rara”. Como nós podemos pensar em Ensino, em Educação, em Desenvolvimento pedagógico, em técnicas pedagógicas se as Escolas não possuem o apoio básico que é a Biblioteca? Uma palavra em moda é “pesquisa”. Os alunos procuram a Biblioteca para ‘pesquisar”. Todos fazem “pesquisa”. Eu tenho a certeza que todos os Bibliotecários possuem vários exemplos sobre a “pesquisa”. Na Biblioteca onde trabalho (uma biblioteca universitária), recebemos certa vez um aluno que iniciava o 2o. grau. Todo medroso, desambientado, ele chegou junto à mesa do Bibliotecário de Referência e disse que queria fazer uma pesquisa sobre o “Sistema Financeiro Nacional”. “Sistema Financeiro Nacional?”, disse assustado o bibliotecário. “Isso mesmo” respondeu o consulente. “Já que você quer, tudo bem. Mas, pra que você quer isso?”. “Para uma pesquisa” respondeu o estudante. “Está certo, para uma pesquisa. Mas, por que sobre esse assunto?”. “Porque o professor pediu.”. O bibliotecário resolveu insistir: “Mas, por que ele pediu exatamente esse assunto?”. O garoto olhou para os lados, baixou a cabeça e respondeu: “Acho que é porque ele é chato mesmo.”

Quer dizer, uma pesquisa onde o aluno não sabe o porquê, não sabe pra que está fazendo aquilo, não sabe ao menos onde se insere, dentro dos seus estudos, aquilo que está pesquisando.

Eu quis apenas mostrar um exemplo da forma como o aluno hoje, procura a Biblioteca. O que o leva a procurar uma Biblioteca. E isso acontece normalmente a mando dos professores.

Vamos lembrar aqui um ponto importante: Bibliotecas Públicas e Escolares são diferentes, não se fundem numa só, possuem objetivos diferentes. Num país subdesenvolvido como o nosso, onde praticamente não existem Bibliotecas Escolares, a Biblioteca Pública é obrigada a suprir sua falta. Em um dos artigos que li a respeito, publicado na Revista de Biblioteconomia da Universidade Federal de Minas Gerais, é citado que 90% das consultas atendidas pelas Bibliotecas Públicas, hoje, no Brasil, são de estudantes. Existe uma lei estadual que determina a criação de Bibliotecas, com Bibliotecários, nas Escolas estaduais. Mas, mesmo existindo, essa lei não é cumprida.

Com o número reduzido de ramais e sobrecarregada, na medida em que deve suprir as não existentes Bibliotecas escolares, a Biblioteca Pública se desdobra na tentativa de atingir seus objetivos.

A título de exemplo, gostaria de apresentar algumas relações propostas pela IFLA (Federação Internacional de Associações de Bibliotecários). Ela propõe uma Biblioteca para cada 71.000 habitantes. Para uma cidade como São Paulo, isso equivaleria a aproximadamente 120 bibliotecas. Hoje, São Paulo possui uma Biblioteca Central e 21 ramais, incluindo a Biblioteca do Centro Cultural, voltadas para o público adulto e uma Biblioteca central e 27 ramais voltadas para o público infanto-juvenil. Faltam-nos, então, segundo esses padrões, apenas e tão somente 70 bibliotecas. Isso sem contar que as Bibliotecas ramais atendem a população de várias cidades vizinhas e que compõem a Grande São Paulo.

Outros padrões fornecidos pela IFLA são interessantes: por exemplo, ela propõe 2 volumes (livros) por habitante. Em São Paulo necessitaríamos de 17 milhões de volumes; propõe, também, 3 lugares para cada 1000 habitantes. Em São Paulo, precisaríamos de 25.500 acentos. Mais um padrão que merece ser destacado: a IFLA indica como recomendável, a existência de um profissional bibliotecário para cada 10000 habitantes. Apenas na rede municipal, necessitaríamos de 850 profissionais.

Eu sei que esses são números ideais e que as Bibliotecas Públicas de São Paulo não os atingirão tão cedo, ou talvez nunca. No entanto, precisamos lembrar que a disparidade entre o existente e o ideal é enorme e que, por isso, deve-se procurar reduzir essa defasagem.

