OBRAS RARAS


DE VOLTA À RHODE ISLAND

Na coluna de fevereiro falamos do estado de Rhode Island no nordeste americano e de seu fundador Roger Williams. Falamos também de Barleus, humanista do século 17 que escreveu sobre o domínio holandês no Brasil.

Para não perder o fio da meada, e ainda sobre o mesmo tema, queria mencionar que durante a ocupação dos holandeses no Brasil (1624-1654) houve grande liberdade religiosa em algumas cidades - o que favoreceu a ida de muitos judeus para o país, sob a proteção do príncipe Maurício de Nassau (após 1630 em Pernambuco). Não falo dos cristãos-novos, moradores de terras brasílicas desde os primeiros anos da colonização. Durante o governo holandês em Recife havia centenas e centenas de judeus vivendo na cidade, sendo esta então a maior comunidade judia do novo mundo. Faz sentido, pois, que tenha sido o Brasil o primeiro país das Américas a receber um rabino, Isaac Aboab da Fonseca, nascido Simão da Fonseca (português de Beira-Alta que vivia em Amsterdã e que, segundo consta, foi amigo do Padre Antonio Vieira). Sua presença naquela cidade possibilitou a construção da Sinagoga Kahal Kadosh Zur Israel (ou Santa Comunidade Rochedo de Israel, construída na Rua dos Judeus, hoje conhecida como Rua do Bom Jesus - ironia), mais tarde destruída pelo governo português e há pouco mais de um ano atrás reaberta ao público com matérias em vários noticiários.

Retrato de Isaac da Fonseca

Paraphrasis comentado sobre el Pentateuco. Amsterdã, 1661.
O livro, uma tradução do Pentateuco para o espanhol com comentário de Fonseca, foi feito para os judeus do Brasil holandês, uma vez que estes liam espanhol devido à sua origem ibérica.

Os judeus no nordeste brasileiro estabelecidos se dedicavam ao comércio de varejo, fazendas de plantação de cana-de-açúcar e tabaco, e alguns ao comércio de escravos. Além de importadores e exportadores, havia também professores, escritores e poetas. Após a tomada de Recife pelos portugueses, uns poucos rabinos seguiram Fonseca de volta à Amsterdã, mas a maioria se deslocou para o Suriname, Estados Unidos e Caribe à procura de outras terras para plantio. A comunidade judaica de Nova Iorque (então Nova Amsterdã) foi fundada exatamente por esses judeus de Recife que para lá se mudaram. Já a comunidade judaica do Suriname, econômica e espiritualmente forte, veio a ser a fundadora da segunda congregação judia nos Estados Unidos (Jeshuat Israel, ou Salvação de Israel), em Rhode Island, na cidade de Newport. A mudança para essas bandas de cá deu-se por conta da tolerância religiosa em prática nesse estado desde sua colonização, como brevemente mencionamos mês passado. A hoje famosa Touro Synagogue viria a ser construída em 1759-63 e é a mais antiga sinagoga dos States. E pensar que essa história começou no Brasil...

Escravos combatendo forças holandesas

Broeck, Matheus van den. Journael, ofte historiaelse beschrijvinge van Matheus vanden Breock..... (Amsterdã, 1651).
O diário acima cobre o período de junho de 1645 a agosto de 1646 e descreve em primeira mão o conflito entre Portugal e Holanda.

A sinagoga, aliás, está em campanha de sobrevivência. Sua estrutura necessita de reparos que envolvem alto custo financeiro. Como a instituição não recebe subsídios dos governos da cidade, do estado, ou do país, sua restauração depende única e exclusivamente de doações pessoais e institucionais. Diga-se de passagem, essa é a regra aqui. Há dois anos atrás, ouvindo aqui na Brown University uma palestra de Lawrence Small, Secretário Geral da Smithsonian Institution (que abriga aqueles museus maravilhosos de Washington, D.C.), me surpreendi com a declaração de que as maiores doações vinham de pessoa física, e não jurídica. Tenho ímpetos de fazer analogias com a situação do Guggenheim do Rio, mas fui contratada para escrever sobre livro raro; não posso correr o risco de ser demitida deste web site no segundo mês de experiência.

So long!


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VALERIA GAUZ

Tradutora, mestra e doutora em Ciência da Informação pelo IBICT, bibliotecária de livros raros desde 1982, é pesquisadora em Comunicação Científica e Patrimônio Bibliográfico, principalmente. Ocupou diversos cargos técnicos e administrativos durante 14 anos na Fundação Biblioteca Nacional, trabalhou na John Carter Brown Library, Brown University (EUA), de 1998 a 2005 e no Museu da República até 12 de março de 2019.