UM SANTO DIFÍCIL
A bibliotecária olhou para o menino que se aproximava de sua mesa. Ele chegou confiante e apressado. Foi objetivo.
- Tia, a senhora é religiosa?
"E essa, agora?! Sou eu a entrevistada?!" - pensou a bibliotecária.
- Por que você deseja saber?
- É que a professora pediu uma pesquisa e minha mãe disse que se a mulher que atende na biblioteca fosse uma pessoa religiosa seria mais fácil de entender o que eu quero e a minha pesquisa...
- Calma - disse a bibliotecária, assustada com a pressa e a rapidez com que o menino falava - Vai mais devagar. Se você estivesse escrevendo tenho certeza de que não haveria nenhum ponto e nenhuma vírgula em sua frase. Bom, do começo. Pelo que entendi, você precisa fazer uma pesquisa sobre religião. É isso?
- Mais ou menos - disse o menino, um pouco mais calmo (ou, quem sabe, imaginando que a coisa seria difícil com aquela bibliotecária).
- Como "mais ou menos"? É sobre religião ou não é?
- É sobre santo - respondeu o menino voltando a se tornar apressado, ou impaciente.
- Ah! Sua pesquisa é sobre santo. Provavelmente, a biografia de algum santo específico.
- Acho que não tem nada desse negócio de "bio-num-sei-o-que". O professor quer que eu pesquise sobre a vida de um santo.
A bibliotecária percebeu, no menino, um certo olhar de menosprezo.
- Biografia de um santo e vida de um santo significam a mesma coisa - quem estava impaciente, agora, era a bibliotecária - Você não sabe o nome do santo... Como vou poder lhe ajudar...
Menino e bibliotecária se olhavam. Quem retomaria a conversa?
- Há algum detalhe sobre esse santo que possa colaborar para identificá-lo? - recomeça a bibliotecária, talvez mais como "dever de ofício".
- A única coisa que lembro é que... parece que ele tinha asas.
- Asas? - Por um momento a bibliotecária pensou em Ícaro, mas - como sou boba -, Ícaro não era santo.
- É, asas - insistiu o menino.
- Será que você não quer alguma coisa sobre anjo?
- E anjo tem vida? Aquele negócio de "bio-num-sei-que" serve pra anjo?
A bibliotecária voltou a sentir aquele persistente olhar de menosprezo.
- Sinto muito, mas não consigo lhe ajudar na pesquisa. Preciso de mais dados. Talvez o nome do professor, quem sabe eu não o conheço?!
- É Fuinha.
- O nome dele é Fuinha? - espantou-se a bibliotecária.
- Não, esse é o apelido. O nome mesmo eu esqueci. Acho que anotei o nome dele no caderno.
Um sorriso se abriu no rosto da bibliotecária.
- Veja se você anotou, além do nome do professor, o nome do tal santo.
"Que Deus me perdoe" - pensou a bibliotecária - "mas, já estou ficando com raiva desse santo".
O menino folheava, lambia o dedo e virava página, voltava a lamber o dedo e virar mais páginas até que aparentemente achou o que procurava.
- Tá aqui - falou exultante.
A bibliotecária quase arrancou o caderno das mãos do menino e leu, chocada:
"Para a próxima aula: a vida de Santos Dumont".
(Oswaldo Francisco de Almeida Júnior - contado pela Thaisi Lima, reproduzindo relato de bibliotecária que não quer se identificar)