Os problemas enfrentados pelas Bibliotecas Públicas de São Paulo são muitos, por exemplo: o número reduzido de funcionários. Eu não sei se todos os presentes sabem, mas aos domingos, uma cidade como São Paulo conta apenas e tão somente com uma Biblioteca aberta, dirigida para o público adulto (a Biblioteca Mário de Andrade). O funcionamento, no entanto, está restrito ao horário das 9h00 às 18h00. Aos sábados à tarde, além da Biblioteca Mário de Andrade, apenas a ramal da Penha funciona. E mais: das 20 ramais, quatro encerram seus expedientes, nos dias úteis, às 18h00; outras quatro às 18h30; seis outras às 19h00; duas às 19h30; três às 20h00 e apenas uma às 21h00. Apenas a Biblioteca Mário de Andrade funciona até as 23h00.

Outro problema, e grave creio eu, é o salário pago aos Bibliotecários. O profissional Bibliotecário recebe um ínfimo salário que redunda, obviamente, num acomodamento e numa desmotivação, exatamente num trabalho onde a criatividade é fator essencial.

Continuando com a apresentação de alguns problemas enfrentados pelas Biblioteca Públicas de São Paulo: as verbas são escassas para a compra de materiais. Creio que este item não precisa de maiores comentários.

Estes problemas precisam de soluções, não de quaisquer soluções, mas de soluções adequadas e satisfatórias.

Como a Biblioteca pode atingir a comunidade?

Em primeiro lugar, a Biblioteca não é um mero depósito ou armazém de livros. A Biblioteca não trabalha exclusivamente com livros. A matéria prima do trabalho do Bibliotecário, a essência do trabalho da Biblioteca é a informação. O livro é um suporte da informação. A biblioteca não possui livros pelos livros em si, mas pelas informações neles contidas. Dessa forma, podemos dizer que é função da biblioteca pública levar informações ao povo para que este possa participar da vida nacional com maior consciência de seus direitos e de tal forma que possa levar suas reivindicações e lutar para que sejam satisfeitas, sem receber em troca, ao invés de soluções, tapas, sopapos, pontapés, etc. Por falar nisso, não existe Biblioteca ramal na Freguesia do Ó.

Eu disse anteriormente levar informações, e não somente fornecê-las quando solicitado. Como isso? Para aqueles que aqui estão e não são bibliotecários, é preciso conhecer o DSI. DSI significa: Disseminação Seletiva da Informação e consiste, grosso modo, em filtrar informações de um assunto específico e encaminhá-las aos usuários interessados. O importante nesse processo é o encaminhar as informações. A visão que se tem da biblioteca é, normalmente, de algo estático, pacato, sem dinamismo. Mas, a biblioteca pode e deve ser exatamente o contrário. Eu acredito que, entre as funções da biblioteca está também a de produzir informações. Na medida em que eu aglutino informações, eu permito ao usuário uma visão melhor ou mesmo diferente da que ele possuía.

A Disseminação Seletiva da Informação é normalmente utilizada em bibliotecas especializadas ou em centros de documentação, etc. Mas, por que não utilizá-la na biblioteca pública? Que tal uma pequena publicação, mimeografada mesmo, onde arrolássemos informações sobre um assunto de interesse social, por exemplo, itens da CLT, do Fundo de Garantia, do PIS/PASEP, de Segurança do Trabalho, do Procon, de assistência jurídica gratuita, etc., e distribuíssemos pela comunidade? É lógico que, na maneira como aqui proposto, ele estaria mais para um trabalho de Alerta do que propriamente para o tradicional DSI. Importa, no entanto, que o trabalho estaria voltado para o emprego e uso de um tipo definido de informação, aquela usualmente denominada de “informação utilitária”. A identificação com o DSI se daria, meio forçada, a partir da idéia de vincular um tipo específico de informação com os interesses da população, ao contrário do que faz, normalmente, os meios de comunicação de massa e a própria biblioteca pública tradicional. Estes últimos procuram criar necessidades informacionais estranhas aos interesses da sociedade, fazendo com que esta se preocupe com temas e assuntos deles. Um trabalho efetivo de DSI estaria voltado, mais apropriadamente, para os movimentos organizados da população que pecam, infelizmente, por falta de informações. Tenho certeza que o DSI nas bibliotecas públicas, na medida em que for sendo utilizado, se aperfeiçoará e se firmará como medida eficaz no contato com a comunidade.

Mas, para isso é importante que a biblioteca conheça a comunidade que serve, ou que deve servir. Numa cidade como São Paulo, onde cada bairro possui características diferentes, é preciso que cada biblioteca ramal possua grande autonomia de trabalho. Um DSI centralizado não funcionaria em hipótese nenhuma.

O conhecimento da comunidade trará às bibliotecas indicações reais para a determinação do acervo, dos serviços a serem prestados, etc. Sempre a partir dos anseios e necessidades dessa comunidade. Para isso, é preciso que o bibliotecário saia em busca desses conhecimentos; é preciso que o bibliotecário participe um mínimo que seja, da vida da comunidade, trazendo-a, tanto a comunidade com também uma pequena parcela dessa vida, pra dentro da biblioteca. Algumas técnicas de perfil de usuário podem ser empregadas, mas apenas como início de trabalho e forma de penetrar na comunidade. O horário de funcionamento da biblioteca, por exemplo, deve levar em conta a vida da comunidade.

Há uma frase de Antônio Miranda que gostaria de citar: “A ideologia que motiva nossas bibliotecas é tipicamente da classe média”.

As bibliotecas ainda não estão voltadas para o povo. Elas ainda não perceberam que sua função primordial é atendê-los. Povo aqui entendido como aquele que possui mínimas condições de vida, ou nem as mínimas; aquele que não exerce ou não procura, ou não exige, ou não luta por seus direitos, porque nem ao menos os conhece; aquele que vive à margem dos acontecimentos, por pura desinformação; o migrante, principalmente da zona rural; os trabalhadores sem qualificação e, obviamente, sua família; hoje em dia, e cada vez mais, os desempregados; o analfabeto (exatamente, o analfabeto); aquele sem acesso a um mínimo de lazer e que acaba se voltando única e exclusivamente para a televisão; e tantos outros que seria difícil enumerar aqui.

É preciso que a biblioteca (e a nação como um todo) passe a maxivalorizar o povo.

O uso da biblioteca exige certos pré requisitos. Apenas as pessoas iniciadas podem freqüentar e usufruir do acervo e dos serviços prestados e oferecidos pelas bibliotecas. Um requisito fundamental é a alfabetização. O analfabeto, embora membro da comunidade, embora podendo se utilizar das bibliotecas, não o faz. É lógico: as bibliotecas não lhe parecem construídas para o uso de quem não sabe, ao menos, ler. O pior, é que ele tem razão, elas não lhe pertencem e nada estão fazendo para alterar isso.

Como atrair o analfabeto para a biblioteca? Como quebrar o medo que ele sente do ambiente da biblioteca? Como modificar a idéia de que a biblioteca não serve apenas aos alfabetizados, que a biblioteca não serve apenas às pessoas de alto nível econômico?

Dois passos: 1o.) o marketing bibliotecário (vamos chamá-lo assim) é falho quando se trata de atingir pessoas “não iniciadas” (é bom lembrar que as pessoas iniciadas não são apenas as pessoas alfabetizadas, são também aquelas em que o ato de ler não é um martírio; são também aquelas que procuram as informações para suas dúvidas e/ou necessidades cotidianas, etc.). O marketing bibliotecário, como eu dizia, é falho, assim como outras tantas coisas: a formação do bibliotecário; a formação dos professores; o sistema educacional brasileiro, etc., etc., etc. Seria importante a criação de uma equipe de bibliotecários, com apoio de técnicos de outras áreas, que se dedicasse exclusivamente à divulgação da biblioteca, que se dedicasse a atingir todos os segmentos da comunidade (obviamente que cada segmento seria atingido a partir de pressupostos e métodos diferentes), uma equipe que tivesse contato constante com as bibliotecas ramais (já que em São Paulo cada bairro possui características muitas vezes antagônicas, como já frisei); contato no sentido de promover uma eficiente divulgação, ou mesmo orientar o seu procedimento.

O 2o. passo para atrair o não iniciado estaria voltado para a função pedagógica das bibliotecas. Hoje, em São Paulo (e eu gostaria de esclarecer aqui que não estou analisando o trabalho das Bibliotecas Públicas da cidade de São Paulo, pois não é este o objeto desta exposição, embora, em alguns momentos, forçosamente acabo por tecer críticas) as bibliotecas públicas já abrem espaços para o teatro, o cinema, para palestras, música, canto, exposições, etc. Esta tentativa de “ampliar” a atuação das bibliotecas, procurando transformá-las em “complexos culturais”, em “centros culturais”, é de grande importância. Nos meios biblioteconômicos, atualmente, discute-se muito o papel do bibliotecário animador cultural e cada vez mais nos convencemos de que esta é a saída para o profissional, para a biblioteca e, também, para a comunidade.

Todos sabem que o lazer numa cidade como São Paulo é privilégio de poucos. Por que a biblioteca pública não pode atrair o seu público, por que a biblioteca pública não pode envolver o seu público e se envolver com o seu público, com a sua comunidade, conhecendo-a e participando com ela, através de promoções desse tipo?

Um ponto importante a ser quebrado é exatamente o medo que as pessoas possuem da biblioteca. A não freqüência à biblioteca é motivada, muitas vezes, não pela desinformação, mas pelo medo. A biblioteca é vista, como eu já disse anteriormente, como algo fora do alcance das pessoas. Ela é vista como um templo, um monumento cheio de livros e alfarrábios que poucos entendem, pois o próprio livro é mal conhecido. Ela é vista como um lugar frio, sem vida, onde impera o silêncio, rigidamente controlado por uma velhinha de coque na cabeça, óculos na ponta do nariz (ou pince-nez, quem sabe) que apenas lê e responde as perguntas com gestos vagos e autoritários. Onde todos lêem e nada mais há a fazer do que ler. A biblioteca é vista como um lugar onde nada deve ser perguntado, sob pena de se cair no ridículo. Um lugar onde os pequenos problemas, problemas banais, não são nem ao menos considerados.

Então, como eu dizia, é preciso que seja quebrado esse medo. A biblioteca pública pode e deve oferecer seu espaço para “campanhas de vacinação”, por exemplo, caso seja necessário. A biblioteca pública pode e deve criar vínculos com o MOBRAL (apesar de todas as críticas que a ele possam ser feitas), não só apoiando com materiais de leituras para os neo-alfabetizados, mas oferecendo seu espaço, quando possível, para que o curso exista nas suas próprias dependências.

Poder-se-ia criar, na medida em que o público comece a procurar a biblioteca, algo como uma alfabetização informal (estou chamando desse modo), sem classes, melhor dizendo, sem salas, cadeiras, lousas, etc., partindo da presença da pessoa e do motivo que a levou até a biblioteca. Pode parecer meio utópico à primeira vista, mas a medida em que conversamos com educadores e pedagogos (que obviamente participariam também desse trabalho), percebemos a viabilidade de um projeto como esse.

A utilização de audio-visuais, cada vez mais constante em nossas bibliotecas, permitiriam a aproximação com a comunidade, inclusive, e principalmente, com os analfabetos (desde que assuntos de interesse dessa comunidade).

Outro ponto a ser observado seria a valorização dos “artistas” da região, possibilitando um contato mais amplo entre eles e a comunidade.

A biblioteca deve permitir e incentivar o uso de suas dependências para o encontro de pessoas da comunidade com um mesmo objetivo; por exemplo, debates, conferências, palestras, promovidos pelas Associações do Bairro ou pelos Movimentos organizados.

Um vínculo maior deve existir entre a biblioteca e as Associações, as Comunidades Eclesiais de Base, os Clubes, os Sindicatos, os Movimentos organizados, oferecendo-lhes informações, espaço, promovendo eventos em conjunto, etc. Essa é uma das maiores funções sociais da biblioteca.

A informação não impressa também não pode ser esquecida. Como consegui-la? Conversando, papeando, proseando. Isso acontece freqüentemente na biblioteca, basta perguntar para qualquer bibliotecário de referência. Aliás, estudando-se a entrevista, dentro de processo de referência, percebe-se o valor da conversa no esclarecimento da questão de referência. Já temos, hoje, a promoção de vários “encontros” nas bibliotecas públicas. Encontros com o escritor, com o autor, por exemplo, ou o debate com os atores ao final de uma peça teatral. Mas, que tal o encontro com vereadores, deputados? Que tal a biblioteca promover, sistematicamente, encontros da comunidade com seus representantes no legislativo? Será que o povo não deve saber o que seus representantes estão fazendo em seu benefício (do povo, bem entendido)? Ou exigir dele uma atuação mais contundente, eficaz, de acordo com suas posturas e programa apresentado antes das eleições? Pois bem: a biblioteca pode se encarregar de patrocinar e promover esses encontros. E isso vem ao encontro a um dos objetivos da biblioteca: recuperar e disseminar informações.

Os trabalhos hoje oferecidos pela biblioteca pública não devem se extinguir, de maneira nenhuma. São importantes para os objetivos que pretendem e podem alcançar. Mas, não basta, apenas, fornecer informações por telefone às donas de casa, ou se utilizando de programas de rádio para isso. É bom não esquecer que com isso, continuamos atingindo uma parcela restrita da população.

A biblioteca não deve se desvincular, nunca, da realidade. Isso significa participar dos acontecimentos sociais, políticos, econômicos, culturais, etc., tanto como entidade, posicionando-se frente a um determinado fato, como também prestando informações sobre esse fato. Para exemplificar: no início dos anos 70, quando a censura imperava de forma contundente e violenta, a biblioteca, enquanto instituição, não lutou pela sua matéria prima: a informação. Outro exemplo; durante uma greve, é muito mais fácil para o empregador, para o patrão obter informações, do que para os empregados. Estes, sentam-se à mesa de negociações sem nenhuma informação que ajude a combater os argumentos apresentados pela outra parte interessada. É função da biblioteca estar presente nesses acontecimentos, oferecendo informações, principalmente a quem delas, realmente, necessita.

Um trabalho importantíssimo, nessa busca de integração biblioteca/comunidade, seria a implantação de “Centros de Informações Comunitárias” ou “Centros Referenciais”. O que seria isso? O cidadão, em face a necessidades, problemas, etc., não sabe a quem nem como recorrer. A proposta desses Centros seria reunir determinadas informações, num único lugar (obviamente em cada uma das bibliotecas) com o fim básico de responder a questões (e situações) cotidianas e concretas dos membros da comunidade. Por exemplo: em uma situação de desemprego, quais os canais oficiais que podem ajudar uma pessoa; como obter vaga em um hospital psiquiátrico; onde conseguir assistência jurídica gratuita; a quem e como reclamar quando ludibriado ou lesado ao comprar um determinado produto; quais os procedimentos e onde se consegue obter documentos como carteira de identidade, carteira de trabalho, título de eleitor, etc.; como e onde reclamar de cobranças indevidas, etc.

Esse serviço seria, evidentemente, apenas informativo, mas unificaria, aglutinaria esse tipo de informação. As pessoas teriam certeza de encontrar nesses centros (montados, atualizados e dinamizados por bibliotecários específicos) a informação de como agir numa situação desconhecida. A partir desse trabalho, a biblioteca poderia se transformar no verdadeiro centro de informação da comunidade, o espaço informacional ao qual todo e qualquer cidadão teria acesso.

Finalizando, eu gostaria de repetir que a proposta básica desta pequena exposição foi pensar, foi refletir a respeito de uma biblioteca pública mais voltada para os interesses da população carente de informação, de uma biblioteca pública mais voltada para os interesses do povo; uma biblioteca pública que procure mais e mais integrar-se com a comunidade, servindo-a, que é, enfim, sua maior função.

 

(Palestra proferida no Simpósio de Política de Integração Cultural, promovido pelo CONDEPHAAT, União Brasileira de Imprensa e outros, em 11 de março de 1983)

(Publicado originalmente em: ALMEIDA JUNIOR, Oswaldo Francisco de. Sociedade e Biblioteconomia. São Paulo: Polis, 1997)

Autor: Oswaldo Francisco de Almeida Junior

   110 Leituras


author image
OSWALDO FRANCISCO DE ALMEIDA JÚNIOR

Professor associado do Departamento de Ciência da Informação da Universidade Estadual de Londrina. Professor do Programa de Pós-Graduação em Ciência da Informação da UNESP/Marília. Doutor e Mestre em Ciência da Comunicação pela ECA/USP. Professor colaborador do Programa de Pós-Graduação da UFCA- Cariri - Mantenedor do Site.